Reportagens

A biodiversidade ainda tem salvação

Importante ator do ambientalismo internacional, o pesquisador Thomas Lovejoy fala no CBUC sobre impactos das mudanças climáticas no mapa da biodiversidade global, mas garante: o planeta “ainda tem jeito”

Cristiane Prizibisczki ·
22 de setembro de 2009 · 15 anos atrás
Thomas Lovejoy. Foto: Sudio D.

Thomas Lovejoy é uma figura pra lá de interessante. Não só pelo jeito simpático ou pela gravata borboleta que costuma usar, mas, sobretudo, pelo currículo que tem. Considerado um dos mais importantes formuladores do ambientalismo internacional, é membro de várias instituições de pesquisas e foi conselheiro científico durante as gestões dos presidentes americanos Ronald Regan, Bush (o pai, como faz questão de frisar) e Clinton.

Trabalhou a partir de 1965 como pesquisador na Amazônia Brasileira e, entre 1973 e 1987, foi diretor do programa de conservação da organização não-governamental WWF. Entre 1987 e 1999 assumiu a posição sênior no Instituto Smithsonian. Atualmente é conselheiro do Centro Heinz para Ciência, Economia e Meio Ambiente (EUA), instituição que presidiu por sete anos. Foi também chefe da área de biodiversidade do Banco Mundial e consultor da Fundação das Nações Unidas. Ao longo da carreira, recebeu vários prêmios por seu trabalho pela manutenção da biodiversidade.

Além de toda esta experiência, Thomas Lovejoy é importante para a conservação porque foi ele o responsável por introduzir o termo “diversidade biológica” junto à comunidade científica e pela criação dos mecanismos de conversão da dívida externa para o meio ambiente, como lembrou Maria Tereza Jorge Pádua, colunista de O Eco, durante conferência do pesquisador na manhã de ontem (21) no 6º Congresso Brasileiro de Unidades de Conservação. Abaixo, alguns trechos da apresentação de Lovejoy.

Mudanças climáticas e biodiversidade

O problema da conservação em relação às mudanças climáticas é multifatorial e de escala global. O aumento das concentrações de nitrogênio, por exemplo, causaram “zonas mortas” em vários pontos do mundo, como o Golfo do México, cujas áreas sem oxigênio vêm aumentando ao longo dos anos. Hoje talvez o dobro do nitrogênio está biologicamente ativo e disseminado pelo mundo todo, inclusive na costa da América do Sul. A natureza é o item mais sensível em relação às mudanças climáticas e, quando falamos em solução, a resposta é que precisamos de mais unidades de conservação.

Todo empreendimento humano é baseado num clima estável, mas estamos acrescentando mais e mais carbono na atmosfera, fazendo o planeta ficar mais quente. O problema é maior no Hemisfério Norte e em altitudes altas, com geleiras se rompendo mais rápido. Logo, parques glaciares serão glaciares só no nome, porque estudos indicam que eles podem desaparecer em menos de 15 anos.

Os impactos das mudanças climáticas na biodiversidade não é mais uma questão de eventos isolados. Agora, onde quer que olhemos, a natureza está se movendo e um novo mapa com as espécies que conseguirem ser bem sucedidas vai se delinear, porque as comunidades biológicas não se mudam juntas. São classes inteiras de espécies impactadas. Algumas espécies de mamíferos que viviam juntas vão para o sudeste, outras para o oeste, não há padrão. Então, a adaptação é cada vez mais difícil quanto mais houver mudanças. E tudo isso partindo da hipótese de que as coisas vão continuar como estão, que as emissões não vão ultrapassar o limite previsto pelo Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas (IPCC).

As flores estão florescendo mais cedo nos Estados Unidos, os pássaros migrando mais cedo. Duas espécies americanas de aves pararam de migrar. Certas espécies de borboletas estão indo cada vez mais para o norte. Com essa migração de espécies para zonas mais frias, a conhecida árvore americana joshua (Yucca brevifólia) está saindo dos limites dos parques criados para protegê-la. Os plânctons da Baía de Chesapeake (Vírgínia) estão desaparecendo, a rã-dourada e certos corais já estão extintos.

Globalização da biodiversidade

Thomas Lovejoy. Foto: Sudio D.

No século passado, perguntas e respostas eram bastante simples. Plantas e animais podiam ser facilmente avaliados em seus habitats. No entanto, com o processo de globalização e aumento no número de viagens, comércios e migrações humanas, a complexidade dos ambientes foi aumentando à medida que espécies invasoras eram introduzidas em novos ambientes. O caso do vírus do Nilo Ocidental é um exemplo. Em poucos anos, o vírus se espalhou por quatro continentes. Nos Estados Unidos a disseminação ocorreu da costa leste para oeste e sul em um período inferior a três anos, a partir de 1999.

As mudanças climáticas estão modificando arranjos delicados da natureza e pequenas transformações nesses arranjos, como a mudança no comprimento do dia, podem desacoplar significativamente estes arranjos, como o coelho branco que fica mais vulnerável quando a neve se extingue ou as rãs Ochotona pinceps, que subiram para o norte tentando ir atrás de seu habitat. A colônia britânica no Canadá está tendo problemas com a explosão no número de besouros, que desequilibram todo o sistema. Lá, a estimativa é que 10 milhões de hectares sejam impactados por estas mudanças e 70% das árvores desapareçam.

Ainda tem jeito

A idéia principal que quero passar é que não podemos pensar que as coisas não têm mais jeito. Por duas vezes o planeta sofreu com grandes concentrações de CO2: quando as plantas se originaram e quando as espécies modernas se expandiram. Mas, como podemos, agora, tirar o CO2 da atmosfera? Uma maneira que conhecemos é a biologia. Existem inúmeras maneiras de tentar evitar que os ecossistemas não entrem em colapso. A criação de corredores ecológicos é uma delas. Vamos capturar esse CO2, vamos criar uma engenharia planetária para os ecossistemas. Se investirmos nisso, em 50 anos podemos retirar 150 bilhões de toneladas de CO2 da atmosfera. Temos que reflorestar, temos que restaurar áreas degradadas, temos que “reesverdear” o planeta usando o próprio planeta em si. Temos que ser muito mais incisivos em nossas estratégias.

Eu não acho que necessariamente teremos uma mudança muito grande no nosso conforto, mas temos que pensar muito no que é qualidade de vida. O desafio será como produzir bens e serviços de maneira a ter menos impactos ambientais. Isso é uma visão minha, mas é bastante otimista.

Uma parte importante é redefinir os nossos enormes recursos financeiros. Temos que ser muito bons em como gastar. Eu acho que os países mais ricos não deveriam apenas trabalhar em casa. O governo americano está fazendo isso, mas temos que procurar maneiras de fornecer incentivos e ajuda financeira para o resto do mundo que não tem essa vantagem. Já passamos do ponto que vai se falar só de energia. Chegamos a um ponto de gerir o planeta como um todo. Quanto mais mudanças climática nós tivermos para nos adaptar, mais difícil vai ser nossa adaptação. Tendo isso em vista, o primeiro princípio, é tentar mudar a escala de adaptação.

 

Leia cobertura completa do CBUC 2009 em http://www.oeco.com.br/cbuc-2009 ou no Twitter

 

 

  • Cristiane Prizibisczki

    Cristiane Prizibisczki é Alumni do Wolfson College – Universidade de Cambridge (Reino Unido), onde participou do Press Fellow...

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