Reportagens

Em Bonito, projeto ensina crianças a arte de observar pássaros

No Mato Grosso do Sul, a cidade símbolo de ecoturismo abriga programa que dá chance às crianças locais de compreenderem a sua maior riqueza.

Christiane Kokubo ·
14 de setembro de 2012 · 12 anos atrás

“Quem come insetos, como é que se chama? E os frutívoros, comem o quê?”, diz Anne aos seus pupilos. Ela tem em cima da extensa mesa de madeira uma caixa cheia de galhos, frutos e sementes. Vai tirando um por um, mostrando para a criançada e perguntando o que é aquilo e para qual pássaro serve de alimento. As respostas chegam certeiras. “É o coco da Bahia?”, diz uma. “Não, é o coco do bacuri”, outro fala. Manduvi, embaúba, açaí… A riqueza da biodiversidade borbulha nas pequenas cabeças. E Anne continua, “Nem tudo que dá em palmeira é coco. Esse aqui começa com ‘bo’…”. Um garoto completa, “é o“Bocaiúva”, arrematando: “gruda tudo no dente”.

A cena acontece numa manhã de quinta-feira na sede do Instituto Família Legal, em Bonito, Mato Grosso do Sul, e faz parte do Projeto Inclusão Verde. “Além da educação ambiental e da observação de pássaros, o objetivo é levar as crianças para conhecer lugares turísticos, locais que de certa forma são inacessíveis para quem é daqui”, explica Anne Zugman, bióloga de Curitiba e integrante da equipe Fundação Neotrópica do Brasil, que, junto ao Família Legal, é responsável pelo projeto.

Na última semana de agosto, Marja Milano, bióloga e coordenadora técnica do projeto, celebrou a formatura das 60 crianças como “Observadores Mirins de Aves da Serra da Bodoquena”. “Nesta primeira etapa, que durou um ano, somente as crianças do Instituto Família Legal participaram. Durante esse período, o Projeto Inclusão Verde teve o patrocínio do Instituto Oi Futuro e contou com parceiros aqui na cidade, o que possibilitou realizarmos atividades de educação ambiental em sala e em campo”, explica. Agora, a busca por novas parcerias e a inscrição do projeto em editais visam dar sequência ao trabalho no Instituto Família Legal e expandi-lo para todas as escolas municipais de Bonito.

Atividades de campo

As crianças estão ansiosas. Sabem que toda quinta-feira é dia de passear. “A gente tem uma hora de atividade, depois uma hora de alegria”, explica Luis Henrique, de 11 anos. “E por acaso aula não é alegria?”, pergunta Anne, a quem o garoto responde com um sorriso de orelha a orelha.

“Vitinho, Vitinho, qual é esse aqui? Esse é fêmea, né?”. Victor do Nascimento chegou há pouco a Bonito, também para fazer parte da equipe da Neotrópica. Vindo do Pantanal, trabalhou por muitos anos como o motorista que levava os hóspedes de um luxuoso hotel para observar animais. Começou a se interessar pelo assunto e hoje é um expert em aves do cerrado. Com o guia de pássaros em mãos, compara a ilustração com o pássaro ao vivo, responde perguntas das crianças, explica e pede: “Tem que fazer silêncio, pessoal, se não eles voam para longe”.

“O projeto desperta o interesse das crianças para a observação de aves e, consequentemente, para a preservação da natureza. É muito gratificante. Às vezes estou na cidade, as crianças me veem e começam a falar dos passarinhos que apareceram em casa”, diz Vitinho.

Nessa quinta, o lugar escolhido para a atividade de campo foi a Praia da Figueira, que fica em uma lagoa de águas cristalinas. As crianças são divididas em duas turmas. A primeira, munida de binóculos e bloquinhos de anotações, acompanha Vitinho. As crianças sabem que é preciso compartilhar, pois não há equipamento para todo mundo. O mesmo acontece com as câmeras fotográficas da turma que acompanha Anne. O foco desse grupo é tirar fotos dos alimentos dos pássaros. Depois, as turmas trocam de lugar: quem fotografou vai observar e vice-versa. O material colhido será usado em um jornal mural produzido pelas crianças e exposto no Instituto.

Erick tem 7 anos e seu pássaro preferido é o bem-te-vi. Luiz Henrique, 13 anos, diz gostar do projeto e dos passeios: “É bom porque os meninos não estilingam mais os pássaros”. A coruja suindará, aquela da cara branca, é a preferida de sua irmã Arielle, de 10 anos: “Gosto mais do que da buraqueira”. Letícia, também de 10 anos, gosta de joão-de-barro e de pica-pau, porque há muitos no sítio do avô, e Fagner, de 7 anos, adora a barriga amarela da maria cavaleira.

As atividades de campo não se restringem aos pássaros. Vitinho fala da diferença da sucuri do Pantanal com a sucuri daqui, do comportamento da ariranha quando está em grupo, dos peixinhos vermelhos mato-grosso, da queixada, da cotia, daquele chicletinho grudado ali no tronco da árvore, “é ovo de caramujo e, olha, tem um pássaro ali na água, qual é aquele?” Ouve-se, em coro: “É um cafezinho”. “Essa meninada tá afiada”, orgulha-se o monitor.

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