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Banquete à beira-mar

No Rio, discute-se se o comércio ambulante na praia merece um sim ou um não. O debate tem de tudo, exceto alguém preocupado com a saúde da orla carioca.

26 de outubro de 2005 · 18 anos atrás

Sim ou não virou moda. Agora, o cidadão questiona, nas rádios e na TV, o direito de fazer ou não piquenique em praias públicas. Na tentativa de manter as praias livres do comércio ambulante, até porque eles não pagam imposto, antigo prefeito carioca resolveu construir quiosques à beira-mar. A idéia é que eles serviriam ao mesmo tempo para uniformizar a comilança à beira-mar e expulsar de lá, pela concorrência e sem o ônus político, os ambulantes.

No entanto, os donos de quiosques, sob o olhar complascente das autoridades, viraram eles também camelôs. Foram além das calçadas, distribuíram mesinhas pela areia e acabaram convivendo com os vendedores ambulantes, que hoje, além de gritarem jingles super criativos para garantir seu espaço no mercado, apresentam um cardápio variado. Tem camarão no espeto, queijo na brasa, empadas, quibes, sanduíches naturais, e outros.

O público se divide entre dizer sim ou o não aos ambulantes de areia. Exemplo:Comer um biscoito Globo na praia de Ipanema pode ser cool, tradicional. Afinal, biscoito Globo é um ícone nas praias do Rio. O queijo coalho derretido no palito, por exemplo, é moda mais recente e faz sucesso entre os surfistas na praia do Pepê.

Quando ouvi a opinião dos telespectadores do programa Notícias do Rio, apresentado por Márcia Peltier, na Record Rio, percebi que a maioria dos participantes do debate estava preocupada com os preços praticados pelos ambulantes e com a qualidade da conveniência que eles trazem para quem pretende ficar prostrado sob o sol por horas a fio. Houve até quem defendesse o direito do cidadão de fazer um “extra”. Mas, não houve um infeliz que questionasse a sujeira que os que fazem os piqueniques deixam nas praias. Aqui, vale lembrar que a sujeira não é deixada pelos ambulantes. Quem termina o “serviço” é o consumidor. O ambulante só facilita um pouco mais as coisas.

A cada domingo de verão, as praias do Rio recebem aproximadamente 900 mil pessoas. É uma multidão superior a toda a população carioca em 1900, quando Copacabana era uma distante vila de pescadores e ir à praia era um passeio exótico. Acontece que praias não se reproduzem de acordo com a demanda. A quantidade de lixo gerada por essa massa é motivo de preocupação para quem se importa com o tempo de vida útil da extensão da casa dos cariocas.

Os problemas causados pelo acúmulo de resíduos sólidos, em especial plásticos, são preocupantes. A diversão mais barata do país, custa caro. Fora o que se gasta para limpar as praias num final de domingo, o lixo traz riscos para a fauna marinha. Garrafas e outros recipientes podem aprisionar pequenos animais marinhos. Plástico e isopor podem ser confundidos com alimento e ingeridos por peixes, aves ou mamíferos, que quase sempre morrem, em geral por obstrução do aparelho digestivo.

A fauna humana também é vítima de sua própria displicência. De acordo com a Comlurb, o que mais ameaça a saúde dos banhistas, além das línguas negras, que são aqueles extravasamentos de águas poluídas que se acumulam na areia, é a presença de animais nas praias. Os cachorros, levados por seus donos, usam a areia da praia como toalete. As pombas, que chegam até lá sozinhas, buscam restos de alimentos deixados por quem freqüenta o local. As conseqüências da areia poluída são doenças de pele, como micoses, a conjuntivite e verminoses.

No entanto, para a maioria dos freqüentadores da praia, o que importa é a estética. Se toda a sujeira estiver enterrada debaixo da areia e os animais marinhos (já mortos) não estiverem boiando, tá tudo certo. Se não der para esconder a sujeira debaixo do tapete, o bando migra para as praias mais selvagens. Afinal, 300 garis limpam, duas vezes por dia, as 73 praias cariocas, da Ilha do Governador e Paquetá até a Barra de Guaratiba, todos os dias da semana.

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