Reportagens

Documentário Beyond Fordlândia debate exploração predatória da Amazônia

Embates entre o mercado e a floresta, desde a produção de borracha até a contemporaneidade da soja, são revelados em filme premiado.

Carolina Lisboa ·
27 de março de 2018 · 6 anos atrás
Cemitério em Fordlândia. Foto: Divulgação.

Há 90 anos, a maior floresta tropical do mundo enfrentava um de seus primeiros grandes embates contra o mercado. Henry Ford, pai da primeira linha de produção automobilística do mundo, conseguia concessão do Governo do Pará para utilizar cerca de um milhão de hectares da Amazônia. Ele plantaria 800 mil hectares de seringueiras para produção de borracha para pneus e construiria uma cidade inteira – Fordlândia – às margens do rio Tapajós. A empreitada seria uma alternativa contra o controle inglês do mercado e um reavivamento da belle époque da Era da Borracha na Amazônia. Assim, dono da então maior riqueza do mundo tentou, por 18 anos, subjugar a floresta. E foi derrotado. Esta e outras histórias, como a da recente ameaça da soja, são contadas no premiado documentário Beyond Fordlândia, do diretor Marcos Colón.

Ford perdeu a batalha contra a floresta porque não soube manejar o seringal. Em seu meio natural, as seringueiras espalhavam-se por grandes extensões e eram protegidas pela diversidade de espécies em seu entorno. Porém, plantadas em áreas desmatadas e próximas umas das outras, foram presas fáceis dos fungos, que paulatinamente consumiram o projeto do empresário norte-americano. Mas, infelizmente, este não seria o último embate da floresta e seus habitantes. A Amazônia ainda enfrentaria várias outras guerras contra os mais variados inimigos, sendo o mais ameaçador deles um velho conhecido dos ambientalistas: o agronegócio. 

Plantação de soja em Santarém. Foto: Divulgação.

Beyond Fordlândia, cuja tradução para o português seria “Muito além de Fordlândia”, é uma tentativa de ligar o passado da borracha ao cenário contemporâneo do agronegócio na Amazônia. O filme é resultado da tese de doutorado do diretor Marcos Colón, que estuda a representação da Amazônia na literatura brasileira do século XX. Cólon estuda no Departamento de Português e Espanhol da Universidade de Wisconsin, em Madison, nos Estados Unidos. A tese ainda está em desenvolvimento.

Ao se debruçar sobre seu principal objeto de estudo, as obras de Mário de Andrade, Colón encontrou em um de seus escritos, “O turista aprendiz”, a menção sobre a história de Fordlândia, hoje distrito do município de Aveiro (PA). O contato com a região, antes conhecida através de relatos, diários de viagem e obras literárias, aconteceu durante uma visita do pesquisador à Amazônia. A ocasião despertou sua curiosidade. Ele então realizou muitas outras visitas ao distrito e iniciou, paralelamente à tese, o projeto do filme. “Ao tomar conhecimento de Fordlândia, o foco da minha viagem foi sendo alterado para aquele lugar. Aquela história precisava ser contada. As populações rurais, urbanas, indígenas, todas as mulheres e homens têm uma ligação cultural e histórica com a região, e isso está gravemente ameaçado por esse modelo econômico predatório”, revela o pesquisador.

Além do apanhado histórico, o filme põe na balança os aspectos ambientais e humanos após os recursos da floresta amazônica despertarem interesses econômicos. “A Amazônia experimenta há várias décadas ciclos – ou períodos – como o da borracha, da juta, as experiências no vale do Jari, e todos esses processos, começando pelo Ford até a atual conjuntura, todos esses empreendimentos levam em consideração apenas os seus próprios benefícios. E o que tento mostrar no filme, do início ao fim, é que hoje, diferente desses outros períodos, o homem amazônico está em maior perigo do que a própria floresta. Hoje há uma mudança aguda na relação entre natureza e cultura na região”, explica Colón.

Folder do documentário. Imagem: Divulgação.

Para o diretor, o momento atual é de reflexão e ação: “Chegamos a um momento em que, ou paramos, pensamos e intervimos no processo de alguma forma, ou o futuro vai contemplar muitas agruras, de várias formas. Diferente da borracha, a soja destrói a paisagem, contamina lençóis freáticos, dizima a agricultura familiar e, em última escala, está matando o homem, o último elemento dessas cadeias. Esse processo é chamado de violência lenta. Acontece diante de nossos olhos, mas não vemos. Ela se dá em vários níveis. É a violência contra o ambiente, contra a cultura, contra o ser humano, e ela segue seu curso. Mas não pode ser ignorada. Para que possamos mudar algo ou pensar, precisamos olhar para a Amazônia de outras formas. Seria uma abordagem ou olhar lento, para entender como esses processos foram desenhados e entranhados na região, para que possamos propor novos caminhos e modelos menos agressivos. Não é um processo fácil. E essa é abordagem do filme em relação à água: a indústria do agronegócio é a maior consumidora de água no Brasil. O processo de infiltração dos agrotóxicos contamina lençóis freáticos e os corpos hídricos. A questão central do agronegócio, assim como os casos de Juruti e o episódio de Bacarena, estão todas ligadas ao tema da água. É um despojamento político, do Estado. A leniência com essas problemáticas locais que não são olhadas lentamente, não são entendidas em sua complexidade. E o preço que se paga hoje já é muito caro”.

O filme venceu o prêmio Impact Docs Awards 2017, além de receber os prêmios de Melhor Documentário Longa-Metragem no 8º Cabo Verde International Film Festival e Melhor Documentário de Conscientização no Festival Internacional de Cine del Medio Ambiente (FICMA), o primeiro e maior festival de cinema ambiental do mundo. “Como nenhum outro documentário, Beyond Fordlândia reúne as agruras ambientais históricas e contemporâneas. Um filme vigoroso, autêntico e assustadoramente provocador. Demonstra como a busca incessante pelo lucro está destruindo a subsistência dos povos e a beleza da floresta tropical. Um filme de alto nível”, comentou o diretor Christof Mauch, da Rachel Carson Center for Environment and Society em Munich, uma das maiores instituições de pesquisa ambiental do mundo, durante exibição e debate sobre o filme.

Cruzes no chão. O que sobrou do sonho de explorar a floresta. Foto: Divulgação.

O documentário foi exibido no Green Film Festival, no dia 21 de março, na Faculdade de Comunicação da Universidade de Brasília (FAC/UnB). Na ocasião, Marcos Colón palestrou sobre a ideia de slow violence, do pesquisador Rob Nixon, e sua articulação com os conceitos ecocríticos de Rachel Carson, para a formulação de uma nova abordagem sobre as atividades econômicas predatórias na Amazônia. O diretor aproveitou o momento para lançar a campanha “Levante sua voz pela Amazônia!”, que consiste em reunir opiniões, preocupações, anseios e propostas sobre a temática abordada no filme.

Sobre o autor

Radicado há 15 anos nos Estados Unidos, Marcos Colón leciona na área de Literatura Hispânica na instituição, além de integrar o Centro de Estudos de História, Cultura e Meio Ambiente do Instituto Nelson de Estudos Ambientais da UW-Madison.

 

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  • Carolina Lisboa

    Jornalista, bióloga e doutora em Ecologia pela UFRN. Repórter com interesse na cobertura e divulgação científica sobre meio ambiente.

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Comentários 4

  1. Isabela diz:

    Não consigo, em nenhum lugar, ter acesso a esse documentário. Alguém poderia me ajudar?


  2. Luciano diz:

    Eles são destruidores esses branquelos!!!!


    1. ivana diz:

      a cor, pouco importa. bobinho


  3. Laura Chagas diz:

    Uma mensagem de alerta! Concordo plenamente com a abordagem de Colón que, contextualiza a violência ambiental imposta por esse modelo econômico. Estamos diante de uma realidade que ameaça cada vez mais o nosso território, a nossa moradia e o equilíbrio desse tão complexo e rico bioma._O aumento do desflorestamento e as grandes cargas de agroquímicos, usados na monocultura da soja, estão causando influências negativas e que já afetam não somente a renda da agricultura familiar quanto a saúde do homem amazônida._Ford, foi o pioneiro a explorar em grande escala, o Oeste da Amazônia Paraense e certamente a escolha da região do Tapajós não foi realizada de forma aleatória. Qual a justificativa para plantar seringa em um local de muitas declividades e com um solo rico em pedras depois de haver outras áreas de extensas planícies e mais próximas ao estuário do rio Amazonas? Certamente a exploração mineral foi determinante na escolha do local. Além da seringa, houve grande exploração madeireira e de minérios tudo com o consentimento do governo brasileiro, conforme o Estatuto de 1927._Do passado ao presente a cobiça continua, entretanto, agora em uma escala bem maior e que coloca em risco não somente a vida dos que vivem aqui mas, a vida do bioma e a estabilidade do planeta. Obrigada Marcos Colón pelo alerta através do seu trabalho que está sendo reconhecido nos diversos países em que foi apresentado.