Análises

((o))eco 15 anos: lembranças inquietas, desde a ideia até a criação

Entre as aventuras vividas na conservação ambiental, o desejo de um veículo especializado e a amizade com Marcos Sá Corrêa fermentaram ((o))eco

Miguel Milano ·
5 de setembro de 2019 · 5 anos atrás
Arte: Julia Lima

Convidado a escrever uma crônica sobre a criação de ((o))eco para comemorar os 15 anos do site de notícias ambientais, comecei remoendo os pensamentos para ver por onde começar. Afinal, a encomenda pedia algo leve e de fácil mergulho e interação com o leitor quando o momento do país é de angústia e apreensão em muitos fronts, notadamente no campo ambiental. Depois de gastar neurônios com idas e vindas nos pensamentos por um par de dias sem por linha no papel achei ter encontrado um ponto de partida num bate papo recente no Instituto LIFE.

Estava lá reunido com a gerente técnica Regiane Borsato apresentando uma nova iniciativa na qual estou profundamente envolvido, quando ouvi dela um comentário sobre minha capacidade de estar metido em tantas coisas ao mesmo tempo – pensei comigo: “incapacidade” de não arrumar confusão. Tratava com ela de uma proposta de condomínio-parque na fria e bela Serra Catarinense, pensada como solução mercadológica para salvar uma área crítica de alimentação dos papagaios charões que todo ano, invariavelmente, migram do sul para se alimentar de pinhões no outono e inverno, antes de regressar ao sul para a estação de reprodução no período quente. Havia explicado o projeto, que conta com o envolvimento de amigos conservacionistas especialmente importantes por suas trajetórias pessoais na defesa da natureza, além da boa vontade de minha irmã que se associou à iniciativa, todos investindo suas poupanças num ousado projeto de risco econômico em prol das araucárias, fonte dos pinhões, e dos papagaios; a difícil fase de planejamento e de licenciamento ambiental em que estamos; e a decisão de termos o empreendimento certificado LIFE já na sua origem. Ouvi uma muito positiva avaliação da ideia apresentada, uma rápida orientação de como seguir com o processo de certificação, e o comentário já mencionado sobre minha capacidade de estar metido ou ter estado metido em tantas iniciativas no campo conservacionista. Metido não foi exatamente a palavra usada, mas é a melhor para o caso, acho eu. Um comentário elogioso, no contexto, e vindo de uma ex-aluna que sofreu percalços comigo no início de sua vida acadêmica no curso de Engenharia Florestal da UFPR, onde ensinei por mais de 20 anos.

Pura verdade! Uma enorme capacidade de arrumar confusão, conseguir trabalho extra não remunerado, encarar lutas duras, duríssimas, perseguições pessoais e muito mais. Mas também, na mesma proporção, uma enorme resiliência para sair vivo, ainda quase sempre bem “esfolado” dessas refregas. Por outro lado, inegável também, que uma vida repleta de prazer de ter conhecido muita gente especial, com quem já convivi ou ainda convivo; de ter conhecido e usufruído o prazer de tantos lugares maravilhosos que as muitas e diversas iniciativas propiciaram  aos meus olhos ver e ao meu cérebro registrar; bem como das tantas emoções vividas, tristes e alegres, junto com essas pessoas especiais na luta por muitos desses lugares maravilhosos.  E é exatamente esse o contexto do nascimento de ((o))eco, assim como o foram os aqui mencionados Instituto LIFE e o novo projeto na Serra Catarinense!

Quinze anos atrás, primeiros anos da década de 2000! Eu iniciava uma transição voluntária de saída da direção executiva da Fundação Grupo Boticário de Proteção à Natureza, que eu ajudara a criar e dirigia já por quatorze anos, rumo à direção executiva de uma representação regional (Sul do Brasil e Pantanal) da Fundação AVINA. Não havia saído de uma organização (da qual de fato não me desliguei ao deixar a direção executiva), mas já estava na outra. Foram três anos seguidos, em teoria, a cada ano reduzindo um terço do tempo dedicado à primeira e aumentando o equivalente na segunda. Na prática 100% de dedicação às duas, já que não dá (não para mim) para fazer coisas pela metade! E foi nesse trabalho, via Fundação Avina, que ajudei no nascimento do que viria a ser ((o))eco.

Nasce uma amizade

“comecei a ver Marcos como uma liderança conservacionista nata que, para o bem da causa, precisava ser alavancada como tal”

Eu havia conhecido pessoalmente Marcos Sá Corrêa, o incrível (e famoso) jornalista, de fato e de direito o criador de ((o))eco, juntamente com seus amigos Sérgio Abranches e Kiko Brito, no contexto preparatório do segundo Congresso Brasileiro de Unidades de Conservação (CBUC), realizado no ano 2000 em Campo Grande, MS, cuja organização eu liderava, como foi caso até a quarta edição do evento em Curitiba em 2004. À época ele ainda escrevia coluna regular para a revista Veja, além de, creio, já liderar uma das primeiras iniciativas de sites de notícias do país na internet: o no. (“Notícia, Opinião e Ponto”). Eu conhecia Marcos das suas colunas regulares, das quais realmente gostava muito, tanto pelo estilo do texto, ímpar, como devido à forte ênfase conservacionista de algumas delas, uma raridade na imprensa brasileira, motivo pelo qual resolvi convidá-lo para um painel sobre comunicação e conservação da natureza no evento. De fato, eu nem acreditava que ele, como jornalista famoso, aceitasse o convite. Mas foi diferente, e não só ele aceitou como nosso primeiro encontro pessoal gerou recíproca empatia. Logo após sondá-lo, eu propus seu nome para o conselho diretor da Fundação O Boticário, que foi aprovado, tendo sido ele uma incrível adição a um grupo onde se destacavam Maria Tereza Jorge Pádua e Ibsen de Gusmão Câmara. Nascia a partir dali uma parceria profissional especial para os dois, que se desdobrou em amizade sincera, envolveu as famílias e se mantém até os dias de hoje.

Marcos, fluente em vários idiomas, leitor voraz, além de fotógrafo de natureza de raro talento, é das pessoas mais cultas e inteligentes que já conheci. Graduado em história, mas jornalista profissional por dedicação e competência, contava com forte embasamento em geografia e absorvia conhecimentos em biologia e ecologia como poucos. Articulava tudo muito rápido na mente prodigiosa e tinha “sacadas” impressionantes. Eu sempre aprendi muito com ele a cada interação – no mínimo ele me provocava a estudar e conhecer mais e me inspirava para agir. Assim, vendo suas contribuições escritas, a cada dia mais profundas e críticas no campo ambiental, passei a ter convicção que elas precisam servir mais à conservação e não apenas ao mundo político, sua ênfase principal até então. Foi quando, já no trabalho na AVINA, voltado para o apoio a lideranças para a sustentabilidade, comecei a ver Marcos como uma liderança conservacionista nata que, para o bem da causa, precisava ser alavancada como tal. Convidei-o e ele aceitou a condição de parceiro da instituição, um tipo de fellowship, no início voltado apenas para a integração com outras lideranças, nas quais ele via pautas interessantes que transformava em matérias alavancando as causas de outras tantas lideranças.

Não foi fácil, porém, convencê-lo a criar uma organização para dar vazão às notícias importantes de meio ambiente e conservação, algo que eu sempre tentava. Por vários motivos, ele era sempre refratário. Todavia, de minha parte, fui insistente o suficiente para fazê-lo pensar seriamente no assunto e encarar o desafio. Marcos, em algum momento, notou o esvaziamento em curso das editorias de meio ambiente nos grandes veículos da imprensa nacional, e entendeu que pelo bem da causa deveria aceitar o desafio que se apresentava e, enfim, aceitou um “grant” de cerca de uns 300 mil dólares (já não lembro exatamente) para os três anos iniciais de operação, que cobririam tão somente os custos muito básicos do processo; sem contar o desafio de, para manter o apoio recebido (e não ter dependência da AVINA), ter de captar o dobro dos recursos no mesmo período. Foram surpreendentes os resultados iniciais em todo os sentidos. Convenceu contatos relevantes próximos, como Kiko Brito (ex-JB e ex-Veja) e Sérgio Abranches (analista político, que inclusive cedeu parte de seu amplo escritório como sede da organização), e juntos estabeleceram a organização. ((o))eco rapidamente se tornou uma referência no jornalismo ambiental brasileiro –não à toa segue firme 15 anos depois.

“Diário da oposição”

Vieram projetos de desenvolvimento e a inserção de novos jornalistas para a temática ambiental, a cobertura intensiva das políticas públicas sobre a temática, a criação e o desenvolvimento de colunas assinadas por conservacionistas, cientistas e juristas de renome nacional e internacional no campo de interesse. Foi uma avalanche de novidades e resultados. ((o))eco passou a ser lido por apoiadores, observadores e adversários da conservação. Interessante e risível, visto de hoje, foi o “vazamento” que nos chegou sobre o tratamento dado por algumas pessoas do Ministério do Meio Ambiente, ainda no governo Lula, que, devido às matérias críticas sobre desmatamento na Amazônia, além de outros assuntos críticos, apelidaram ((o))eco de “diário oficial da oposição”.  Certamente ((o))eco cumpriu seu papel, na crítica, ajudando o governo, sob a liderança de Marina Silva, a construir políticas ambientais mais efetivas, e o foram de fato. Pena que o atual não é capaz de ver e entender isso (creio que não se leem mais notícias por lá) apostando na desconstrução tudo!

O tempo passou e os recursos cada vez mais reduzidos que precisavam fazer frente a muitos desafios na AVINA me levaram a um planejamento estratégico da regional institucional que liderava dando alguns novos rumos ao trabalho, que também envolveu ((o))eco. Mantivemos o apoio a lideranças de viés ou ênfase social e cultural associando-as ao máximo às ideias e tendências do então efervescente movimento de responsabilidade social das empresas, ao passo que no campo ambiental-conservacionista trabalhamos uma forma de organizar as lideranças em alguns núcleos especiais de atuação, integrando todos de forma a alavancar as iniciativas coletivamente. Assim, buscou-se fortalecer o trabalho da Rede Nacional Pró Unidades de Conservação (liderada pelo querido e inesquecível almirante Ibsen de Gusmão Câmara e integrada pela maioria das organizações ambientalistas apoiadas pela AVINA), apoiou-se também a criação do Instituto Justiça Ambiental (como um braço litigante da conservação da natureza no ambiente judicial, que, lamentavelmente, não prosperou) e da Rede de Promotores de Meio Ambiente do América Latina (liderada pelo promotor público Luciano Loubet Furtado, hoje congregando cerca de 300 promotores e procuradores públicos de todos países latinos do México ao extremo sul do continente), além do próprio ((o))eco (liderado por Marcos Sá Correa) como elo jornalístico independente de divulgação de tudo de importante e efetivo que acontecesse nessa complexa engrenagem, onde a última peça foi a iniciativa LIFE.

((o))eco ainda foi apoiado mais uma vez pela AVINA, no processo tentativo de construção de sua independência, e muito difícil auto-sustentabilidade. Faz cerca de dez anos que deixei a AVINA e tomei outros rumos profissionais, sempre profundamente ligado à conservação da natureza. Nessa nova jornada, convidado, tornei-me conselheiro formal da instituição ((o))eco e fui presidente do conselho talvez num dos momentos mais difíceis da instituição. Ao passo que antes, além de leitor e fã incondicional, era apenas apoiador e palpiteiro, ainda que às vezes crítico, na nova condição tive de meter a mão na massa pra valer. E isto quando Marcos, vivendo um ano sabático no Parque Nacional do Iguaçu, começava a deixar a liderança da organização.

É nesse contexto de marco histórico institucional que eu aproveito aqui para, depois de muitas vezes ser mencionado como o “pai” ou a “mãe” de ((o))eco, inclusive pelo próprio Marcos, me declarar “parteiro” do seu nascimento. Fui e sigo sendo profundamente vinculado e apoiador da instituição, além de muito orgulhoso de ter convencido Marcos a ter dado o passo que deu no estabelecimento da instituição, dando além de muito trabalho e comprometimento pessoal, a força do seu nome e a sua reputação ao ((o))eco!

As vezes escrevo artigos como colunista convidado, mas nunca quis e nem fui capaz de assumir o compromisso de ter uma coluna regular, quer por não saber se dou conta, quer para não ter ainda mais trabalho extra do que já tenho, mas também para ninguém me acusar de aproveitar do espaço institucional para veicular minha ideias. Como diz o ditado, além de ser, é preciso parecer sério, algo em falta no meio público nacional hoje em dia. E ((o))eco, não é só público por ser um site de notícias ambiental, é o que podemos considerar já um bem público da causa! Por sinal, lembrei e me obrigo a escrever aqui sobre um comentário de Marcos quando de uma discussão sobre independência, veracidade e imparcialidade da notícia: “((o))eco é independente, deve noticiar só a verdade; mas “((o))eco tem causa, que é defesa da natureza e do meio ambiente, e assim nunca vai dar espaço à defesa da destruição e do desastre”. Esse segue sendo ((o))eco, hoje liderado por Eduardo Pegurier (no executivo) e o cientista-conservacionista Fernando Fernandez (como presidente do Conselho), grandes figuras e meus queridos amigos!

As crises econômicas e políticas não têm tornado fácil essa trajetória institucional, mas jornalistas, colunistas e apoiadores, entre eles o Grupo Boticário e a Fundação Grupo Boticário (impossível não mencioná-los), têm sido fiéis a tão importante causa e assim podemos agora  comemorar 15 anos de jornalismo de muita qualidade, muita luta e muitos resultados, além da condição de mais expressivo canal de mídia no campo ambiental-conservacionista deste país.

Estou ficando velho e levo ainda uma vida incrivelmente agitada, trabalhando em diferentes frentes, escrevendo, fazendo arte e, creio que, seguindo assim e com saúde, terei sempre ((o))eco comigo, serei eco d’((o))eco ainda por muito tempo. Tem valido a pena, pelo menos para quem, como eu, tem a natureza como causa e missão! Vida longa ao ((o))eco!

 

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Comentários 2

  1. Daniele Bragança diz:

  2. Marianna Tojal diz:

    Obrigada por compartilhar sua história com a criação do ((o))eco. Fico muito feliz de saber que no Brasil tem muita gente boa que tem como causa e missão a natureza, assim como eu! Me enche de esperança.