Notícias

O desastre da mudança do Código Florestal em números

Mais da metade das áreas degradadas não precisarão ser restauradas após mudança da lei, diz artigo publicado essa semana na revista Science.

Vandré Fonseca ·
30 de abril de 2014 · 10 anos atrás

Foto:
Foto:

Manaus, AM — O novo Código Florestal reduziu em 58% as áreas degradadas que deveriam ser restauradas, segundo um estudo publicado no início desta semana na revista Science. O artigo, denominado “Cracking Brazil’s Forest Code” (Desvendando o Código Florestal do Brasil), é o primeiro a quantificar as implicações da lei aprovada pelo Congresso e sancionada pela presidente Dilma Rousseff em 2012. O texto é assinado por sete pesquisadores brasileiros e um americano.

O estudo foi liderado pelo geólogo Britaldo Soares-Filho, coordenador do Centro de Sensoriamento Remoto da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Ele explica que o Código não alterou os critérios de preservação, mas para a restauração do que já havia sido desmatado. “É como se tivéssemos dois códigos, um para a preservação e outro para a restauração”, explica o pesquisador.

De acordo com os resultados, se a legislação anterior fosse seguida, cerca de 50 milhões de hectares de florestas deveriam ser restaurados. Mas mudanças definidas pelo Congresso Nacional derrubaram a necessidade de restaurar 29 milhões de hectares. Entre os 21 milhões de hectares que devem ser restaurados, existem 4,6 milhões de hectares de Áreas de Proteção Permanente (APP) que, para Britaldo Soares-Filho, têm de ser recuperados para a proteção da água. Da área que sobra (cerca 16,4 milhões de hectares), apenas 550 mil hectares são áreas aptas para a agricultura.

A lei permite ainda que cerca de 88 milhões de hectares sejam desmatados legalmente. Essa permissão tem forte impactos na Caatinga e, principalmente, no Cerrado, onde a reserva legal é de apenas 20% da propriedade e existem muitas áreas que podem ser desmatadas, dentro da lei.

No Cerrado, onde existe um interesse maior do agronegócio, esse risco é maior. O estudo estima que a nova lei permite o desmatamento legal de um adicional de 4 milhões de hectares do bioma. A bióloga Márcia Macedo, também da UFMG, afirma que apenas metade da floresta original permanece intacta no Cerrado e o desmatamento está aumentando na região. “Essa é uma área quase do tamanho da Califórnia. Permitir que isso acontecesse seria um desastre ambiental”, enfatiza Márcia Macedo.

O estudo demonstra também que os possíveis avanços do Código Florestal, como a possibilidade de venda de créditos de áreas restauradas e o Cadastro Ambiental Rural (CAR), são prejudicados pela demora em detalhar melhor a lei. “Falta uma série de decretos para regulamentar o Código. Isso criou uma confusão jurídica”, afirma Britaldo Soares-Filho. “Muita gente que estava restaurando parou, porque mudou a regra e ficou sem saber o que fazer”, completa.

O pesquisador destaca também o efeito negativo da anistia dada pelo novo código. Segundo ele, fazendas embargadas devido a multas que chegam a milhares de reais poderão ter suas dívidas perdoadas. “A anistia de multa vai ficar estimulando o fazendeiro a desafiar o Ibama no futuro”, prevê. Ele está preocupado também com outros fatores que podem aumentar o desmatamento, como o fim da moratória da soja, prevista para o fim deste ano. “Esta redução do desmatamento conseguida no Brasil ainda não está assegurada e esta insegurança jurídica incentiva o desmatamento”, afirma.

 

Leia Também
Câmara aprova texto de novo Código Florestal
O Código Florestal e a conservação
O Código Florestal é capaz de nos deixar sem água

 

 

 

Leia também

Notícias
3 de maio de 2024

Eletrobras contraria plano energético e retoma projetos para erguer megausinas no Tapajós

Há oito anos, as usinas do Tapajós estão fora do Plano Decenal de Energia, devido à sua inviabilidade ambiental. Efeitos danosos são inquestionáveis, diz especialista

Reportagens
3 de maio de 2024

Obra para desafogar trânsito em Belém na COP30 vai rasgar parque municipal

Com 44 hectares, o Parque Ecológico Gunnar Vingren será cortado ao meio para obras de mobilidade. Poderes estadual e municipal não entram em acordo sobre projeto

Salada Verde
3 de maio de 2024

Governo do RJ recebe documento com recomendações para enfrentamento ao lixo no mar

Redigido pela Rede Oceano Limpo, o documento foi entregue durante cerimônia no RJ. O plano contém diretrizes para prevenir, monitorar e conter o despejo de lixo nos oceanos.

Mais de ((o))eco

Deixe uma resposta

Esse site utiliza o Akismet para reduzir spam. Aprenda como seus dados de comentários são processados.