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Escravos de brinquedo

O homem tem uma relação egoísta com os bichos que qualifica como de “estimação”. E é capaz de tudo para justificá-la, como dizer que passarinho em gaiola é educativo.

7 de outubro de 2005 · 19 anos atrás

Não há o que me faça aceitar ou entender a relação que os homens estabeleceram com bichos por eles denominados “de estimação”. Normalmente, quando são questionados, os proprietários dos bichos de estimação surgem com explicações rebuscadas. Falam sobre a origem do animal, sobre as coisas que ele sabe fazer, enfim, embromam e evitam confessar, sem dó nem piedade, que sabem que colocar um passarinho para viver numa gaiola, por exemplo, não é justo. Poucos são os que têm a coragem de admitir que a atitude é egoísta, apesar de ser aceita e cultuada pela sociedade.

Navegando pela Internet, em busca de sarnas para me coçar, encontrei um texto, assinado por Karina Hollo e divulgado no site.

Sem escrúpulos e provavelmente, com a maior das boas intenções, ela disserta, com base numa entrevista realizada com Sônia Knopf, psicoterapeuta, sobre a importância dos animais no desenvolvimento de crianças. O título do texto é “O Melhor Amigo do Seu Filho”. Dentre outras, o texto diz que o animal acaba com a solidão, sentimento que todos temos quando saímos da barriga da mamãe. A psicoterapeuta afirma que “não há nada mais agradável do que chegar em casa e saber que tem alguém lhe esperando”. Enfim, o homem transformou bicho em remédio para solidão.

Fora isso, ao longo do texto, os bichos são descritos como produtos, com direito a lista de vantagens e desvantagens de cada um dos mais tradicionais animais de estimação, prazo de validade (tempo médio de vida) e comportamento. Também explica o que a criança pode ou não aprender durante o convívio com um exemplar de uma das espécies citadas.

Não acredito que observar animais ou saber mais sobre eles seja ruim para a educação de nenhuma criança. Pelo que sei, normalmente, elas estabelecem vínculos construtivos com os bichos. O que me choca é a falta de respeito com o bicho. Além do mais, não dá para achar que um passarinho numa gaiola possa vai ensinar alguma coisa para uma criança – a não ser talvez ser como um presidiário.

Na “lista” do texto em questão, o cachorro, por exemplo, apesar de ser considerado o melhor dos companheiros, perde ponto por exigir cuidados freqüentes, como banho e tosa. O produto passarinho é avaliado de forma contraditória e confusa. O texto afirma que eles devem ser presos em gaiolas e ficar longe das crianças, já que podem bicar os “amiguinhos”. Ao mesmo tempo, justamente por estarem presos, perdem pontos no quesito contato físico, descrito como item quase decisivo na escolha do animalzinho de estimação que os pais vão escolher para educar seus filhos.

Os mais interessantes são os furões e os hamsters. Eles não gostam de ficar no colo, costumam reagir com mordidas e gestos bruscos e ficam facilmente estressados quando manipulados, podendo inclusive, morrer nos braços da criança. O texto afirma que esta pode ser uma experiência traumática para a criança. O fato de o furão morrer estressado não faz diferença alguma. Talvez seja ele, o furão, o mais educativo dos bichinhos de estimação. Morrer de estresse nos braços de uma criança prova que bichos provavelmente não se sentem tão bem quanto seus donos. E, muito provavelmente, aquilo que aprendem com a gente não lhes serve de nada. São simplesmente fantoches.

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