Reportagens

Síndrome afetou 91% dos recifes da Austrália

Estudo mostra dimensão do pior episódio de branqueamento de corais já registrado no mundo, que causou a morte de 22% da Grande Barreira australiana, o maior banco coralino da Terra

Claudio Angelo ·
15 de março de 2017 · 7 anos atrás
Corais brancos na Grande Barreira, em foto aérea. Foto: Terry Hughes/Nature.
Corais brancos na Grande Barreira, em foto aérea. Foto: Terry Hughes/Nature.

Faltaram superlativos para descrever a pandemia de branqueamento que afetou corais do mundo inteiro no ano passado, adoecendo com especial gravidade a Grande Barreira de Coral da Austrália, o maior conjunto de recifes do mundo. O fenômeno foi descrito como uma catástrofe ambiental silenciosa e de grandes proporções. Um estudo publicado nesta quarta-feira (15) no site do periódico Nature põe números nessa afirmação: 91% dos recifes australianos foram afetados em alguma medida pela síndrome.

Uma equipe internacional de cientistas liderada pelo australiano Terry Hughes, da Universidade James Cook, fez um amplo inventário da tragédia. Usando imagens de avião e amostragens submarinas, eles analisaram 1.156 recifes distribuídos ao longo da Grande Barreira – uma área de mais de 340 mil quilômetros quadrados, mais ou menos equivalente ao território de Mato Grosso do Sul esticado ao longo de 2.300 quilômetros de costa.

A contagem revelou que apenas 8,9% dos recifes analisados não sofreram branqueamento nenhum em 2015 e 2016, anos em que a pandemia se instalou e atingiu seu pico. Esses recifes ficam na parte sul da Grande Barreira, onde tufões ajudaram a quebrar o aquecimento acachapante da água do mar australiano – em alguns lugares, a temperatura da água ficou 8oC mais alta que a média. O número de recifes que tiveram 60% ou mais de seus corais branqueados foi quatro vezes maior do que nas pandemias anteriores.

Corais embranquecidos na ilha Heron, Austrália. Foto: Richard Vevers/The Ocean Agency/Catlin Seaview Survey.
Corais embranquecidos na ilha Heron, Austrália. Foto: Richard Vevers/The Ocean Agency/Catlin Seaview Survey.

O branqueamento ocorre quando algum estresse, normalmente térmico, faz um coral expulsar as algas microscópicas que vivem em simbiose com ele. Essas algas, chamadas zooxantelas, são a principal fonte de alimento do coral e lhe dão cor. Quando o mar esquenta demais, elas vão embora. O coral passa fome e fica mais suscetível a doenças. Em muitos casos ele morre.

Desde que a síndrome foi descoberta, nos anos 1980, apenas três episódios globais de branqueamento ocorreram: em 1998 (um ano de forte El Niño), em 2002 e em 2015/16. O grupo de Hughes comparou o número de recifes afetados nos três episódios e confirmou o que todos já sabiam: a pandemia do ano passado foi, de longe, a pior da história. Em 1998, 42% dos corais australianos escaparam ilesos; em 2002, 45%.

O episódio é uma realização chocante do prognóstico feito dez anos atrás pelo IPCC, o painel do clima da ONU. Em seu quarto relatório de avaliação, o comitê previa que o aquecimento global causaria “mortandade disseminada de corais” na Austrália “em 2020”. Um relatório publicado nesta semana pelas ONGs Earth Justice e Environmental Justice Australia afirma que 22% dos corais australianos morreram. No ano passado, mergulhadores relataram ao jornal britânico The Guardian a experiência de sair da água impregnados com o mau cheiro de milhões de animais em decomposição.

O estudo de Hughes e colegas chama atenção para um aspecto particularmente dramático da última pandemia: não importa se os corais estavam em áreas livres de poluição ou sem pressão de pesca, eles branquearam do mesmo jeito.

O relatório das ONGs reforça a necessidade de aumentar a proteção da Grande Barreira, hoje inscrita como sítio do patrimônio natural da Unesco, pedindo que ela seja listada como sítio de patrimônio ameaçado e que todos os projetos de infraestrutura que aumentem a pressão sobre os recifes sejam cancelados.

A nova pesquisa dá a entender que tais esforços para evitar estresses não-climáticos são fúteis. Se eventos de aquecimento extremo do mar ficarem mais frequentes, com menos tempo para os corais se recuperarem – como prevê o IPCC –, nem toda a proteção do mundo poderá proteger a Grande Barreira. “Assegurar um futuro para os recifes de coral, em última análise, exige ação urgente e rápida para reduzir o aquecimento global”, escrevem os cientistas.

 

Republicado do Observatório do Clima através de parceria de conteúdo. logo-observatorio-clima

 

Leia Também 

Unesco inicia resgate do gelo da Terra

O que o iceberg gigante tem a ver com você?

Aquecimento na água provoca morte recorde de corais na Austrália

 

  • Claudio Angelo

    Jornalista, coordenador de Comunicação do Observatório do Clima e autor de "A Espiral da Morte – como a humanidade alterou a ...

Leia também

Salada Verde
29 de novembro de 2016

Aquecimento na água provoca morte recorde de corais na Austrália

Em 2016 o número de corais extintos ultrapassou o registro de 1998. Faixa norte do recife é a região com maior incidência de mortalidade dessas espécies

Reportagens
9 de janeiro de 2017

O que o iceberg gigante tem a ver com você?

Um pedaço de gelo mais de três vezes maior que a cidade de São Paulo está para se soltar de uma plataforma glacial na distante Antártida. Saiba por que você deveria se preocupar com isso

Reportagens
13 de março de 2017

Unesco inicia resgate do gelo da Terra

Amostras de geleiras de montanhas que derreterão nas próximas décadas serão guardadas em caverna na Antártida; objetivo é preservar informações sobre o clima da Terra no passado

Mais de ((o))eco

Deixe uma resposta

Esse site utiliza o Akismet para reduzir spam. Aprenda como seus dados de comentários são processados.