Análises

Zoos: Capacitação e integração, primeiros passos de um longo caminho

Há muita polêmica no Brasil sobre zoológicos e pouca ambição para melhorá-los. O 39º Congresso da SZB quer falar sobre as duas coisas.

Yara de Melo Barros · Carmel Croukamp Davies ·
26 de janeiro de 2015 · 9 anos atrás

A polêmica sobre zoológicos tem se acentuado e se tornado muito acalorada no Brasil nos últimos anos, mais do que em outros países. Este é um fato curioso, que vale ser analisado. Como público, nós temos sido pouco ambiciosos com relação aos nossos zoológicos. A maioria dos zoológicos no Brasil (56%) são públicos e dependentes da boa vontade de políticos. Parte do problema é que nós precisamos mudar as nossas aspirações, de uma visão de instituição idealizada que simplesmente não existe (por exemplo, como o mítico santuário, muito citado enquanto conceito, mas que não existe na legislação brasileira), para programas que comprovadamente fizeram a diferença para animais selvagens.

Em nível mundial, são os zoológicos que fazem reprodução para a conservação, que pode salvar espécies. O Grupo Especialista em Reprodução para a Conservação (CBSG), da IUCN, tem muitos representantes de zoológicos. A reprodução para a conservação em zoos já salvou numerosas espécies da extinção, como o furão-de-patas-negras e o condor-da-Califórnia, e sem dúvida vai salvar muitas mais, se deixarmos que os zoos continuem a fazer seu trabalho. Reprodução para a conservação caminha de mãos dadas com proteção de habitats e conservação in situ (zoos são a terceira maior fonte de financiamento para projetos de conservação no mundo; o investimento em 2013 foi de cerca de 350 milhões de dólares). Neste sentido, aliás, zoos são um caminho muito mais eficaz para a “liberdade” do que santuários jamais poderiam ser.

Falta de intercâmbio

“Sem a troca de informações e experiências, ficamos praticamente em uma bolha, com pouco acesso ao que é feito de mais moderno hoje em dia.”

Historicamente, os zoos e aquários brasileiros trabalham em geral isolados de outras associações zoológicas no mundo, com poucas oportunidades de intercâmbio de conhecimento. Sem a troca de informações e experiências, ficamos praticamente em uma bolha, com pouco acesso ao que é feito de mais moderno hoje em dia. Ainda assim, muita coisa boa é feita em zoos brasileiros: ao contrário da Europa, por exemplo, onde zoos raramente têm a oportunidade de trabalhar com animais resgatados de tráfico, nos zoos brasileiros é rotineiro resgatar e recuper animais feridos ou apreendidos. Há vários programas fortes de educação e sensibilização.

Entretanto, ainda há em zoos brasileiros poucos trabalhos de reprodução para a conservação, com programas estruturados que garantam a saúde genética e demográfica das populações em cativeiro, para que elas possam contribuir para os ecossistemas na natureza. Não há uma base de dados central dos animais mantidos em cativeiro no Brasil, o que torna muito difícil estabelecer programas de reprodução em cativeiro, e a comunidade zoológica internacional não tem acesso aos dados do Brasil. As novas listas de fauna ameaçada no Brasil contêm mais de mil espécies, e os zoos e aquários têm uma infraestrutura enorme para reprodução em cativeiro – são 124 zoos e aquários no país.

Em 2013, a Sociedade de Zoológicos e Aquários do Brasil (SZB), iniciou uma nova gestão, que vem buscando a melhoria das instituições brasileiras e sua integração com a comunidade zoológica internacional. Como um dos resultados do trabalho, será firmada uma parceria com o ICMBio para que a SZB coordene os programas de reprodução em cativeiro de alguns Planos de Ação para espécies ameaçadas. Essa é uma excelente oportunidade para usar melhor nossa estrutura para a reprodução para a conservação. Porém, precisamos de capacitação para fazer isso. É necessário capacitar para o uso de ferramentas de manejo populacional, diagnóstico da situação dos zoos no Brasil e melhorias estruturais.

O problema básico vai além da capacitação, para também visão e inspiração. Somos pouco ambiciosos em relação aos nossos zoos, e algumas vezes, eles também o são.

Com frequência, há falta de recursos básicos, capacitação e às vezes boa vontade e imaginação para deixar os recintos melhores para os animais e fazer enriquecimento ambiental, por exemplo.
Entramos em uma espiral descendente na qual os políticos não querem investir mais recursos em zoos porque eles são um conceito desvalorizado; os zoos, sem independência financeira, são incapazes de melhorar sua estrutura básica. O público não respeita os quatro pilares de um bom zoo: lazer, educação, conservação e pesquisa. Assim, os zoos perdem motivação. É muito difícil comunicar o trabalho positivo que você está fazendo quando os outros o colocam em dúvida. É especialmente difícil estar motivado nesta espiral descendente. Mas se os zoos trabalharem juntos, olhando além do horizonte das condições diárias de trabalho, recebendo excelente treinamento, isso pode fazer uma diferença concreta. É nesta direção que a SZB vem trabalhando.

Um congresso para integrar

“(…)um ‘time dos sonhos’ de especialistas concordaram em vir ao Brasil para ajudar na construção do 39º Congresso da SZB, um mega congresso”

Um bom manejo pode compensar deficiências estruturais associadas à falta de recursos. Isso inclui visão, educação e ampliação dos horizontes. E também pode fazer uma grande diferença olhar para os exemplos de grandes zoos do mundo. Por esta razão, a SZB está executando um plano ambicioso. Yara Barros, presidente da SZB e Diretora Técnica do Parque das Aves, fez viagens nestes dois últimos anos para fazer contatos e buscar parcerias com zoos de outros países. Como resultado conseguiu reunir um “time dos sonhos” de especialistas que concordaram em vir ao Brasil para ajudar na construção do 39º Congresso da SZB, um mega congresso, com a qualidade dos melhores congressos de zoológicos do mundo, que ocorrerá entre 12 e 15 de março de 2015, em Foz do Iguaçu, no Paraná. Entre os palestrantes confirmados estão o presidente da Associação Mundial de Zoos e Aquários (WAZA), o vice-presidente da Associação Mexicana de Zoos e Aquários (AZCARM), e o presidente da Associação Latino americana de Zoos e Aquários (ALPZA).

As instituições representadas incluem CBSG (Conservation Breeding Specialist Group) Brasil e Europa, Amphibian Ark, Wild Welfare, International Elephant Foundation, ISIS (base de dados mundial sobre espécies), e outras. Teremos representantes de grandes zoos como Minnesota, Temaiken, Cincinatti, Cali e Copenhage.

Conservação de populações em campo (in situ) será um dos temas centrais, e mais importante, como unir os esforços dos trabalhos de campo e os de reprodução para a conservação em cativeiro. Os assuntos a serem apresentados no congresso incluem bem-estar animal, ciência reprodutiva para conservação, manejo reprodutivo, nutrição, medicina veterinária, educação ambiental e oportunidades de capacitação no exterior. Também teremos uma mesa redonda sobre políticas públicas para a conservação de fauna.

Com salários geralmente baixos e pouco ou nenhum investimento dos governos municipal e federal na capacitação de técnicos, fica muito difícil que funcionários de zoos possam participar de cursos para reciclagem e aperfeiçoamento, e para muitos zoos este congresso pode ser uma oportunidade única de ter contato com profissionais e instituições estrangeiras.

Ações

“O mico-leão é o símbolo deste congresso, já que a recuperação do mico-leão-dourado só foi possível graças a um trabalho cooperativo”

Durante o congresso será lançada uma campanha nacional para a proteção do lobo-guará, a terceira campanha de educação para a conservação feita desde 2013 que busca parceria dos zoos com projetos de conservação em campo no Brasil. Estas campanhas têm sido importantes não apenas para as espécies alvo, mas para os próprios zoológicos, para que sintam que podem fazer a diferença. Ano passado, os zoos e aquários do Brasil participaram da “Zoos & Aquários por 350”, uma campanha mundial para reduzir as emissões de carbono para um limite de 350 partes por milhão. No Dia Mundial de Ação desta campanha, as instituições brasileiras enviaram 1/3 de todas as fotos recebidas, e a SZB foi convidada a apresentar esta experiência de sucesso durante a reunião anual do CBSG em novembro de 2014, na Índia.

Este 39º congresso da SZB tem um custo altíssimo, e até o momento conseguimos pouco patrocínio, pois ao que parece os zoos não são atraentes para empresas. O Parque das Aves é um zoo particular em Foz, que acredita na proposta da SZB e no compromisso que cada instituição deve ter de fazer todos os zoos nacionais melhores. Ele decidiu financiar o congresso, investindo milhares de reais para viabilizar a vinda de tantos especialistas para o Brasil. Também tivemos a incrível cooperação de muitos destes especialistas, que estão bancando sua participação, para ajudar nosso zoos. O valor da inscrição foi mantido propositadamente baixo, para facilitar a participação do maior número de zoos possível. Afinal, a ideia é fazer com que todo o conhecimento que estará disponível neste congresso esteja acessível e que os zoos possam se reunir para buscar mudanças concretas.

O mico-leão é o símbolo deste congresso, já que a recuperação do mico-leão-dourado só foi possível graças a um trabalho cooperativo entre governo, zoológicos do Brasil e do exterior, ONGs e instituições de pesquisa.

É por essa ideia de integração e união que a Sociedade de Zoológicos e Aquários do Brasil escolheu como lema: “Vamos juntos?”

 

 

Clique nas imagens para amliá-las e ler as legendas
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Saiba mais
39º Congresso da Sociedade de Zoológicos e Aquários do Brasil

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  • Yara de Melo Barros

    Doutora em zoologia, membro do CPSG Brasil e coordenadora do Projeto Onças do Iguaçu.

  • Carmel Croukamp Davies

    Presidente da Sociedade de Zoológicos e Aquários do Brasil e Diretora Técnica do Parque das Aves

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