Salada Verde

Novo chanceler afirma que mudança climática é ‘dogma’

O diplomata Ernesto Araújo foi escolhido para comandar o Ministério das Relações Exteriores. Observatório do Clima afirma que escolha é estarrecedora

Daniele Bragança ·
15 de novembro de 2018 · 5 anos atrás
Salada Verde
Sua porção fresquinha de informações sobre o meio ambiente
Novo ministro das Relações Exteriores, embaixador Ernesto Araújo. Foto: Valter Campanato/Agência Brasil.

Escolhido para ser novo ministro das Relações Exteriores no governo Bolsonaro, o diplomata Ernerto Araújo considera as mudanças climáticas ‘uma ideologia’ criada pela ‘esquerda’. O novo chanceler foi anunciado na quarta-feira (14) para comandar o Itamaraty. É a primeira vez que o cargo será assumido por um cético climático.

Em um blog mantido por Araújo, ele afirma que a defesa das mudanças climáticas é uma “tática global servindo para justificar o aumento do poder regulador dos Estados”. Segundo o diplomata, essa tática impõe restrições econômicas e políticas sobre os Estados nacionais, “bem como para sufocar o crescimento econômico nos países capitalistas democráticos e favorecer o crescimento da China”, diz um trecho do texto.

“O climatismo é basicamente uma tática globalista de instilar o medo para obter mais poder. O climatismo diz: “Você aí, você vai destruir o planeta. Sua única opção é me entregar tudo, me entregar a condução de sua vida e do seu pensamento, sua liberdade e seus direitos individuais. Eu direi se você pode andar de carro, se você pode acender a luz, se você pode ter filhos, em quem você pode votar, o que pode ser ensinado nas escolas. Somente assim salvaremos o planeta. Se você vier com questionamentos, com dados diferentes dos dados oficiais que eu controlo, eu te chamarei de climate denier e te jogarei na masmorra intelectual. Valeu?”, escreveu Araújo.

Ainda segundo o novo chanceler, a causa ambiental nasceu de um “movimento conservador por excelência”, mas que foi sequestrado pela esquerda, que a ‘perverteu’.

Contestação

Em nota, o Observatório do Clima, coalizão que reúne organizações brasileiras que discutem mudanças climáticas, afirmou que a nomeação de Ernesto Araújo contraria “uma longa tradição da política externa brasileira”.

“A diplomacia brasileira tem na defesa do multilateralismo um de seus pilares e, nos últimos 46 anos, vem se valendo do multilateralismo para projetar o Brasil na cena internacional em um dos poucos espaços nos quais o país é líder nato: a agenda ambiental”.

Leia a nota do Observatório do Clima na íntegra

É estarrecedora a escolha do embaixador Ernesto Araújo como ministro de Relações Exteriores. Sua nomeação contraria uma longa tradição da política externa brasileira e traz o risco de tornar o Brasil um anão diplomático e um pária global. O radicalismo ideológico manifesto nos escritos do futuro ministro cria, ainda, uma ameaça para o planeta, ao negar a mudança do clima e, presumivelmente, os esforços internacionais para combatê-la.

Araújo tem expressado posições fortes contra a globalização e contra o multilateralismo. Em nome dessa ideologia, e contrariando as evidências mais rasteiras, chama em seu blog Metapolítica 17 o combate à mudança climática de perversão da esquerda. Invoca uma teoria conspiratória segundo a qual existe um projeto “globalista” de transferir o poder do Ocidente para a China (uma contradição em termos). Parte desse grande complô seria o “climatismo”, que é como ele chama o esforço mundial para reduzir emissões de carbono – empreendido por líderes de todas as faixas do espectro político e com base em décadas de conhecimento científico acumulado.

Tal pensamento, caso prevaleça sobre o ofício do chanceler, será prejudicial ao Itamaraty e ao papel do Brasil no mundo. A diplomacia brasileira tem na defesa do multilateralismo um de seus pilares e, nos últimos 46 anos, vem se valendo do multilateralismo para projetar o Brasil na cena internacional em um dos poucos espaços nos quais o país é líder nato: a agenda ambiental.

O Itamaraty foi o primeiro ministério a entender como o patrimônio natural brasileiro é um dos ativos mais importantes dos tempos modernos. O Brasil foi protagonista na Conferência de Estocolmo, em 1972; foi berço das grandes convenções de ambiente e desenvolvimento sustentável da ONU e da Agenda 21, em 1992; liderou na defesa dos países em desenvolvimento no Protocolo de Kyoto, em 1997; foi o parteiro dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável, em 2012; e negociador fundamental do Acordo de Paris, em 2015. Agora, está escalado para sediar a próxima conferência do clima, a COP25, em 2019.

Abdicar essa liderança em nome de uma ideologia de tons paranoicos contrariaria diretamente o interesse nacional, que o presidente eleito, Jair Bolsonaro, prometeu colocar “acima de tudo” em sua campanha. Sendo o Brasil o sétimo maior emissor de gases efeito estufa do planeta, também poria em risco enormes porções da população global – inclusive no Ocidente, como demonstram os recentes incêndios florestais na Califórnia – num momento em que a melhor ciência nos diz que temos apenas 12 anos para prevenir os piores efeitos da crise do clima.

Resta esperar que o cargo e suas responsabilidades tornem o chanceler Ernesto Araújo muito diferente do blogueiro Ernesto Araújo.

 

Saiba Mais

Nota Observatório do Clima – Escolha de Ernesto Araújo para chanceler põe em risco liderança ambiental brasileira

Sequestrar e perverter – Blog Metapolítica 17 – Ernerto Araújo

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  • Daniele Bragança

    Repórter e editora do site ((o))eco, especializada na cobertura de legislação e política ambiental.

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Comentários 9

  1. Gustavo Nobio diz:

    Jair, além de ignorante científico, você parece ser um fundamentalista de mercado, aquele que nega haver qualquer problema ambiental dessa magnitude para que não haja imposição de limites ao crescimento econômico irrestrito. Ou do contrário… estaria concordando com um "pensamento de esquerda". Mas se você prefere acreditar que mudanças climáticas são uma "trama marxista", OK!


  2. Camila diz:

    Que livro? Você é um ignorante científico sim. Não tem a menor ideia de como a ciência funciona. Não sabe o que são testes de hipóteses e validação de modelos estatísticos. Dá voz a teorias da conspiração e acha que dados não são confiáveis. Confiável é o Biroliro e os negacionistas trumpistas. E a ilusão é a minha, né?


  3. Camila diz:

    É claro que há certeza. Mais de 95%. Isso é ciência. Se você acha que 95% não quer dizer nada, você é um ignorante científico.

    Todas as pesquisas científicas em paleontologia, paleoclima, biologia da conservação e economia mostram que as atividades humanas desde meados do século XVIII aumentaram de modo inédito a concentração de gases de efeito estufa na atmosfera. Isso é inequívoco.

    A menos que você considere Marcos Pontes ou Luiz Carlos Molion pesquisadores mais respeitados que Carlos Nobre e José Marengo.


  4. Gustavo Nobio diz:

    O negacionismo climático funciona como um mecanismo de defesa, seja por medo da finitude existencial ou para defender interesses econômicos (a partir de ideias 'smithianas'). Refutar o funcionamento da atmosfera e a química da Terra soa como afirmar que o mundo é uma superfície plana, portanto, não se trata de relativismo, é rejeitar uma verdade absoluta.


  5. Michelle diz:

    Pois é. Lembrando que o Cláudio Ângelo é do Observatório do Clima, então já da pra saber o tom de histeria deles.


  6. Flávio Zen diz:

    Sim, é de fato um dogma e defendido de maneira fanática pelos adeptos do "consenso cientifico" a despeito das limitações do método cientifico e da evolução do conhecimento.
    Tragicamente, esta militancia ideologica têm custado caro à academia e ao ambientalismo onde se instalou uma ditadura de pensamento onde a autocensura se tornou uma estratégia de sobrevivência, acadêmica, profissional e social, tudo isso turbinado pelos aparelhos de controle do estado através do aparelhamento da imprensa, da cultura e ppmente da academia, que deveria gerar conhecimento de maneira livre e democrática.
    Neste aspecto, é deprimento ver como a imprensa se especializou como filtro de opinião, manipulação da informação e sobretudo assassinato de reputações.
    Todo apoio ao ministro e a coragem do novo governo contra esta ditadura orwelliana instalada sob aplausos da academia, imprensa, cultura e muitos ambientalistas.


    1. Silvio diz:

      Nem iria comentar nada aqui, mas o seu comentário é irretocável.


    2. marciomottabio diz:

      "Neste aspecto, é deprimento ver como a imprensa se especializou como filtro de opinião, manipulação da informação e sobretudo assassinato de reputações. "

      Consegue um exemplo para ilustrar seu argumento?

      Forte abraço.


  7. Carlos Magalhães diz:

    Estarrecedora é a nota desse tal "observatório do clima". "anão diplomático e um pária global", "cria, ainda, uma ameaça para o planeta", "ideologia de tons paranoicos"…

    Há uma gritaria geral contra a nomeação do novo chanceler. Um berreiro imenso. São as esquerdas na campanha de destruição de um governo que nem ainda começou. Não vão dar trégua, e assim será pelos próximos anos.