Reportagens

Mosaico: a voz unida das Unidades de Conservação

Estudo analisa a efetividade de quatro grandes mosaicos e conclui que a gestão integrada de áreas protegidas avançou, mas é preciso mais.

Rafael Ferreira ·
29 de outubro de 2015 · 8 anos atrás
Buriti no Mosaico Sertão Veredas-Peruaçu, do Cerrado de Minas Gerais. Foto: Bento Viana
Buriti no Mosaico Sertão Veredas-Peruaçu, do Cerrado de Minas Gerais. Foto: Bento Viana

Manaus, AM — O Mosaico da Amazônia Meridional reúne mais de 40 áreas protegidas, numa extensão de aproximadamente 7,1 milhões de hectares (o equivalente a quase metade do estado do Ceará). Mas apesar do tamanho não consegue ser ouvido: o conselho consultivo do mosaico não foi chamado para dar um parecer no processo de licenciamento de obras dentro do território ou na área de influência das unidades de conservação. E só no Rio Telles Pires, devem ser construídas cinco hidrelétricas.

Esta situação foi encontrada pelas biólogas Cláudia Costa e Gisela Herrmann, autoras do estudo “Gestão Integrada de Áreas Protegidas: uma análise da efetividade de mosaicos”, lançado pelo WWF-Brasil durante o 8ª Congresso Brasileiro de Unidades de Conservação, realizado em setembro, em Curitiba, no Paraná.

O estudo analisou quatro mosaicos em três biomas brasileiros diferentes: Amazônia Meridional e do Baixo Rio Negro (Amazônia); Sertão Veredas-Peruaçu (Cerrado) e Central Fluminense (Mata Atlântica). Juntos, eles abrangem cerca de 16,5 milhões de hectares. Foram utilizados 46 indicadores para avaliar quatro questões: a governança, gestão, valorização da sociodiversidade e proteção da biodiversidade.

Para Gisela, o grande desafio na gestão conjunta das áreas protegidas é integrar diferentes níveis de governo, como prefeituras, estados e União. “Mosaicos pressupõem uma gestão integrada, mas a gente não tem a cultura de trabalhar em conjunto os diferentes níveis de governo. Essa é uma dificuldade brasileira”, avalia.

O Mosaico Sertão Veredas-Peruaçu, no Cerrado de Minas Gerais, apresentou a maior efetividade (com 80% dos indicadores efetivos), seguido do Mosaico Central Fluminense (72%). Por fim, o Mosaico Baixo Rio Negro alcançou 63% de efetividade. A fragilidade institucional do Mosaico da Amazônia Meridional ficou evidente no resultado da avaliação. Com apenas 46% de efetividade, foi o pior entre os quatro analisados.

A provável causa da desvantagem dos territórios localizados na Amazônia é o pouco tempo de existência e ainda estarem em fase de implementação. O Mosaico da Amazônia Meridional foi criado em 2011 e do Rio Negro em 2010. Além disso, são muito mais extensos do que mosaicos encontrados em outros biomas. No Baixo Rio Negro, o conjunto de áreas protegidas se estende por 8 milhões de hectares.

As pesquisadoras encontraram também situações que demonstram a importância da gestão integrada de áreas protegidas. Cláudia Costa cita um exemplo também da Amazônia: a transformação de parte do Parque Estadual do Rio Negro na Reserva de Desenvolvimento Sustentável Poranga-Conquista, uma iniciativa conjunta dos responsáveis pelas unidades de conservação. Apesar de uma recategorização que teoricamente reduziu a proteção da área, a medida está ajudando na preservação:

“A comunidade que vivia na reserva passou a atuar na fiscalização da pesca, já que o Parque Estadual não tinha condições de fiscalizar”, conta a bióloga. “A iniciativa melhorou a relação com a comunidade e as condições de vida dos moradores, além de resolver um conflito com a população local”, explica.

Sucesso

O Mosaico Sertão Veredas-Peruaçu é um exemplo de como eles podem contribuir para a conservação, quando fortalecidos. Os responsáveis pelo mosaico já atuaram em diversas iniciativas para proteger o território. Entre as vitórias, graças à participação e influência nos processos de licenciamento, conseguiram barrar um plantio de eucaliptos e também a construção de barragens na região.

Outro mosaico criado para frear o crescimento urbano e proteger áreas desde os manguezais até as serras é o Central Fluminense, que atuou nas discussões sobre licenciamento do Complexo Petroquímico do Rio de Janeiro (Comperj). “Sozinhos, somos mais frágeis, juntos temos mais gente para fazer articulações, assinar moções”, diz Cláudia Costa.

Previstos no Sistema Nacional de Unidades de Conservação (Snuc), os mosaicos existem para fortalecer as unidades de conservação e outras áreas protegidas que ocupem territórios próximos. A ideia é que o território tenha uma gestão compartilhada, para enfrentar os problemas e aproveitar as oportunidades comuns entre as áreas protegidas. No Brasil, existem mais 20 mosaicos de áreas protegidas, que além das categorias previstas no Snuc incluem também terras indígenas.

A gestão conjunta favorece o melhor aproveitamento dos recursos, tão escassos para as unidades de conservação, mas os mosaicos não devem ser vistos apenas como um caminho para reduzir gastos e pessoal, de acordo com Cláudia Costa. “Os mosaicos possuem uma força potencial significativa, mas ainda mal aproveitada porque os órgãos responsáveis pela gestão e pela política não estão preparados para atender as necessidades que eles demandam”, conclui Costa.

 

*Este texto é original do blog Observatório de UCs, republicado em O Eco através de um acordo de conteúdo. observatorio-ucslogo

 

 

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Comentários 1

  1. Silvana diz:

    Comento no caso do Parque Estadual do Rio Negro, cuja criação teve minha contribuição. Revisões e adequações são sempre fundamentais ao longo do tempo em unidades de conservação, inclusive com alteração de categoria, quando necessário, como parece ter sido o caso acima reportado. Por outro lado, há que se tomar cuidado com a tendência geral – fomentada pela IUCN é fácil de aplicar por políticos e gestores – de demover áreas de categorias restritivas (I e II) por áreas menos ou pouco restritivas ao uso humano (categorias III e IV). Olho vivo!