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São Paulo, onde árvores são consideradas lixo (parte 2)

A Prefeitura de São Paulo mostrando serviço no Largo do Paissandú, na região central, cortando árvores na área menos verde da cidade.

Fabio Olmos ·
26 de junho de 2013 · 11 anos atrás
As motosserras fazem o serviço sujo no Largo do Paissandú. Foto: Fabio Olmos
As motosserras fazem o serviço sujo no Largo do Paissandú. Foto: Fabio Olmos

A importância das áreas verdes urbanas não é nenhuma novidade. Embora arquitetos frequentemente desprezem os espaços arborizados e prefiram concreto tostando ao sol, como fez o gênio que projetou o Memorial da América Latina em São Paulo, uma crescente massa de estudos mostram que se você administra uma cidade é uma boa ideia ter o maior número de árvores e de áreas com vegetação.

E não apenas por conta da regulação climática, da absorção da água das chuvas, do controle da poluição do ar e sonora, da estética ou por que cidades mais verdes abrigam maior biodiversidade. Como primatas que evoluíram em um ambiente de savanas arborizadas por alguns milhões de anos, há algo nas áreas verdes que afeta nossas mentes.

Um estudo intrigante realizado no Reino Unido acompanhou mais de 10 mil pessoas (adultos) representando mais de 5 mil famílias entre os anos de 1991 e 2008. Os cientistas do European Centre for Environment and Human Health, baseado na University of Exeter, buscaram descobrir como áreas verdes urbanas afetam a saúde psicológica e o bem-estar das pessoas ao longo do tempo

Os resultados mostram que pessoas são mais felizes quando vivem nas áreas urbanas com maior cobertura de espaços verdes. Elas têm níveis menores de stress psicológico e maiores de bem-estar. Esses efeitos emergem mesmo quando se controla variáveis como renda, desemprego, saúde, tipo de residência e criminalidade.

O stress associado a urbanização é um problema para o bem-estar e a saúde mental das pessoas. Este estudo mostra que espaços verdes como praças, jardins e arborização contribuem positivamente para mitigá-lo.

O efeito psicológico de áreas verdes bem cuidadas também afeta a segurança pública. Outro trabalho feito na Philadelphia, Estados Unidos, demonstrou que, em diferentes áreas da cidade, após terrenos baldios serem transformados em áreas verdes houve uma queda nos assaltos a mão armada e, em alguns locais, nos casos de vandalismo. O estudo também revelou que os residentes das áreas beneficiadas reportavam menos stress e que faziam mais exercícios ao ar livre, o que ajuda na saúde física.

Philadelphia é uma área de estudos fértil para este tipo de pesquisa e outra, mais recente, mostrou uma correlação negativa entre a abundância de vegetação e a ocorrência de assaltos, roubos e furtos, o que é contra intuitivo para aqueles que veem um bandido escondido atrás de cada arbusto.

Os autores do estudo sugerem que o efeito possa ser o resultado tanto do maior uso das áreas verdes por usuários “do bem” (o que desencoraja os usuários “do mal”), como o fato da presença de vegetação reduzir fadiga mental e irritabilidade, que são precursores de crimes violentos.

Enquanto isso, em São Paulo…

A cidade de São Paulo tem um histórico desprezo e relaxo com suas áreas verdes e, em particular, com a arborização urbana

Estes estudos mostram um fenômeno interessante que poderia ser explorado no contexto de uma sociedade violenta como a brasileira e de cidades onde a agressão está sempre à flor da pele.

Como São Paulo.

A cidade de São Paulo tem um histórico desprezo e relaxo com suas áreas verdes e, em particular, com a arborização urbana. Basta ver como árvores são plantadas (a contragosto) como compensação ambiental por obras como as novas pistas da Marginal para notar a completa falta de cuidado e uma capacidade técnica similar a de um pedreiro que tente fazer uma neurocirurgia. Um passeio pela região central “recuperada”, pelas avenidas marginais ou obras como a “revitalização” do Largo da Batata mostra o serviço porco que resulta na perda de um número absurdo de árvores.

São Paulo suporta, há quase duas décadas, prefeitos que oscilam entre o mais ou menos e o medíocre. Administrações que, em se tratando de meio ambiente urbano, parecem saber tanto do assunto, ou dar-lhe importância, quanto uma bromélia entende de macroeconomia.

Durante a última administração, São Paulo perdeu árvores adultas a uma taxa fenomenal para que empreendimentos imobiliários fossem construídos. Em muitos casos a “compensação ambiental” é inócua já que, como se vê, plantam-se mudas para inglês ver.

A nova administração segue no mesmo espírito. A foto acima, feita em 12 de junho na praça em frente a meu apartamento, mostra o que a prefeitura paulistana entende por restauração de um espaço verde. Além de cortarem árvores adultas, o serviço foi feito com tanto cuidado que destruiu um jacaratiá e uma acerola que estavam no caminho dos galhos que caíam.

A guerra contra as árvores paulistanas vai além da minha porta. Um empreendimento imobiliário que derrubará centenas de árvores foi autorizado sob justificativa que não convence, obviamente com a promessa de que muitas mais serão plantadas (algo que, como a segunda vinda de um messias, é de baixa probabilidade).

E para finalizar, a prefeitura paulistana quer se livrar do Parque Municipal CEMUCAM e Viveiro Harry Blossfeld, único viveiro municipal que produz árvores.

Meses atrás escrevi que uma prefeitura que começava tratando árvores como lixo começava mal. Parece que continuará mal.

Autor deste blog, Fabio Olmos é biólogo e doutor em zoologia. Tem um pendor pela ornitologia e gosto pela relação entre ecologia, economia e antropologia. Seu último livro, sobre ecossistemas brasileiros e conservação, é Espécies e Ecossistemas.

  • Fabio Olmos

    Biólogo, doutor em zoologia, observador de aves e viajante com gosto pela relação entre ecologia, história, economia e antropologia.

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