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Um porto caro demais e uma estrada sem sentido

Se viabilizados nos moldes como estão sendo propostos, os empreendimentos na Ilha do Mel, no litoral do Paraná, vão extinguir tesouros naturais construídos ao longo de milhares de anos

Aristides Athayde ·
6 de março de 2018 · 6 anos atrás
Ilha do Mel. Foto: Cesar Rafael Cunha da Rocha.

A perspectiva de dois empreendimentos de altíssimo impacto – um porto privado na frente da Ilha do Mel e uma estrada que rasgaria a Mata Atlântica em Pontal do Paraná, no litoral do Estado, tem causado enorme consternação ante o potencial de danos ambientais e sociais que poderão ser causados.

A rodovia, já batizada de “Estrada da Destruição”, serviria, exclusivamente, para atender a esse porto e outras empresas vizinhas. Ambas as iniciativas – a primeira, um esforço privado e a segunda, um projeto de governo – merecem toda a atenção e esforço sociedade para que não se concretizem.

O porto privado, “menina dos olhos” do Grupo JCR, ocuparia um imóvel objeto de uma doação feita pelo Governo do Paraná em 1949, e que acabou ficando como propriedade da família dos sócios majoritários do grupo. Tal doação, na época, estava condicionada à contrapartidas de melhorias para a região. Não entrando no mérito da regularidade ou não da doação  – tema que já foi, inclusive, objeto de Comissão Parlamentar de Inquérito específica – o fato é que o empresário fará uso deste importante ativo para a consecução de seus objetivos. E é fato, também, ao contrário do que tem sido propalado à população e aos moradores de Pontal do Paraná, que maiores serão os custos sociais e ambientais do empreendimento do que os benefícios trazidos por ele aos cidadãos.

O projeto do porto privado prevê a ocupação de parte das terras localizadas exatamente na frente da Ilha do Mel. Não só é a Ilha o segundo destino turístico mais visitado no Estado do Paraná, como também é abrigo de duas unidades de conservação importantíssimas e de proteção integral: A Estação Ecológica da Ilha do Mel e o Parque Estadual da Ilha do Mel.

“O projeto do porto privado prevê a ocupação de parte das terras doadas localizadas exatamente na frente da Ilha do Mel. Não só é a Ilha o segundo destino turístico mais visitado no Estado do Paraná, como também é abrigo de duas unidades de conservação importantíssimas e de proteção integral: A Estação Ecológica da Ilha do Mel e o Parque Estadual da Ilha do Mel”.

Toda unidade de conservação, como forma de garantir a integridade de seus atributos bióticos, possui um buffer, uma zona de amortização, para repelir empreendimentos impactantes. Dificilmente, temos de concordar, conseguiríamos encontrar um empreendimento mais impactante do que um porto. Dragas, cargueiros, óleo, poluição, barulho, invasão e ocupação humana desordenada são características intrínsecas a regiões portuárias. Tudo isso pode ocorrer a menos de três quilômetros (!) dessas terras que deveriam ser especialmente valorizadas e protegidas. Em águas habitadas por golfinhos, tartarugas marinhas e vida diversa. Os reflexos da pretendida e agressiva investida terão um custo, em termos de vida e desequilíbrio ecológico, que só as futuras gerações conseguirão avaliar – e lamentar. Duramente impactado seria também o turismo. Caso o Porto Pontal viesse a ser instalado, um belíssimo local naturalmente vocacionado para a atividade sofreria prejuízos incalculáveis. Além da Ilha do Mel, toda a região de Pontal, hoje um destino turístico de natureza com grande potencial de expansão se investimentos sérios e comprometidos ocorressem, seria convertida em um horrendo “cais de porto”.

Com os devidos estímulos no setor, conseguimos vislumbrar turistas europeus, norte-americanos e asiáticos buscando as cores da Mata Atlântica, o gosto da Cataia e o contato com nossa biodiversidade terrestre e marinha. Agora, quantos dólares, euros ou ienes entrariam no Paraná se as atrações oferecidas fossem asfalto, fumaça e óleo? Quem sairia de Paris ou Chicago para conhecer um pátio de caixas metálicas?

Não existe indústria mais positivamente impactante que o turismo. Estudos comprovam que para cada milhão de dólares gastos ou investidos, 50 postos de emprego são gerados. Para cada dólar investido, 3,21 dólares são gerados no local. Além disso, o turismo é a atividade mais horizontalizada e socialmente responsável que existe; 91% das entradas provenientes do turismo continuam na região e chegam não só ao empreendedor hoteleiro ou gastronômico. Comerciantes, empreendedores do ramo imobiliário e mesmo profissionais liberais, como médicos e advogados, lucram com o fluxo de visitantes. Isso sem contar as vantagens trazidas à população de baixa renda, que encontram recompensa monetária pelas suas manifestações culturais, culinárias e artesanais.

Cartaz. Foto: Divulgação.

Vender turismo não é vender paisagem. Vender turismo é vender cultura. E a cultura é irmã inseparável da educação. Locais que recebem turistas tendem a receber investimentos em educação. Muitos dos grandes polos de pesquisa e desenvolvimento tecnológico começaram como polos turísticos. Em suma, ao invés de um porto privado que promete trazer vantagens diretas somente a um grupo privado, por que não adequar o local a atividades que gerem riquezas para todos e benefícios para o futuro?

Isso sem falar nos custos do projeto. O fato de o porto ser uma iniciativa privada não exclui os custos repassados a toda coletividade. Alguns poucos empregos serão gerados, mas serão preenchidas por gente “importada”, especializada em trabalho portuário. O “pontalense” mesmo, aquele que tem como ganhar dólar e euro com turismo, ficaria chupando o dedo. Sem turista e sem serviço. Além disso, como outras atividades seriam impactadas – pesca, e novamente, o turismo – o desemprego na região aumentaria. Desemprego custa ao município, que, ao oferecer amparo aos involuntariamente desocupados, se vê impedido de investir em educação, saúde e segurança. Não é à toa que o Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) de regiões portuárias tende a ser menor que o IDH de balneários. Afinal, qualidade de vida e o trinômio “PDC” (prostituição, drogas e contrabando) não são associáveis.

Por mais inoportuno que seja o projeto, existem aqueles no Governo que ainda defendem sua instalação. Apontar como justificativa o alinhamento político entre os protagonistas do porto privado e o Governador do Estado é exercício desnecessário. Até as toninhas e botos sabem do grau de afinidade existente entre os empreendedores e Beto Richa. Presume-se que essa simpatia pessoal esteja por trás do incansável esforço do Governo em viabilizar o absurdo que é a “Estrada da Destruição”, propagandeada como futura obra do governo mesmo sem ter sido ainda licitada (pode isso, Tribunal Regional Eleitoral?). A estrada é uma das condicionantes do porto. Ou seja: ele só existirá se ela for construída. E só existe a intenção de se construir a “Estrada da Destruição” por conta da simpatia de Beto Richa pelo projeto.

“Esse caminho malfadado rasgaria, de início, o equivalente a 650 campos de futebol de Floresta Ombrófila Densa de Terras Baixas em excelente estado de conservação”.

Esse caminho malfadado rasgaria, de início, o equivalente a 650 campos de futebol de Floresta Ombrófila Densa de Terras Baixas em excelente estado de conservação. Esse número pode ser multiplicado por cinco se considerarmos os efeitos decorrentes da abertura da estrada, tais como o efeito de borda, o efeito de ilha (que isola populações e compromete a diversidade genética da fauna e flora), e o efeito “espinha de peixe”, que estimula a criação de estradas menores, irregulares e clandestinas a partir da principal.

A “Estrada da Destruição” nos moldes como vem sendo proposta não afeta e mata só seres da floresta. Populações tradicionais também terão seu modo de vida “assassinado”. A região é habitada por indígenas, cujo direito constitucionalmente garantido às suas terras ancestrais foi solenemente ignorado. Os Macieis, uma comunidade tradicional pesqueira, também será atropelada pelas consequências geradas pelos empreendimentos. São tesouros naturais e culturais, construídos ao longo de milhares de anos, que evaporarão no calor do asfalto e ao som da marcha fúnebre das motosserras.

Paranaenses, acordai para a tremenda surrealidade dos fatos! O porto privado da JCR e nos custariam absurdos R$ 369 milhões só na primeira fase. Um projeto que terá o condão de destruir um dos melhores e últimos trechos de Mata Atlântica do mundo, colocando em risco o futuro sustentável de Pontal do Paraná e da Ilha do Mel para favorecer meia dúzia de empresas poluidoras como Odebrecht, Catallini (responsável pelo desastre do navio Vicuña) e empresas de grandes proprietários imobiliários. Não podemos deixar que o amor exagerado de Richa por estradas (e pelos pedágios que as acompanham) coloque em risco o futuro da nossa natureza.

 

 

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Comentários 17

  1. Jason diz:

    é que o turismo gerou bilhoes para aquela região nos ultimos 100 anos né ?
    parece mais um cidade abandonada isso sim!
    ai aparece um empresario e coloca mais de 1 bilhão na região
    mas logo vem um mongoloide da esquerda comedora de planta e começa a falar merd… no seu " blog "


  2. Xamã diz:

    Impressionante e entristecedor ao mesmo tempo. Saber que tem pessoas da região que apoiam este complexo industrial. Estado falido ainda vai presentear a iniciativa ( do mal ). Com o dinheiro que se diz do povo. NÃO !!! pois o estado está quebrado a anos. O próprio grupo vai financiar a estrada. Me citem um ☝🏾 local, cidade. ( em países de 3ºmundo) onde um polo industrial fomente o turismo ecológico.

    Pelo amor Deus !

    Irão cometer mais um crime algo que já acontece a mais de 50 anos pela região.


    1. Fabricio diz:

      No lugar de chupando os dedos, acho que ficaria melhor a ver navios, literalmente. No mais, importante fazer uma revisão textual antes da publicação.


  3. Francisco diz:

    Texto muito bem embasado. As críticas ao que parece vem de gente interessada em ganhar dinheiro a qualquer custo…


  4. Damien diz:

    Apresente números para embasar essa matéria, se é que posso classificar dessa forma. Chega de bla bla bla. Infraestrutura está precária, aquela região tem um acesso que em alta temporada no mínimo 1h30 para chegar em praia de Leste. Ambientalistas? Reclamem com quem liberou a licença ambiental. Interessante falar mal da iniciativa privada, o governo está privatizando tudo, estradas, portos, aeroportos e não falam nada, só reclamam, mas usufruem de estradas de qualidade, produtos importados e voos baratos. Sai do ar condicionado e vai ver se é tudo automatizado em Itapoá. Quantas empresas prestam serviço lá? Ninguém sabe. Ah, mas esqueci, emprego indireto não é emprego. Só peço que antes de falar bobagem tenham embasamento, não basta ser um doutorzinho, oops, desculpe, nem doutorado você deve tem. Não diagonais tudo é mil maravilha, tem muita coisa errada, mas o que revolta é essa indiscriminação de bobagem que aparece por tudo que é lado. Defendam suas causas, mas embasados, efeito manada gera extermínio em massa.


    1. Pense diz:

      Sério? Importante o senhor entender onde nasceu esse porto. Deixe de ser vendido. Quanto vc ganha para falar uma bobagem dessas? Itapoá está degrada e com IDH estagnado. Aumento de criminalidade e exploracao da comunidade em.empregos de baixo salário e sem possibilidade de crescimento. Falo porque vi cada etapa desse porto eficiente. A parte de trás q é feia, caro funcionário do patrocinador desse estrago. Volta pra tua terra pq vc é o exemplo máximo do q está acontecendo. Um pilantra q vem de fora e explora o q é nosso. Vaza.


      1. Damien diz:

        Estou pensando aqui. Não sei onde elogiei o Porto de Itapoá. Beijo meninas.


    2. Aruan diz:

      Vendido….. com toda certeza vai pingar ou já pingou na sua mão também né.
      A comunidade na ilha do mel não se vende com promessas de melhorias em pontos públicos.
      Diferente do município que aceita migalhas do Grupo privado, como 2 viaturas, verba para locar tendas ao terminal de embarque, etc….


  5. Marcelo Macurú diz:

    A vocação dessa região, que conheço e admiro, é a preservação dos recursos humanos e ambientais. O turismo, a pesca tradicional e a cultura caiçara já são atividades que agregam valor, sendo que os benefícios ali destinados devem atender tais características construídas ao longo da história. Se existem unidades de conservação para a proteção daqueles ecossistemas devem-se ao fato de que há importância na manutenção das suas características naturais. Então, é evidente que as atividades portuárias são incompatíveis com os objetivos locais!
    O texto do Aristides expõe uma realidade recorrente em várias regiões do Brasil onde políticos e grandes empresários enfiam obras goela abaixo dos brasileiros. Quem realmente ganhará com este porto?


  6. GIEM diz:

    Parabéns pelo fantástico e corajoso resumo da ópera bufa que é a história desse porto. É mais do mesmo, desenvolvimentismo tupiniquim arcaico do início dos anos 1950, e que mistura politicagem, grilagem e corrupção. Só não vê quem não quer ou é parte interessada, Turismo é indústria limpa, com melhor distribuição de renda e menos inchaço populacional. Inchaço esse que iria comprometer ainda mais a já precária infra-estrutura do local, afetando as famílias negativamente com mais criminalidade, piora no atendimento básico de saúde, educação e segurança.


  7. Felipe diz:

    BLÁ BLÁ BLÁ de alguém que vive de renda desde que nasceu e não sabe da importância do que é gerar empregos e fortalecer a indústria do Brasil.


    1. Joao diz:

      Felipe prostituição drogas. Desemprego depois do porto instalado isto é fato é é só vc ir até Itapoã um porto que é automatizado e não gera nenhum emprego aí vc vai nos parques temáticos e nos lugares a onde se tem turismo e veja se a qualidade de vida


      1. Damien diz:

        Está aí seu turismo. Drogas e prostituta. Quer coisa melhor?


      2. Bill diz:

        O smartphone ou laptop que vc tá digitando deve ter vindo via algum porto. Mesmo um porto hipotético sem nenhum funcionário, gera empregos ao possibilitar o escoamento de produtos de diversas empresas. E por aí vai…deu pra entender?


        1. pense diz:

          Gênio, tem um porto enorme e sucateado ali do lado. Com estrada e tudo. Mais próximo para os caminhões e um pouco mais longe para os navios. Quem ganha com um porto em Pontal? Sacou ou quer q eu desenhe?


  8. Everardo diz:

    Texto mais do mesmo como sempre. Por isso que os ambientalistas não conseguem debater nada com qualidade, pois ficam sempre no maniqueísmo. E esse, pra piorar, tenta "sutilmente" criminalizar a atividade privada. Esse país não tem solução mesmo.
    P.S. As propriedades (casas, fazenadas…) que o autor faz propaganda pra vender também ocuparam terras que eram florestas antes.


    1. Joao diz:

      O estado sim tem que investir no porto que é seu e por sinal as estrada faz entrada para o porto é um lixo depois todas suas estradas no entorno também então por que vc não se defende agora com este meu relato bem on e sem contar com outras estradas pedageada que o governo tem a obrigação de fiscalizar e não fiscaliza