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Quem é a líder extrativista que está ajudando a mudar o Pará

Margarida Ribeiro da Silva elaborou o 1º plano de manejo comunitário na maior Resex do país. Ela hoje defende o papel de comunidades tradicionais na conservação da Amazônia

Fabíola Ortiz ·
2 de janeiro de 2018 · 6 anos atrás
Margarida Ribeiro da Silva ganhou o prêmio Wangari Maathai Forest Champions. Crédito: Pilar Valbuena/Global Landscapes Forum.
Margarida Ribeiro da Silva ganhou o prêmio Wangari Maathai Forest Champions. Crédito: Pilar Valbuena/Global Landscapes Forum.

Bonn, Alemanha – Aos 50 anos, Maria Margarida Ribeiro da Silva se tornou uma figura conhecida na área ambiental no estado do Pará. Seu rosto já é familiar pelas inúmeras viagens que faz nos municípios paraenses dando palestras e divulgando sobre a importância de se realizar um manejo florestal comunitário.

Nascida em Nossa Senhora do Perpétuo Socorro do Rio Arimum, hoje uma das 110 comunidades que formam a Reserva Extrativista (Resex) Verde para Sempre, onde vivem quase três mil famílias em uma área de 1,3 milhão de hectares, Margarida está ajudando a mudar a narrativa e o estereótipo que se tem do Pará.

Em um estado historicamente marcado pela violência no campo – com o maior número de conflitos agrários nas últimas três décadas, segundo a Comissão Pastoral da Terra (CPT) –, Margarida tem sido uma das vozes mais atuantes em prol da conservação da floresta e do papel de comunidades tradicionais que vivem na Amazônia e lutam pela posse coletiva da terra.

“Margarida Ribeiro da Silva recebeu o prêmio Wangari Maathai Forest Champions dedicado a indivíduos que trabalham para conservar as florestas e melhorar a vida das pessoas que dependem delas.”.

No último dia 20 de dezembro, seu trabalho foi reconhecido em uma premiação internacional na cidade alemã de Bonn durante o Global Landscapes Forum, um evento que pôs em pauta projetos de conservação ambiental, restauração de florestas e gestão comunitária em uma abordagem holística sobre as paisagens naturais.

Margarida Ribeiro da Silva recebeu o prêmio Wangari Maathai Forest Champions dedicado a indivíduos que trabalham para conservar as florestas e melhorar a vida das pessoas que dependem delas. O prêmio foi criado em 2012 por uma parceria de 14 organizações e programas internacionais voltados às florestas e leva o nome de uma ativista queniana ganhadora do Nobel da Paz, em 2004, por sua iniciativa com mulheres que plantaram vinte milhões de árvores.

Só com diálogo

“Só tem desenvolvimento se houver conhecimento e, só com diálogo podemos coibir o desmatamento e a devastação. A dinâmica tem que ser mudada”, disse a ((o))eco Margarida. Ela lembra bem dos tempos em que a Resex, hoje a maior do Brasil, estava para ser criada. As pressões de grileiros eram enormes.

Margarida em ação. Foto: Acervo do IEB.
Margarida em ação. Foto: Acervo do IEB.

“Minha mãe Luisa liderou a criação da Resex junto com o sindicato dos trabalhadores rurais e a nossa paróquia. Ela recebeu muita ameaça na época. No início da criação da reserva, havia disputa pela posse da terra. Começou a grilagem e a vir gente de fora. Madeireiros queriam tirar madeira, criar pastagens e expulsar as pessoas que lá moravam”, relembra.

Localizada próximo ao município de Porto de Moz no encontro dos rios Xingu com o Amazonas, a reserva Verde para Sempre está cercada por comunidades que vêm se organizando para fazer um uso sustentável dos recursos naturais. A área é rica em espécies de madeira como a cupiúba, o jacarandá, a andiroba, castanha-do-Brasil, maçaranduba, angelim, copaíba, pau d’arco e seringueira.

“Vimos que, com a chegada das grandes empresas que retiravam 3 mil metros de madeira por dia, a gente sentiu a necessidade de se organizar para ter mais força”. Em 1998, Margarida encabeçou a criação da associação comunitária de desenvolvimento sustentável do Rio Arimum. “Precisávamos fazer alguma coisa, então pedimos a criação de uma Unidade de Conservação para regularizar a nossa terra coletiva”, contou.

Delimitar uma reserva extrativista seria a forma mais rápida de obter um título agrário de forma coletiva. “Criando uma UC, a gente garantiria o título e faria o uso sustentável da floresta. Queríamos continuar morando na floresta, usufruindo dos benefícios e ajudando a protegê-la”, explicou. Depois que a regularização fundiária foi feita com o decreto da Verde para Sempre em 2004, Margarida se lançou no que chama de “construção de diálogo” para fazer com que o período de conflito chegasse ao fim.

Primeiro plano de gestão comunitária

Não durou muito para que o plano de manejo da Resex fosse realizado. “Como o governo não tinha legislação que amparasse uma gestão comunitária em uma área protegida, nós fizemos uma de caráter experimental”, explicou.

Em 2006, elaborou a primeira proposta de plano de manejo comunitário dentro da comunidade Nossa Senhora do Perpétuo Socorro para as 50 famílias que ocupam pouco mais de quatro mil hectares dentro da Resex.

RESEX Verde Para Sempre, Porto de Moz - Pará, Brasil. Foto: Claudio/ISA.
RESEX Verde Para Sempre, Porto de Moz – Pará, Brasil. Foto: Claudio/ISA.

Aos poucos as outras comunidades da Resex foram fazendo seus próprios planos comunitários. “A gente tinha conhecimento popular, mas precisava de uma assistência técnica. Queríamos legalizar a nossa atividade produtiva da floresta”.

Com um recurso internacional do banco alemão de desenvolvimento KfW, conseguiram fundos para capacitar a comunidade, fazer um inventário da floresta e contratar uma equipe técnica.

“As nossas comunidades abraçaram a gestão da floresta. A gente fez um inventário, mediu as árvores e fez um planejamento. Para cada três árvores de uma mesma espécie, a gente corta uma e, assim, garante a conservação”.

Margarida conseguiu provar que sua comunidade tinha capacidade para fazer o manejo florestal. “Queremos usar a floresta com responsabilidade e de forma planejada”.

Alguns anos depois, o próprio Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), órgão responsável pela gestão das Unidades de Conservação (UCs) federais, convidou Margarida para ajudar com proposições a fim de construir uma legislação que regularizasse a atividade florestal comunitária dentro de áreas protegidas, a instrução normativa de nº16 de 2011. Essa normativa abriu precedência para que futuras comunidades também tivessem seu próprio plano de manejo. “Aprendemos com erros e acertos.

Suas proposições também foram levadas em conta na reformulação do Código Florestal brasileiro de 2012 e, alguns anos antes, ela já havia contribuído com ideias para a criação do Fundo Amazônia que capta doações para investir em ações de prevenção, monitoramento e combate ao desmatamento, de promoção da conservação e do uso sustentável da Amazônia.

Sua grande crítica é que muitas comunidades na floresta ainda enfrentam dificuldades para acessar recursos do fundo. “É para o fomento das atividades florestais e da cadeia produtiva na linha da agroecologia, mas a burocracia é grande e a gente não sabe como preparar e apresentar projetos”.

Abrindo frentes

Plano de manejo florestal da Resex estipoula o corte de 1 árvore a cada 3 árvores da mesma espécie preservadas. Foto: Katia Carvalheiro/IEB.
Plano de manejo florestal da Resex estipula o corte de 1 árvore a cada 3 árvores da mesma espécie preservadas. Foto: Katia Carvalheiro/IEB.

Margarida não descansa. Continua abrindo frentes com projetos para falar do “uso correto da floresta” para estudantes da rede pública de ensino no Pará e formar jovens lideranças defensores das florestas.

Há dez anos, se envolveu na criação do Instituto de Desenvolvimento Florestal e da Biodiversidade do Estado do Pará (Ideflor-bio) com ideias de como pôr em prática políticas de conservação no estado.

Poucos meses antes de embarcar para a Alemanha para receber o prêmio “Forest Champions”, mais uma vez Margarida esteve ativamente engajada na criação de uma nova iniciativa. Dessa vez, é o Observatório do Manejo Florestal Comunitário e Familiar do estado do Pará, recém lançado, que conecta organizações da sociedade civil, instituições de ensino e pesquisa como o Instituto Internacional de Educação do Brasil (IEB), para lutar pela defesa do uso sustentável dos territórios comunitários no estado.

A ideia do observatório reuniu 14 organizações comunitárias, que representam 2.500 famílias de 11 territórios, entre UCs, assentamentos rurais e glebas estaduais. Essas áreas somam mais de três milhões de hectares de floresta sob a gestão de organizações comunitárias.

“Queremos combater a ilegalidade e disseminar a gestão das florestas de base comunitária”, disse Margarida.

Aliar a ciência ao conhecimento tradicional

Depois de ter sido pioneira em criar o primeiro plano de manejo comunitário em uma área protegida, Margarida sonha alto. Ela quer agora que sua comunidade na Resex Verde para Sempre tenha um núcleo de pesquisa e, para isso, já tem conversado com a Universidade Federal Rural da Amazônia.

“Queremos implantar um centro de formação e produção para os produtos agro-extrativistas e que sirva de intercâmbio e pesquisa. Por que não criar núcleos universitários lá na Resex com laboratórios para diversificar a produção e receber alunos de diversos lugares?”

O grande trunfo, pensa, é poder aliar o conhecimento popular e tradicional ao conhecimento técnico-científico. Margarida quer que seus netos cresçam na reserva sem precisar ir para a cidade grande para terminar os estudos, como ela e seus três filhos tiveram que fazer. “Precisamos também formar as pessoas das nossas comunidades para a gestão florestal”, diz.

 

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  • Fabíola Ortiz

    Jornalista e historiadora. Nascida no Rio, cobre temas de desenvolvimento sustentável. Radicada na Alemanha.

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Comentários 4

  1. Iselino Jardim diz:

    Parabéns Margarida! um grande exemplo a ser seguida.


  2. Antonio Duarte Souto diz:

    Parabéns minha amiga e companheira Margarida.
    A sua prática é uma importante lição de vida.


  3. FÁTIMA COSTA diz:

    Sucesso, Margarida!!! Sei o quanto você é boa no que faz!!!


  4. AAI diz:

    Infelizmente, o futuro mostrará a efetividade destras RESEX na conservação da biodiversidade…
    Conservação de recursos para a própria exploração é outra coisa.