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A política do clima de Barack Obama

O presidente tem mostrado coerência entre o que disse em campanha e o que faz no governo sobre meio ambiente. Sua estréia na política global do clima será em abril, no G20.

28 de janeiro de 2009 · 15 anos atrás
  • Sérgio Abranches

    Mestre em Sociologia pela UnB e PhD em Ciência Política pela Universidade de Cornell

O presidente Barack Obama tem dado demonstrações superlativas de coerência entre a falação típica das campanhas e as ações imediatas de primeiros dias de governo. O estilo de governar que vai desenhando é bastante peculiar e totalmente distinto do adotado pelo governo anterior. Bush era um obcecado, subordinava todo o seu governo ao tema da segurança. Inventava inimigos em todas as sombras do mapa global. Um governo rico em vetos e pobre em políticas. Obama tem visão de conjunto e não acredita em empilhar políticas de acordo com uma determinada urgência ou uma prioridade excludente. Bush era ideológico, Obama é programático, tem um programa de governo, que é pragmático o suficiente para ser ajustável às circunstâncias, mas segue um macro-objetivo: construir um economia de baixo carbono, alimentada por uma cesta de energias renováveis.

Desde que tomou posse, em 20 de janeiro, vem adotando medidas nas várias áreas de políticas públicas que apresentou em sua campanha: transparência governamental; ações anticíclicas; energias renováveis; redução de emissões de carbono; restabelecimento do primado da Ciência sobre a ideologia; diplomacia ativa em lugar de disposição bélica. Nos dias seguintes, provavelmente, adotará medidas em mais áreas como educação, assistência médica, entre outras. Vai atacar em todas as frentes, com visão de longo prazo. Se fizer isso mesmo, estará afirmando um perfil de liderança em sintonia com a dinâmica do século XXI. Aliás, não poucas vezes ele tem mencionado a necessidade de dar ao seu país economia, energia, educação e diplomacia para o século XXI.

As primeiras medidas na área ambiental sinalizam claramente a direção que tomará: determinou à Agência de Proteção Ambiental (EPA, sigla em inglês) que reconsidere o veto à licença para que a Califórnia adote regulação mais exigente para emissões veiculares; indicou ao Departamento de Transportes que adote medidas que obtenham 40% de redução de emissões até 2020; ele e sua secretária de Estado, Hillary Clinton, nomearam Todd Stern emissário especial para o clima e principal negociador para uma política sobre mudança climática global.

A recomendação à EPA deverá resultar na licença para que a Califórnia adote padrões mais rigorosos de emissões veiculares. Feito isso, esses padrões serão seguidos por outros 13 estados, que se porão na vanguarda do processo de redução das emissões de carbono nos Estados Unidos. Os demais terão que se ajustar ao padrão a ser estabelecido pelo Departamento de Transportes. O Clean Air Act não permite que os estados regulem suas emissões, mas criou uma exceção para a Califórnia, que enfrentava o mais dramático e catastrófico quadro de poluição do ar no país, nos anos 1960. Por essa exceção, o estado poderia controlar as emissões industriais e veiculares no seu próprio ritmo e com a intensidade por ele decidida, desde que apresentasse estudos cientificamente sólidos, para obter a licença do Governo Federal. O governo Bush negou-lhe a licença e agora o governo Obama reverterá a decisão. Além de substantivamente importante para a futura política de governança climática naquele país, é uma decisão de alto valor simbólico. Será orientada pela Ciência, não pela ideologia.

As montadoras estão reclamando que não terão parâmetros para desenhar e fabricar os motores, diante da variância nas regras que irão do máximo californiano, ao mínimo federal. Também alegam que terão que descontinuar a produção dos carros maiores e mais lucrativos, em um momento de crise. Elas têm esse desvio de cultura organizacional, também comum às mais antigas montadoras brasileiras: choram por tudo, dificultam qualquer avanço, para poder operar com suas largas margens e ainda acabarem protegidas da concorrência mais competente.

Foi assim que conseguiram, no Brasil, a vergonhosa capitulação das autoridades ambientais e da procuradora encarregada do caso diante da resistência que opuseram, junto com a Petrobrás, à adoção do diesel com menores teores de enxofre. Aqui, o chororô indecoroso pegou. Nos Estados Unidos, não vai pegar.

Obama vem dizendo, desde a campanha, que a ajuda federal às montadoras dependerá do cumprimento de condicionalidades associadas à produção de carros mais eficientes no uso de combustíveis. O argumento de que não é possível produzir sob parâmetros diferentes morre na porta de qualquer montadora japonesa que vende carros no mercado doméstico, na União Européia e nos Estados Unidos. São três padrões distintos de emissões, com ampla variação entre eles, que requerem três motores com especificações diferentes. Quem conhece o padrão produtivo japonês, sabe que os carros saem da linha de montagem de acordo com a especificação de cada mercado, sem prejuízo para as montadoras e como uma poderosa vantagem competitiva. Dessa forma deixaram para trás as pesadonas estadunidenses, amarradas a seus compromissos sindicais, à sua estratégia de ampliar margem com atraso tecnológico e à cultura do carrão beberrão e carão, para agradar à fome de status dos norte-americanos. O argumento do carrão fritou na fogueira das evidências do aquecimento global. Por isso mesmo, o Toyota Prius tomou conta do mercado local e é campeão de vendas nos Estados Unidos.

Na última vez que fui a Nova Iorque, conversando com o motorista do Cadillac que me levou do hotel ao aeroporto, na verdade um operador de uma rede de limusines, perguntei-lhe sobre a regra da prefeitura para adoção de híbridos. Os táxis amarelos têm prazo até 2012 para substituir toda a frota por híbridos. Os operadores de limusines terão que trocar seus veículos por híbridos na renovação da licença. Há pendengas judiciais, mas muito provavelmente essas regras prevalecerão, ainda que sofram algum atraso.

Ele me respondeu que vai ser ruim, porque não há carros híbridos de grande porte, com o conforto de um Cadillac. Disse-lhe que havia andado em vários Ford Escape – não sei do que a Ford anda reclamando – e Toyota Prius, e achei melhor do que os carrões típicos da frota de táxis da cidade e que eu não me importaria se ele me pegasse em um desses. Talvez a turma que leva cinco malões por pessoa em suas viagens, reclame, mas elas estão fora de época e de sintonia. Ele acabou reconhecendo que todo mundo terá que se adaptar. Parece que nos Estados Unidos a hora da adaptação chegou às 12 horas do dia 20, quando Back Obama se tornou presidente, antes mesmo de fazer o juramento do cargo. O tempo de Bush, dos canhões e carrões, terminava.

A nomeação de Todd Stern para ser o negociador do acordo global do clima pelos Estados Unidos também tem seu significado. Tem muita experiência de governo. Foi assistente do presidente e secretário de Administração no governo Clinton, entre 1993 e 1998. Coordenou a Iniciativa para a Mudança Climática Global, em 1997 e 1998, além de ter sido o negociador sênior da Casa Branca em Kyoto e Buenos Aires. Em novembro do ano passado, participou da redação de relatório chamado Progressive Growth, que continha a proposta do Center for American Progress (CAP), entidade não-governamental da qual era senior fellow, para a nova administração. Ele escreveu o capítulo Capturing the Energy Economy: Creating a Low Carbon Economy, em co-autoria com John Podesta, então presidente do CAP, depois chefe da equipe de transição de Obama e hoje consultor presidencial na Casa Branca, e Kit Batten, ecologista do CAP que trabalhou como assistente legislativa para políticas sobre mudança climática, energia, transportes e  agricultura da senadora Dianne Feinstein e também com o senador Joseph Lieberman nas investigações sobre acusações de censura à Ciência do clima em várias agências federais, durante o governo Bush.

Nesse relatório, há afirmações que depois reapareceram em várias declarações de Obama. A mensagem central é que “a compreensão tradicional de segurança energética tem sido largamente limitada a assegurar o suprimento adequado de energia para alimentar nossa economia. Essa continuará sendo uma preocupação necessária, mas não suficiente. Para avançar, nossas lideranças terão que agir de acordo com o entendimento de que a segurança energética deve dar importância não apenas ao suprimento, mas também ao conteúdo de carbono da energia que usamos”. Defendem “ações ousadas”, para tornar o país sustentável e afirmam que a “energia vai transformar o mundo rapidamente, para o bem ou para o mal. A questão para os Estados Unidos é se ele participará como líder da revolução energética global e insistem que o país deve sim buscar essa liderança, que perdeu há muito.

Eles defendem ação imediata para adotar um sistema de cota e crédito de carbono para toda a economia, a transformação da rede de transportes, com carros mais eficientes no uso de combustíveis, aumento da produção de combustíveis alternativos de baixo carbono, investimento pesado em uma infra-estrutura de transportes de baixo carbono. Também enunciam a remodelagem do sistema elétrico, com políticas que promovam o aumento da eficiência e economia de energia, incrementem a produção e o consumo de energias renováveis, e o seqüestro e armazenamento das emissões do carvão. Eles também sugerem um órgão articulador na Casa Branca, para garantir a unidade e coerência das políticas, que Obama criou antes de tomar posse e que será dirigida por Carol Browner, ex-chefe da EPA no governo Clinton, ex-diretora legislativa de Al Gore, quando ele era senador e ex-chefe do Departamento de Proteção Ambiental da Flórida.

Agenda internacional

Se na agenda doméstica, a proposta de Podesta, Stern e Batten coincide com o que Obama vem dizendo e fazendo, a concordância não é menor na agenda externa. Os três demandam que o EUA aja para garantir o progresso das políticas globais para o clima. Essa política “avançada” implicará em que “todas as nações que sejam grandes emissoras de carbono, incluindo países-chave em desenvolvimento como a China e a Índia terão que ser parte da solução”, porque o mundo em desenvolvimento representará 75% do crescimento futuro das emissões globais até 2030. “Mas”, dizem, “ação compulsória de longo alcance dos Estados Unidos terá que vir primeiro”. Sem isso, argumentam, “os Estados Unidos não terá credibilidade para defender mais ampla participação global”.

Essa será, em grandes linhas, a missão de Todd Stern. Uma missão que ele em parte desenhou e que Obama incorporou a seu programa. É notável a influência do CAP em várias das iniciativas do novo presidente. Mas Obama não é teleguiado por seus assessores, tem idéias próprias e autoridade. Sabe o que quer e seus objetivos internacionais nada têm de modestos. Vai ousar, talvez mais ainda no plano internacional do que no doméstico.

Converter a economia dos Estados Unidos a um padrão de baixo carbono não será trivial. É muito mais barato, compensador e rápido converter a economia brasileira. Mas tudo indica que os Estados Unidos farão essa conversão antes de nós. Até porque, na administração Lula, estamos andando acelerado para trás no campo da energia e do controle de emissões de gases estufa.

A base da qual se deve partir nos Estados Unidos é muito mais intensiva em carbono. O último relatório anual (2007) sobre energia elétrica da Administração para Informação sobre Energia, do Departamento de Energia norte-americano, mostra que o carvão representou 48,5% da geração, seguido do gás natural, com 21,6%. As energias renováveis, contribuíram com 8,5% e a energia nuclear – também de baixo carbono – com 19,4%, como se vê no gráfico:

Duas pautas irão necessariamente se cruzar nessa reunião, e ambas dizem respeito a marcos regulatórios globais: para o sistema financeiro e para a mudança climática. É provável que esses novos marcos regulatórios, que serão desenhados e negociados ao longo deste e do próximo ano, se tornem os dois primeiros pilares de um novo sistema de governança global, mais apropriado às demandas, aos desafios e às oportunidades do século XXI.

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