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Operação ‘Carne Fria’ do Ibama autua JBS, mas governo federal tenta abafar

Frigoríficos compravam bois em área embargada. Notícia vem em meio ao turbilhão da Carne Fraca

Eduardo Pegurier ·
22 de março de 2017 · 7 anos atrás
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Dentre os frigoríficos autuados na operação “Carne Fria”, estavam as unidades de Redenção e Santana do Araguaia, no Pará, pertencentes à JBS. Foto: Marcio Isensee e Sá

Por coincidência, e mais azar do governo de Michel Temer, em pleno turbilhão da operação Carne Fraca, o Ibama (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis) deflagrou na última 2ª feira, 20/3, outra operação que atinge gravemente a indústria da carne no país, inclusive a JBS, a maior empresa do ramo, dona das marcas Friboi, Seara e Swift.

Ninguém combinou, mas o Ibama chamou a sua operação de Carne Fria. Nessa ação, autuou 14 frigoríficos no Pará, Bahia e Tocantins que compraram 58 mil cabeças de gado, produzidas em 26 fazendas com áreas embargadas pelo Ibama por  desmatamento ilegal na Amazônia.

Dentre os frigoríficos, estavam as unidades de Redenção e Santana do Araguaia, no Pará, pertencentes à JBS.

Feitas as autuações, o Ibama estava pronto para divulgar o sucesso da talvez mais técnica operação que já realizou, e uma das mais bem-sucedidas em flagrar grandes infratores.

Isso não aconteceu, porque, em seguida, e de Brasília, o governo começou uma operação para tentar abafar a divulgação em nível nacional – vários sites de notícias regionais já publicaram notas a respeito. Segundo apurou ((o))eco, Suely Araújo, presidente do Ibama, ensaiou duas vezes convocar uma coletiva de imprensa, mas acabou não indo em frente. A mais formal delas aconteceria nesta 6a feira, 24/3, em Belém do Pará, e seria feita em conjunto com o Ministério Público Federal, que apoiou a operação.

A reviravolta ocorreu porque nem mesmo o Ministério do Meio Ambiente (MMA) estava bem informado sobre a Carne Fria. Quando o Planalto tomou conhecimento do que estava acontecendo foi cobrar satisfações do Ibama pelo novo desastre de comunicação e tentar adiar a sua publicidade. Tarde demais. A tentativa de conter danos não funcionou porque o Ibama havia avisado sobre a ação a repórteres da Rede Globo e Repórter Brasil.

No meio do inferno astral da Carne Fraca, da Polícia Federal, a Carne Fria, do Ibama, é um repique do desgaste que o governo e a indústria estão passando. E dessa vez, por uma razão muito mais difícil de consertar: destruição de bioma. A operação torna público que pelo menos uma grande exportadora de carne brasileira está comprando animais criados em áreas de desmate ilegal. E áreas de pasto para gado representam cerca de 60% do desmatamento acumulado na Amazônia.

É mais fácil tirar um lote de carne estragada do supermercado do que regenerar partes destruídas da floresta mais famosa do planeta. As unidades da JBS de Redenção e Santana foram autuadas pelo crime ambiental de “adquirir produto de área embargada”, o que significa, no caso, área desmatada fora da lei.

Um ano de preparação

Carne Fria começou a ser planejada há cerca de um ano, em 2016. Em vez de fiscalização em campo, a operação usou um esforço de inteligência para pegar os infratores. A sua primeira etapa ocorreu em janeiro de 2016, quando o Ibama notificou os frigoríficos a entregar ao instituto os documentos que mostram a procedência do gado que adquirem.

O documento mais importante para a investigação foi o chamado GTA (Guia de Trânsito Animal), usado para controle sanitário, em especial da febre aftosa. De posse do GTA é possível saber qual o percurso do gado, das fazendas que criam e as que engordam até chegar à porta do frigorífico. Os dados dos frigoríficos foram comparados com os fornecidos pela Adepará (Agência Estadual de Defesa Agropecuária do Estado do Pará). Por sua vez, a Adepará só forneceu esses dados depois de pressionada pelo Ibama e pelo Ministério Público. Uma vez de posse dos dados da indústria e da agência fiscalizadora, o cruzamento apontou os infratores.

Uma consequência da operação do Ibama, segundo apurou ((o))eco, foi a queda do superintendente interino do instituto no Pará, Luiz Paulo Printes, um dos responsáveis por preparar a Carne Fria. Ele foi destituído do cargo na manhã desta 4a feira, 22/3.

Agora, além de fraca, a carne é fria e envolve crime ambiental: mais desmatamento na Amazônia.

 

Outro lado: Ibama

Procurado, o Ibama negou ter havido cancelamento de entrevistas a respeito da Carne Fria. Afirma que a operação ainda durará cerca de 15 dias e que divulgará nota com informações oficiais. Os resultados ainda seriam parciais.

Outro lado: JBS (*a nota foi atualizada pela empresa às 18h/23.03.2017)

Procurada, a empresa negou ter comprado de fornecedores irregulares. Eis a íntegra da nota recebido pelo ((o))eco:

A JBS reitera que não comprou e não compra nenhum animal de fornecedores incluídos na lista de áreas embargadas do Ibama e vem cumprindo integralmente o TAC (Termo de Ajustamento de Conduta), assinado com o Ministério Público Federal do Pará em 2009.

A Companhia não é e não pode ser responsabilizada pelo controle e movimentação de gado de seus produtores. A empresa não tem acesso a Guia de Transito Animal (GTA) – documento de posse e de uso exclusivo do governo -, único responsável pelo controle de trânsito animal. Dessa maneira, é um absurdo que o Ibama queira imputar à indústria frigorifica a responsabilidade por garantir esse controle.

No que é de sua responsabilidade, a JBS trabalha com um sistema de monitoramento sofisticado com imagens de satélite e análise de documentos públicos. Fornecedores irregulares são imediatamente excluídos. Nas três últimas auditorias independentes, a JBS obteve mais de 99,9% de conformidade com critérios socioambientais aplicados à compra de gado.

Outro lado: Ministério da Agricultura

O Ministério da Agricultura informou, por meio de sua assessoria de comunicação, não ter conhecimento da operação Carne Fria.

 

*Essa matéria foi atualizada às 10h14 de 23/03/2017

 

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  • Eduardo Pegurier

    Mestre em Economia, é professor da PUC-Rio e conselheiro de ((o))eco. Faz fé que podemos ser prósperos, justos e proteger a biodiversidade.

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Comentários 19

  1. monica diz:

    Parabens pela materia !! Ja compartilhei!!


  2. É nisso que dá político indicar pessoas para cargos de responsabilidade onde podem fazer maracutaia e receber propina, em geral divididas com os partidos e indicadores.
    Perde o Brasil, perdem os empresários, perdem os consumidores, perde você, perdemos todos…


  3. Gustavo Romeiro diz:

    Praticamente em todos os municípios localizados no Arco do Desmatamento, a economia gira em torno de poucas atividades, geralmente vinculadas ao desmatamento: serrarias, plantas frigoríficas e processadoras de grãos.
    A teoria de que a produção deve se intensificar nas áreas já desmatadas esconde uma armadilha: Se a intensificação da produção for baseada no atual modelo altamente dependente de insumos externos (adubos, agrotóxicos, sementes industriais, mecanização pesada), a valorização dessas áreas acaba valorizando, por um efeito dominó, áreas de floresta em locais mais remotos para a utilização pela pecuária bovina extensiva.
    Neste avanço, geralmente acompanhado pela infraestrutura de transportes; grandes empresas de armazenagem e processamento de grãos, plantas frigoríficas e outras empresas vinculadas ao agronegócio se estabelecem e toda essa teia social acaba por consolidar a situação de desmatamento ilegal, que geralmente resta aceita e legalizada.
    Tal pressão somente pode ser alterada por uma regularização e ordenamento fundiário sério e eficiente; por um controle oficial eficaz, com altas taxas de penalização efetiva; e pela valorização da biodiversidade nativa, a partir de produtos oriundos de sistemas agroflorestais que satisfaçam numa perspectiva crescente, a forte demanda por óleos, proteínas, carboidratos e madeira.
    Texto extraído de: PINTO, Gustavo Romeiro Mainardes. Estratégias para a Gestão Florestal Integrada no Brasil. Monografia apresentada ao III Prêmio Serviço Florestal Brasileiro em Estudos de Economia e Mercado Florestal. Brasília. 2016. Disponível em: http://www.florestal.gov.br/documentos/informacoe


  4. Heverton diz:

    O que eu tenho visto em diversas fontes é que a JBS se tornou uma gigante, que teve financiamento de banco público (BNDS), saiu comprando diversos frigoríficos que não tiveram o mesmo conchavo político, é a segunda empresa que mais deve a previdência social, mesmo com lucros exorbitantes. A uns 4 anos atrás foi flagrada vendendo carne de cavalo e a mídia conseguiu abafar o caso. Também fiquei sabendo que a JBS compra gado criado em zonas desmatadas ilegalmente na Amazônia. É complicado, não dá para pensar em consumir produtos de uma empresa assim, sem nenhum compromisso social. Provavelmente ela defende o fim da previdência social junto com Temer e seus amiguinhos, para depois pagar salário de miséria para seus funcionários mandá-los embora por qualquer coisinha. Esse tipo de empresa que é a base da nossa economia?


    1. Zebu véio diz:

      "teve financiamento de banco público (BNDES)" foi conchavo político da era LULAH!


  5. Francisco Mendes diz:

    Friboi. Você não pode confiar…


  6. Zebu véio diz:

    Dizem que o filho do Lulah tem uma fazendona de gado em São Felix/PA. E aí, vão lá?


    1. Carlão diz:

      Manda a prova pro moro…


    2. umbrios27 diz:

      Já foram, durante a Arco de Fogo. Desmatamento antigo e recente, em todo o lugar.


      1. umbrios27 diz:

        Ah, esqueci, mas gado que é bom… umas poucas cabeças abandonadas à mingua, incluindo bichos atolados no barro e moribundos há dias. Não é de vender carne que vem o dinheiro dali.


        1. Zebu véio diz:

          Tá precisando de "Operação Lava-boi"


  7. José Jorge bonato diz:

    Nós, vendo tais notícias ficamos a nos perguntar até quando esse câncer petista alimentado que foi pelo BNDS sobreviverá em nosso Brasil. Todos os esforços para extirpa-lo será necessário . Não devemos nunca esmorecer..


  8. paulo diz:

    Renato, presta atenção. Fazendo de maneira correta, não tem problema, agora trapaceando, inventando e maquiando, não. Chega de bandidagem e impunidade.


  9. Renato diz:

    Se continuar esas operaçoes o brasil vai acabar em nada ou voces pensao q a humanidade cresceu comendo mato.


  10. Andreia diz:

    Gente! Exoneração do superintendente por fazer o que deve! Por causa da operação!!!! Isso tem que ser muito divulgado!


    1. Ana Beatriz Luz diz:

      Andreia, quem foi exonerado? Também queria saber.


  11. paulo diz:

    Começou o mimimimi da jbs


  12. paulo diz:

    Aí Katia senadora e Maggi , como fica. Seus berros ao vento.


  13. clovis borges diz:

    Basta puxar um fio que teremos acesso a um conjunto imenso de irregularidades que demonstram, acima de tudo, a que ponto chegamos aqui no Brasil com a excessiva influência de setores econômicos sobre as gestões públicas. E de como a conservação da natureza e o bem estar e a saúde da população vem pagando caro por esse comportamento de domínio exacerbado. Embora uma doença crônica de nossa sociedade, de fato ultrapassamos todos os limites em relação ao poder de grupos econômicos em influenciar os diferentes poderes constituídos. Para atender interesses setoriais temos realizado mudanças de Leis, como o Código Florestal; enfraquecido propositalmente órgãos de controle; e plantado gente dentro de órgãos públicos com uma agenda própria, na contramão do interesse público. Exacerbamos na condição de corromper, em síntese. E a conta, depois de dar voltas e gerar prejuízos para toda a sociedade, recai na cabeça do próprio setor que passou dos limites, dizendo que sua atividade simplesmente ERA TUDO.