Reportagens

A nova margem do rio

Ano que vem, os rios de São Paulo vão começar a ganhar um novo contorno. Projeto do governo do estado pretende recuperar 1 milhão de hectares de matas ciliares.

Carolina Elia ·
17 de setembro de 2004 · 20 anos atrás

Cinco importantes bacias hidrográficas de São de Paulo estão prestes a se recuperar dos estragos que o desenvolvimento causou às margens de seus rios. Já passou pelo crivo do governo federal o Projeto de Recuperação de Matas Ciliares Degradadas no Estado de São Paulo, que prevê o reflorestamento das margens dos rios com espécies nativas. A partir do ano que vem, a Mata Atlântica vai voltar, aos poucos, a rodear os cursos d’água. O objetivo é recuperar um milhão de hectares de áreas marginais.

O replantio de árvores é um desafio pequeno diante da tarefa de desfazer os nós financeiros, políticos e institucionais que amarram a recuperação das matas ciliares em larga escala. A primeira etapa do projeto, desenvolvido pela Secretaria de Meio Ambiente de São Paulo, está orçada em 19 milhões de dólares e prevê apenas o reflorestamento de cinco bacias (Paraíba do Sul, Piracicaba-Capivari-Jundiaí, Tietê-Jacaré, Mogi-Guaçu e Aguapeí). O Global Environmental Facility (organismo financeiro internacional integrado por 176 países), o Banco Mundial e o governo do estado serão os financiadores dessa parcela, mas ainda faltarão recursos para reflorestar as margens das demais bacias paulistas.

Uma alternativa é incluir no projeto a comercialização de créditos de carbono, o que significa vender ar limpo para empresas poluidoras. Uma empresa que emite na atmosfera mais dióxido de carbono do que o permitido, pode compensar esse dano ambiental financiando o plantio de árvores que vão seqüestrar da atmosfera uma cota de CO2 equivalente à que o poluidor emitiu. Esse mecanismo de compensação é chamado de crédito de carbono.

A idéia é boa, mas tem algumas desvantagens para os investidores quando aplicada a programas como o de recuperação das matas ciliares de São Paulo. O projeto de reflorestamento das margens dos rios estipula o plantio de espécies nativas da Mata Atlântica, um tipo de floresta bem mais complexo e que leva mais tempo do que florestas comerciais para sequestrar cota semelhante de carbono da atmosfera. Mas existe o outro lado da moeda. “Além da absorção de carbono, quem investir em matas ciliares vai estar aplicando dinheiro na conservação dos recursos hídricos, do solo e da biodiversidade do estado”, explica Helena Carrascosa Von Glehn, do Departamento de Projetos de Paisagem da Secretaria de Meio Ambiente do estado.

Especialistas também argumentam que no todo as florestas nativas são mais lucrativas que as comercias. “O conceito de comprar créditos de carbono caminha junto com o da conservação. Uma empresa que não planta árvores para fins comercias, como as indústrias de papel, prefere investir no reflorestamento de matas nativas por vários motivos. Entre eles o marketing: é bom para a empresa ter a imagem associada a áreas de conservação da natureza”, afirma Ricardo Miranda Brutiz, coordenador do Projeto de Restauração da Floresta Atlântica da organização não-governamental Sociedade de Pesquisa em Vida Selvagem e Educação (SPVS).

Para esclarecer as dúvidas sobre as vantagens de se investir em matas ciliares, a Secretaria do Meio Ambiente vai desenvolver, junto com o Centro Nacional de Referência em Biomassa (CENBIO), um estudo para monitorar os estoques de carbono absorvidos por florestas nativas e pesquisar maneiras de baratear o investimento. Os resultados vão ser transformados em guias de orientação e distribuídos a empresas que possam se interessar em recuperar matas ciliares em troca de créditos de carbono.

Vencido o obstáculo econômico restam os problemas institucionais e políticos. A maioria dos proprietários rurais resiste ao projeto por interpretar a preservação das matas ciliares como uma expropriação de áreas produtivas. Faltam agentes preparados para o trabalho e instrumentos para o planejamento e monitoramento integrado dos programas de recuperação das margens. Há também um déficit regional, tanto qualitativo quanto quantitativo, de sementes e mudas de espécies nativas. Para enfrentar o desafio, a Secretaria de Meio Ambiente fechou uma parceria com o Programa Estadual de Microbacias Hidrográficas e com a Secretaria da Agricultura e Abastecimento. Outra tática será trabalhar em conjunto com projetos que já estão em andamento e fazer uma ponte com universidades e a iniciativa privada.

A finalidade do projeto é recuperar, a longo prazo, todas as matas ciliares do Estado de São Paulo. O primeiro passo vai ser reflorestar as margens das bacias hidrográficas do Paraíba do Sul, Piracicaba-Capivari-Jundiaí, Tietê-Jacaré, Mogi-Guaçu e Aguapeí, que foram escolhidas pela diversidade ambiental e social. Depois, daqui a quatro anos, os resultados da experiência têm que convencer os investidores de que vale a pena transpor a idéia para outras bacias. Se prevalecer o bom senso, a expansão do projeto está garantida, porque recuperar as matas ciliares significa melhorar a qualidade de vida em todo o estado de São Paulo. Mas, como se sabe, bom senso não é exatamente uma espécie abundante no ambiente nacional.

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