Reportagens

O olho por trás das lentes que registram Bonito

Fotógrafo da nova edição do Guia de Campo de Bonito, Daniel de Granville fala sobre papel do ecoturismo e da fotografia para a preservação da região

Duda Menegassi ·
14 de abril de 2016 · 8 anos atrás
Daniel De Granville. Foto: Ademir Arruda
Daniel De Granville. Foto: Ademir Arruda

Imagine estar cara a cara com uma onça-pintada e não tremer na hora de fazer o clique. Ou mergulhar com câmera e tudo para registrar peixes, sucuris e ariranhas. Desde 2000, esta é a rotina do biólogo, fotógrafo e guia de turismo Daniel de Granville que tem registrado a diversidade da fauna e flora da na região de Bonito, no Mato Grosso do Sul. Graças a este acervo acumulado, a nova edição do Guia de Campo de Fauna e Flora de Bonito pôde ser ricamente ilustrado com mais de 100 fotos de sua autoria. A nova versão do Guia, lançada no final  de março, atualizou e fez crescer o conteúdo original da sua primeira edição, de 2005.

Morador do município há 16 anos, Daniel acompanhou o progresso de fortalecimento do ecoturismo na região e acredita que o Guia é um reforço para a vocação ecoturística de Bonito: uma ferramenta importante de educação ambiental, também  auxilia na capacitação dos guias locais e estimula o turismo de observação de animais silvestres -, um potencial ainda pouco desenvolvido na opinião do fotógrafo.

Desenvolver este setor, aliás, é um dos objetivos da sua empresa, a Photo In Natura, que organiza tours e excursões voltados para fotografia de natureza sob a filosofia de jamais desrespeitá-la. Fotógrafo ganhador da 1ª Edição do Concurso Nacional da AFNatura, Daniel afirma que é necessário ter respeito. “Manter uma distância de segurança com relação aos bichos é bom para os dois lados, tanto para você, quanto para não causar perturbações ao animal”. Confira a entrevista:

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Foto: Daniel De Granville Foto: Daniel De Granville Botos. Foto: Daniel De Granville
Jacaré e borboleta. Foto: Daniel De Granville Pantanal submerso. Foto: Daniel De Granville Pantanal aérea. Foto: Daniel De Granville

 

((o))eco: O Guia de Campo de Fauna e Flora de Bonito teve uma primeira edição em 2005 e agora volta atualizado, cheio de fotos – a maioria delas tiradas por você. Qual a importância desse guia no estímulo ao turismo consciente?

Daniel Granville: Bem, eu considero os próprios guias de campo como ferramentas de educação ambiental. O Henrique Ruas, coordenador da equipe e idealizador do guia, sempre viu a necessidade de divulgar informações corretas sobre fauna e flora. Desde 2005, a ideia foi de que o Guia funcionasse como uma ferramenta não só para o visitante, mas também para auxiliar o trabalho dos guias de turismo daqui, já que todos os passeios aqui têm que ter um guia acompanhando. E o Guia de Bonito, além de ser uma ferramenta que fala sobre plantas e animais e têm informações ecológicas e tal, ele é bilíngue, português e inglês, e isso ajuda muito o guia que às vezes não domina o idioma.

No Guia, abordamos as espécies que nós consideramos ou mais prováveis de uma pessoa observar quando vem aqui para região; espécies atraentes pela beleza visual ou por algum aspecto peculiar do comportamento dela que a gente julgou que era interessante entrar no Guia. Eu devo ser responsável por uns 80% das fotos do Guia, mas principalmente as fotos de plantas são do casal de biólogos que trabalha com botânica, a Vivian Ribeiro Maria e o Fabrício de Souza Maria, que têm um acervo muito maior de fotos de plantas. E algumas espécies que a gente não tinha foto, a gente acabou contando com alguns colaboradores que forneceram a imagem e retribuímos doando exemplares do Guia para eles.

Qual o papel socioambiental da fotografia para você? Qual sua missão como fotógrafo e guia em Bonito?

Tem aquele clichê de que uma imagem vale mais do que mil palavras e é mais ou menos isso. A fotografia pode criar uma conexão com as pessoas, independente de idioma e de que parte do mundo a pessoa e a foto sejam. Às vezes uma imagem que você produz, que chama atenção, é capaz de fazer a pessoa se aprofundar no assunto. E quando você mostra uma foto bonita de um animal olhando para você, isso sensibiliza, e você pode motivar as pessoas a se dedicarem a uma causa de conservação, por exemplo.

Você fotografa diversos animais em seus habitats naturais, como a foto da ariranha que te rendeu o prêmio do Concurso de Fotografia de Natureza da AFNatura. Como é essa aproximação com os animais para poder tirar as fotos sem sustos?

Ariranha. Foto: Daniel De Granville
Ariranha. Foto ganhadora da 1ª Edição do Concurso Nacional da AFNatura na categoria subaquática. Foto: Daniel De Granville

É preciso ter respeito, manter uma distância de segurança em relação aos bichos é bom para os dois lados, tanto para sua própria segurança, quanto para o animal. A maneira como você se aproxima, como aborda o animal, deve deixar uma área de fuga e nunca encurralá-lo, porque ele vai se sentir ameaçado. Em algumas situações, quando você tem animais que estão com filhotes ou em época de reprodução, é necessário ficar um pouco mais atento, porque alguns deles se tornam mais agressivos. Eu procuro sempre ter isso em mente, para garantir que as fotos que tiro não causem qualquer tipo de incômodo ou prejuízo ao objeto da foto.

Quando vou receber clientes com estes objetivos específicos de fotografia, envio para eles um contrato super detalhado, com a condição clara que quem determina o momento de deixar o animal em paz, se necessário, sou eu. Não tem essa coisa de perturbar o bicho. Aliás, algo que tem se tornado muito frequente é, em programas com uma pegada mais sensacionalista, aquela necessidade de pegar o bicho na mão, de desafiar, e isso é algo que não permito. Já recebi equipes de TV atrás de sucuris e a primeira coisa que digo é: “Aqui a gente não encosta a mão na sucuri”. Alguns desistem, outros tentam uma abordagem diferente mas falham, porque aqui [em Bonito] não deixo. Mesmo porque está na lei de crimes ambientais. Não é porque eu sou um cara chato, simplesmente estou cumprindo a lei.

A foto da ariranha embaixo d’água foi um privilégio não só pelo fato de estar na presença do animal, como também ter sido feita em uma RPPN (reserva particular do patrimônio natural) – uma prova como as áreas de proteção são importantes na manutenção da biodiversidade.  É um lugar turístico que propicia a 100, 150 pessoas por dia a chance de ver este animal como eu o vi: fiquei a menos de dois metros de um animal que muitos consideram perigoso, que dizem que ataca, e não tive esta sensação.

As excursões e workshops que você faz pelo Photo In Natura são todos em torno de fotografia de natureza, meio ambiente e turismo. Como você enxerga esse trabalho dentro da lógica de turismo e preservação em Bonito?

Eu bato muito nessa tecla aqui com os gestores em Bonito. Porque acho que Bonito é sim, um destino consagrado que tem uma procura muito grande. Mas ainda não aproveitamos esta chance de utilizar o turismo de observação de vida silvestre. Temos uma infraestrutura de turismo muito boa, uma biodiversidade muito grande, mas Bonito pouco  explora o turismo específico de vida silvestre.

Isto uma parte do trabalho do Photo In Natura. Sempre que me reúno com os gestores do município, falo que estamos perdendo um potencial muito grande. A estrutura turística está toda aqui, você tem trilhas excelentes, estruturas de segurança excelentes, a natureza está aqui, os animais estão todos aqui em volta, e a gente ainda não investe nesse público como deveria. O próprio Guia de Fauna e Flora estimula este tipo de turismo e capacita os guias locais a promoverem este tipo de atividade. O que falta é que tanto os proprietários dos atrativos como os agentes de turismo não despertaram para o fato de que existe uma demanda mundial muito grande para este tipo de turismo, principalmente do público estrangeiro. No Pantanal, nosso vizinho, isto já é muito explorado.

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Preguiça. Foto: Daniel De Granville Quati. Foto: Daniel De Granville Peixes. Foto: Daniel De Granville
<i>Sucuri eunectes</i>.Foto: Daniel De Granville Tamanduá-bandeira filhote. Foto: Daniel De Granville <i>Caiman</i>. Foto: Daniel De Granville

 

Bonito é um dos destinos de natureza mais visitados no Brasil e uma das referências nacionais em ecoturismo. Quais os méritos de Bonito em utilizar o turismo como ferramenta de estímulo à conservação dos recursos naturais?

Hoje, a grande sacada de Bonito – que fez o município ganhar prêmios internacionais – é o sistema que se chama de Voucher Único, ingresso usado em hotéis ou passeios. Esse voucher é totalmente informatizado e tudo é muito transparente e aberto. O poder público ou qualquer pessoas que quiser ter acesso vai saber exatamente em qualquer dia do ano, quantas pessoas visitaram cada um dos passeios em cada horário. E, por ser centralizado e informatizado, a fiscalização fica fácil. Tanto a fiscalização do controle de capacidade de carga, como a fiscalização de recolhimento de tributos. Ninguém chega aqui e vai direto para passeio, antes tem que passar por uma agência local, que emite o voucher único informatizado e é com esse documento que o turista vai fazer o passeio, no dia e no horário que foi designado para ele.

No geral, a minha percepção é de que em lugares que são áreas de conservação ou de uso turístico, as condições naturais têm se mantido muito estáveis,. Porque quem explora o turismo e vive disso sabe que é de seu total interesse proteger o recurso natural que existe ali. Se desaparecem as florestas, desaparecem os bichos. Se o rio ficar sujo, ele não tem mais o atrativo dele.

Na contramão de Bonito, o Cerrado, como bioma, ainda é muito pouco prestigiado por políticas de conservação. Por que você acha que isso acontece?

Eu acho que a gente tem uma tendência, não sei se mundial ou apenas no Brasil, de valorizar o que num primeiro momento é mais exuberante, como são os ambientes florestais que tanto impressionam .

Os ambientes de vegetação mais aberta como o Cerrado, por exemplo, exigem um pouco mais de sensibilidade para serem apreciados. O clima é muito quente e,na maior parte do ano, muito seco. Não é um ambiente muito hospitaleiro nesse aspecto de aconchego e conforto térmico. Tem que saber buscar nos detalhes do Cerrado a sua beleza. E, historicamente, este foi um bioma muito negligenciado em qualquer iniciativa de conservação. O Pantanal também é um ambiente aberto, mas a abundância de bichos e a beleza de algumas paisagens é muito fácil de ser apreciada. No Cerrado, você não consegue ver bicho com a facilidade que você vê no Pantanal, você não consegue achar uma beleza plástica em qualquer cena que você vai, e isso acaba refletindo nos esforços de conservação.

Capa do Guia. Foto: Divulgação
Capa do Guia. Foto: Divulgação

 

*O Guia de Campo de Fauna e Flora de Bonito já está disponível no comércio de Bonito e também pode ser encomendado pelo email [email protected]

 

 

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  • Duda Menegassi

    Jornalista ambiental especializada em unidades de conservação, montanhismo e divulgação científica.

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Comentários 3

  1. Reuber diz:

    Belíssimas fotos! Sensibilidade, percepção, qualidade técnica e um apurado senso de oportunidade!


    1. Olá Reuber, muito obrigado pelos comentários! 🙂


  2. Parabéns a todos os autores do guia, Henrique Ruas, Vivian Ribeiro, Fabrício Maria, Kiko Azevedo, Tietta Pivatto e Daniel De Granville.