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Preste atenção em mim!

Eu sempre questionei muito os adesivos de carro e as camisetas que trazem dizeres do tipo “eu adotei uma tartaruga marinha” ou “eu acredito em...

20 de julho de 2004 · 20 anos atrás

Eu sempre questionei muito os adesivos de carro e as camisetas que trazem dizeres do tipo “eu adotei uma tartaruga marinha” ou “eu acredito em duendes”. Também não sou fã das bandeirinhas que simbolizam o esporte que o sujeito pratica, a banda que ele mais gosta ou o time para o qual torce.

Isso sempre me trouxe sensação de limitação. Uma vez flamengo, sempre flamengo! É proibido mudar de idéia? Isso deve ser herança de um mundo não globalizado, cheio de fronteiras e limites que a gente pensa que já perdeu. Dizem que na hora do aperto, todo mundo joga nas onze, mas, teoricamente, não existe evangélico que freqüente a umbanda nem judeu que tenha em casa uma imagem de nossa senhora.

Sem dúvida alguma, vivemos numa sociedade onde é preciso pertencer a grupos. Cada grupo tem um manual de instruções que inclui regras de comportamento, valores, costumes e tradições. São sociedades e mais sociedades dos moradores de não sei onde, dos ex-alunos do colégio tal.

Pensar nada ou não ter opinião formada sobre um assunto é quase um crime. Mas, ser ou não ser, neste caso, não é a questão. Correr ou não dos “adesivos” é um assunto que já beira o existencialismo e eu ainda não estou com essa bola toda. O Eco é fundamentado em questões ambientalistas, portanto, vamos aos exemplos que talvez se enquadrem na linha editorial deste veículo.

A tartaruga marinha. Mesmo sem saber disso, a tartaruga marinha virou uma forma de comunicação e expressão. O projeto Tamar, criado em 1980, brilhantemente, fez com que ela se tornasse paixão nacional. Camisetas e adesivos mostram que mesmo aqueles que não participam diretamente do projeto, podem salvar tartaruguinhas e evitar a extinção da espécie.

Porém, devo confessar que se eu me deparasse com uma delas, entraria em pânico. A tartaruga já carrega um pacote de regras prontas. Elas já viraram Mickey Mouse. Começo pela obrigação de me sentir emocionada e privilegiada por estar diante de um exemplar vivo de uma espécie em extinção. Além disso, por uma questão de cidadania e responsabilidade social, apesar de não acolher nenhuma criança faminta em casa, se eu encontrar uma tartaruga, tenho uma série de obrigações a cumprir. A tartaruga é protegida pelas autoridades e se eu não me curvar diante dela, posso ser linchada. O socorro é cheio de detalhes. Inclui informações como, latitude e longitude do local onde foi encontrada a tartaruga, identificação da espécie, técnicas de salvamento que não a deixem estressada, medições e marcações.

Gandhi já dizia que a evolução de uma sociedade pode ser mensurada pela forma como esta trata seus animais. Portanto, levando em conta a lista de afazeres que uma tartaruga desencadeia, concluo que somos absolutamente neuróticos.

O Greenpeace. Sem saber ao certo o que é o Greenpeace, as pessoas que gostam do verde, vestem a camisa do projeto. Rodeados de pesquisas, os Greenpeace vivem baseados em princípios românticos, que podem ser comparados a contos de fadas. Para ser membro desta “sociedade”, você não precisa fazer muita coisa. Basta gostar do Gabeira, questionar os transgênicos e odiar tudo que é industrializado (mesmo não dispensando papel higiênico em casa). No Greenshop, os consumidores têm acesso a alimentos orgânicos, cadernos, livros e cartões feitos com papel livre de cloro, roupas e acessórios fabricados com matérias-primas sustentáveis..É importante lembrar que sendo membro do Greenpeace, você continua devendo explicações para as tartarugas marinhas, mas, pode aprisionar pássaros em gaiolas e cachorros dentro de casa. Afinal, você “curte” animais.

Os que decidem acreditar em duendes, praticam um maravilhoso exercício baseado em premissas que não são mais verificáveis – ou plausíveis – que quiromancia ou a crença no Coelho da Páscoa. Nada poderia levar uma pessoa para mais longe do real. Os duendes são muito esquisitos, são feios. Eles não têm a mesma popularidade das tartarugas marinhas, no entanto, não convém usar o adesivo “eu atropelo duendes” para desafiá-los (isso pode ser encarado como desrespeito ao próximo, afinal, se você acredita em Jesus Cristo, o seu semelhante tem o direito de atribuir poderes a alguém não tão popular).

Não acho que seja necessário estar atrelado a um projeto ou abraçado a uma causa ou a qualquer farsa para ser reconhecido como ser pensante. Talvez eu seja uma formadora de opinião sem opinião formada. São inúmeras às vezes em que me pego caçando, por força do coletivo, um nome, uma bandeira ou um adesivo que descreva minhas atitudes, meu percurso, meus objetivos ou a falta de todos eles.

Somos um poço de atitudes naturalmente contraditórias. Somos todos o mesmo bicho, com ou sem os adesivos ou frases de posicionamento. Podemos jogar com os sinais e símbolos, mas na essência, tudo se reduz ao traseiro vermelho de nossos descendentes macacos. Ou seja, da forma que for, estamos todos gritando: “Preste atenção em mim”.

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