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De aeroportos e parques nacionais

No Brasil a situação dos aeroportos e dos parques nacionais não é muito diferente. Quando leis básicas não são cumpridas pela maioria e nem pelos governos se instala o caos.

2 de agosto de 2007 · 17 anos atrás
  • Marc Dourojeanni

    Consultor e professor emérito da Universidade Nacional Agrária de Lima, Peru. Foi chefe da Divisão Ambiental do Banco Interam...

O que têm em comum os aeroportos e os parques nacionais? Tudo e nada. Ao lado do “tudo”, os aeroportos e os parques nacionais padecem dos mesmos problemas: ambos têm seus terrenos invadidos, as regras de uso das suas zonas de amortecimento não são respeitadas, os invasores dão queixa da proximidade de aeroportos e parques, as autoridades políticas respaldam a ilegalidade para ganhar votos e as autoridades do setor não fazem quase nada oportunamente para evitar ou enfrentar os problemas. Ao lado do “nada” estão as suas respectivas funções sociais que, sendo ambas essenciais, são assim mesmo muito diferentes.

Acidentes massivos sempre atraem a atenção da sociedade e são estéreis os esforços para lembrar que os acidentes nas estradas e ruas matam a cada mês um número de pessoas que equivale aos mortos de uns dez aviões como o da TAM. As imagens e a porfiada reiteração de informações que elevam a audiência das empresas de televisão são muito poderosas. Ainda mais porque esse acidente é o elemento mais pungente de uma crise do setor aéreo sem precedentes no país e, até onde dá para saber, no mundo. É evidente que esse acidente, seja qual forem suas outras causas, tem tudo a ver com a sua localização no centro da maior metrópole da América do Sul. Tanto assim que os vizinhos do aeroporto acreditam ter o direito a protestar pela sua escolha de lá morar. Eles pretendem diminuir a tensão que afeta seus nervos e, de passagem, aumentar o valor de suas propriedades, exigindo o traslado do aeroporto.

A primeira consideração para escolher a localização de um aeroporto, como no caso dos parques nacionais, é a inexistência de população no lugar. Assim foi quando se construíram os aeroportos de Congonhas, Guarulhos e outra meia centena de aeroportos no Brasil, ou em outros países da América Latina. O que era particular, em geral fazendas ou chácaras, foi desapropriado e posto sob custódia do governo para seu cuidado, até se necessitar o terreno para a expansão prevista. Com os parques, quando sua terra é desapropriada, acontece o mesmo. Mas, em ambos os casos, isso não é respeitado. As terras desapropriadas e “custodiadas” vão sendo invadidas paulatinamente, ou de uma vez só, sem reação efetiva por parte das autoridades competentes e “aqui não passou nada”, até que chega o momento de se necessitar da terra. Aí já é tarde para achar culpados. Só resta pagar outra vez. Muitas vezes nem isso é mais possível. Os solícitos governos municipais, que até estimularam as invasões de ricos e de pobres, já regularizaram a posse e licenciaram as construções e, claro, foram rápidos em instalar serviços públicos para arrecadar mais votos e mais dinheiro. Muita terra invadida de parques nacionais tampouco merece mais ser desapropriada. Sua degradação é tão extrema que nem vale o esforço.

As regras são claras para a vizinhança de aeroportos, especialmente no alinhamento das suas pistas. Apenas certo tamanho e tipo de construções são permitidas. Mas, obviamente, se nem a propriedade do Estado é respeitada, muito menos conseguirá o governo fazer cumprir a lei sobre construções que são autorizadas por prefeituras, dominadas pela concupiscência ou, bem pior, afogadas na indiferença da maior parte das suas autoridades. A construção civil movimenta bilhões de dólares por ano e seus advogados e lobistas resolvem qualquer problema grande ou pequeno. A terra, ao redor dos parques nacionais, em geral, nem vale tanto, mas nelas tampouco se faz respeitar as leis sobre zonas de amortecimento. E, quando as onças e suçuaranas saem dos parques nacionais e atacam o gado ou os cachorros dos vizinhos que, previamente, caçaram furtivamente os veados, capivaras, cervos e porcos do mato dos que os felinos se alimentam, também clamam pela extinção do parque. Isso, para eles, é apenas um pretexto adicional para nutrir seus argumentos contra a conservação da natureza. Esses empresários rurais, graças à nova política que favorece os biocombustíveis sobre qualquer outra opção energética, se converteram em “ambientalistas” da noite para o dia e, sendo assim, até estão conseguindo apoio do governo para ignorar as zonas de amortecimento estabelecidas na legislação sobre unidades de conservação. Pois… porque não? Cultivar cana de açúcar, soja transgênica, mamona ou qualquer outro cultivo para produzir álcool ou biodiesel virou ilimitado ato ecológico meritório em todas as regiões constitucionalmente denominadas de “patrimônios nacionais”.

Todo país precisa dos seus aeroportos e de seus parques nacionais. São necessidades indispensáveis para a sociedade. É evidente que o problema dos aeroportos será resolvido de uma forma ou outra, embora não de modo ideal. Com certeza o aeroporto de Congonhas ficará onde está por muitos anos a mais, embora no final apenas sirva para atender jatinhos executivos e helicópteros. Há muito dinheiro envolvido e de fato, também existe dinheiro para resolver o problema. No final todos os cidadãos pagarão a conta da falta de responsabilidade de autoridades idas. Apenas cabe esperar que as contundentes declarações inaugurais do novo ministro do ramo tenham o efeito que ele reclamou de seus subordinados e que, a partir de agora, nunca mais as propriedades aeroportuárias sejam invadidas e que os infratores das zonas circundantes sejam castigados como merecem. Já os problemas de invasões em parques nacionais e outras unidades de conservação não vão seguir o mesmo caminho.

O senso de prioridade não favorece as unidades de conservação, menos ainda quando são olhadas como inimigas da expansão da produção dos mal chamados biocombustíveis e do desenvolvimento pseudo-sustentável. Para elas não há dinheiro para desapropriações, nem para o controle das zonas de amortecimento. É mais fácil eliminá-las ou reduzi-las à sua mínima expressão. Enfim tem muita gente que quer aeroportos funcionando com segurança, mas são poucos os que querem unidades de conservação, ou que sequer sabem realmente por que são tão indispensáveis quanto os aeroportos.

Mas este desabafo, um pouco forçado sobre aeroportos e parques nacionais, apenas conclui no de sempre. Nenhuma prova de subdesenvolvimento é mais contundente que a violação sistemática da lei, contornando-a ou ignorando-a. Quando a lei não é cumprida pela maioria dos cidadãos e, ainda menos pelos governos que têm a obrigação de fazê-las cumprir, se instala o caos típico de quase toda América Latina. Nos países ordenados, onde a educação cívica existe, os que não gostam de uma lei lutam legalmente para eliminá-la ou mudá-la, mas a obedecem até seu último dia. Finalmente, isso é que se chama de democracia.

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