Vivi em Portugal os últimos 30 meses da minha vida. É uma terra linda, com culinária maravilhosa, arquitetura charmosa e gente simpática. Se o mundo fizesse sentido, ainda formaria um único país com o Brasil, afinal compartilhamos a mesma cultura, hábitos, estilos de vida e idioma. Ou quase, pois embora utilizemos a mesma ferramenta para falar – a língua portuguesa- nos valemos de sua inesgotável riqueza de léxico e de recursos para manejá-la de formas diferentes em ambos os lados do Atlântico. Embora tenhamos recentemente, Lisboa e Brasília, ratificado um Acordo ortográfico que unifica a escrita, ainda assim seguiremos mantendo nossos maneirismos e individualidades que dão personalidades próprias aos diferentes falares. O terno brasileiro é fato em Portugal, o ônibus é autocarro, o trem é comboio, e o montanhista é montanheiro, apenas para citar alguns exemplos.
Essas pequenas diferenças, contudo, não são suficientes para nos apartar da sociedade lusitana. Tão logo o brasileiro chega a Portugal, já se sente um pouco integrado, replicando em mão inversa o que aconteceu com tantos que emigraram da terrinha para o Brasil nos últimos cinco séculos. Ao fim de dois anos, já estamos plenamente inseridos à sociedade local.
Por isso mesmo recebi com certa tristeza a notícia de minha remoção para um novo destino em outro continente. Deixarei em Portugal amigos do peito e memórias difíceis de apagar. Para me despedir, escolhi retornar ao que o país tem de melhor em termos de natureza: a Ilha da Madeira.
Passei ali três dias de puro deleite. Poucos lugares em todo o mundo têm um cardápio de trilhas tão variado. Picos altaneiros, vales escarpados e profundos, cachoeiras, trilhas ao longo de penhascos que se projetam na beira de mares tenebrosos e levadas belíssimas. Tudo isso com uma sinalização bem pensada e com manutenção impecável. Foi difícil escolher onde trilhar, tantas e tão diversas eram as opções. Ao fim optei por uma levada, um pico e uma caminhada costeira. A cada noite, retornando ao hotel, abria o mapa da Ilha e marcava o trecho percorrido. Depois ficava namorando as linhas de cota, os tracejados indicativos dos percursos de montanha e as possibilidades de trajetos.
Ao final do terceiro dia, na véspera de embarcar de volta para Lisboa e de lá para meu próximo destino (temporariamente) definitivo, já conhecia o mapa da Ilha de cór e salteado. Liga daqui, conecta dali verifiquei ser possível fazer uma caminhada de longo curso, atravessando a Madeira de ponta a ponta. Calculo ser projeto para nove ou dez dias, com pernoites em pousadas pelo meio do caminho. Ao longo da cabritada há todos os ingredientes para enfeitiçar até o mais exigente montanhista.
Quando finalmente entrei no avião e decolei estava feliz. Para os portugueses as despedidas carregam o peso e a dor de quem, durante quinhenhos anos, viu seus entes queridos embarcarem em viagens muitas vezes sem volta. É um momento angustiado, profundamente triste, para o qual usam a palavra adeus. Minha ida à Madeira fez-me ver que, apesar de sentir-me em casa em Portugal, continuo sendo essencialmente brasileiro. Da janela da aeronave, vislumbrando aquelas trilhas paradisíacas e sonhando com a caminhada que corta a ilha de ponta a ponta, não consegui dizer adeus. Só me foi possível despedir-me com um brasileiríssimo até logo!
PS: Depois de escrever esse post, a Madeira foi castigada por temporais que cobraram meia centena de vidas e destruiram dezenas de casas e estradas. Tenho certeza que a Ilha há de se recuperar rapidamente e, em breve, estará novamente oferecendo aos amantes da natureza uma das melhores opções de viagem em toda a Europa. Nessa hora dura, meu coração está com os madeirenses.