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Não deu praia

A balneabilidade das praias do Rio é medida de forma diferente pelo estado e pela prefeitura. Os dados não batem, o que coincide é a incompetência em saneamento.

14 de janeiro de 2005 · 19 anos atrás

O banhista carioca que se orientar pelo site da Secretaria Estadual do Meio Ambiente terá certeza de que tudo vai bem nas praias do Rio de Janeiro. Um “press release” diz que o verão em 2005 tem tudo para ser “de praias lotadas de banhistas felizes”, que “poderão curtir as maravilhas da orla do Rio, da Zona Sul à Zona Oeste, sem maiores preocupações.” Um levantamento realizado pelo IBGE mostra que praias do Rio registraram condições de balneabilidade ótimas nos últimos quatro anos. Tudo isso é fruto, ainda segundo o release, do “intenso trabalho e muito investimento” do governo do estado.

No entanto, não é isso que mostram os dados sobre balneabilidade das praias. Esse mesmo banhista terá que decidir, em primeiro lugar, em quem acreditar. Acontece que tanto a Feema, órgão estadual, quanto a secretaria do meio ambiente da cidade (SMAC) monitoram a qualidade das águas, e muitas vezes chegam a conclusões diferentes. A praia de Copacabana, por exemplo. De acordo com a secretaria estadual do meio ambiente, “pode ser considerada cartão postal da política do governo do estado para melhorar a balneabilidade das praias do Rio”, mas a Feema, com base em dados de 7 de janeiro, só recomenda as praias de Copacabana e do Leme para banho “com restrições,” aconselhando evitar o banho de mar caso sejam observados sinais de poluição. A SMAC, por sua vez, encontrou no dia 11 de janeiro águas próprias para o banho no ponto de medição da rua República do Peru, e impróprias nos outros três pontos de medição do bairro (Leme, Barão de Ipanema, Souza Lima). A Feema encontrou também condições próprias para o banho em cinco praias da Ilha de Paquetá, dentro da Baía de Guanabara, enquanto a SMAC considerou as três onde faz medição impróprias para o banho.

As praias do Rio parecem ser as únicas do Brasil que têm o privilégio de dois programas independentes de medição do seu nível de poluição. Poderia ser até um indicador de grande interesse dos governos estadual e municipal na solução do problema da poluição das águas. Não parece ser esse o caso. A secretaria de meio ambiente da cidade começou a medir o nível de poluição das praias a partir de 1995 com o objetivo—segundo o seu website—de elaborar previsões das condições de banho, baseadas nas medições e em previsões do tempo e das condições do mar.

Parece razoável imaginar, no entanto, que as razões da prefeitura vão além dos prognósticos de balneabilidade. O fato é que a qualidade das águas está intimamente ligada ao saneamento, ou à falta dele. E poucos temas têm criado tantos conflitos entre estados e municípios quanto a definição da responsabilidade pelo saneamento básico. A constituição de 1988 diz que a concessão dos serviços de água e esgotos é prerrogativa dos municípios, mas as empresas que executam esses serviços—Cedae no Rio, Sabesp em São Paulo—são estaduais. No caso do Rio de Janeiro, os efeitos dessa disputa são potencializados por dois fatores. Um deles é a expansão da cidade na direção oeste, onde a ocupação do solo precede a instalação da infraestrutura urbana. Foi assim, graças ao esgoto lançado sem tratamento pelos condomínios do bairro na lagoa de Marapendi, que a Barra da Tijuca perdeu o seu status de praia limpa.

Mas a maior fonte de desordem urbana está nas favelas. O seu crescimento acelerado e as ligações por definição clandestinas sobrecarregam os sistemas de galerias pluviais (do município) e de esgoto (da Cedae, estadual). Essa divisão legalista das tarefas não parece corresponder ao que acontece no solo, onde parece imperar uma lógica de ocupação de espaços. A favela da Rocinha, uma das maiores da cidade, parece ter se tornado objeto do interesse do governo do estado, na medida em que a prefeitura preferiu concentrar seus esforços em comunidades menores.

Voltando à questão da qualidade da água. Os números da prefeitura e governo do estado não são incompatíveis, apesar de não medirem exatamente a mesma coisa. A Feema mede a concentração de coliformes fecais, enquanto a SMAC mede o nível de bactéria E. coli, seguindo a orientação do Conama. São maneiras diferentes de chegar ao mesmo resultado. Os resultados diferem porque os índices de concentração variam em função de chuvas, marés e correntes marítimas. As recomendações tanto de um órgão quanto do outro devem ser encaradas com cuidado. A resolução do Conama autoriza três indicadores diferentes: concentração de coliformes fecais, de E. coli, ou de enterococos. Manda considerar imprópria para o banho a praia onde a média das análises recentes indique concentração superior a 100 enterococos por 100 ml de água. É muito? Basta dizer que a Agência de Proteção Ambiental dos Estados Unidos, que trabalha com estudos epidemiológicos para determinar níveis de tolerância, recomenda o fechamento de praias com mais de 35 enterococos por 100 ml.

O cenário não é dos mais animadores. A poluição das praias é conseqüência direta do saneamento básico deficiente, que resulta em esgoto chegando ao mar sem tratamento. Estado e município disputam território, enquanto o problema cresce.

Colaborou Maria Beatriz Mussnich Pedroso.

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