Reportagens

Secretaria de fachada

Para o prefeito de Formosa (GO), as áreas social e ambiental existem “só para constar”. Com orçamento zero, o secretário de Meio Ambiente narra sua luta inglória.

Carolina Mourão ·
27 de agosto de 2004 · 20 anos atrás

Distante 70 km de Brasília, a cidade de Formosa – rodeada por cachoeiras num cenário exuberante – tornou-se um fosso de excluídos. Um flagrante da omissão do poder público. Vítimas crônicas do sonho de fazer a capital, muitos invasores retirados de Brasília vão parar lá e dividem com assentados do MST uma miséria pulsante. Na área periférica, enorme, casas e barracos vivem sob a iminência de ser engolidos pela terra. Os focos de erosão provocados pelo desmatamento produzem as voçorocas – erosões profundas, praticamente incontroláveis, que atingem o lençol freático. Algumas chegam a medir 1,5km de extensão por 100m de largura e 30m de profundidade. A pesca predatória na bacia do encontro do rio Paranã com o Tocantins atinge espécies raras. Os córregos Bandeirinha e Josefa Gomes, além da Lagoa Feia, estão sob ameaça, e a população ameaçada, cumulativamente.

O secretário de Agricultura, Pecuária e Meio Ambiente de Formosa, Telmo Heinen, engenheiro agrônomo, tenta, mas não pode fiscalizar nada. O cargo, como o próprio secretário desabafou em e-mail enviado a O Eco, só existe para “constar”. A Secretaria sequer dispõe de orçamento, quanto mais dinheiro. À disposição, apenas um caminhão cujo apelido é “piauizín véiiii” – daí você calcule – e uma moto CG 125 que é utilizada de manhã pelo gerente do aterro sanitário e à tarde pelo único fiscal do meio ambiente da Secretaria. Só para constar, o fiscal não pode legalmente aplicar multas, apenas advertir. Haja saliva. São 78 mil habitantes que produzem 35 toneladas de lixo por dia sem que a prefeitura desenvolva uma política de gestão adequada dos resíduos sólidos.

O aterro sanitário da cidade foi regularizado, mas apenas porque o prefeito estava sob ameaça de ser colocado no “Cadin” (Cadastro Informativo de Créditos não Quitados do Setor Público Federal) e só por isso Telmo Heinen teve a chance de elaborar o Plano de Gestão dos Resíduos Sólidos para o município, uma antiga necessidade. O Plano, que vem sendo feito pelo próprio secretário, ainda não está pronto. Telmo tem estudado termos técnicos e um formato ideal para o documento, que precisa passar pelo crivo dos especialistas no assunto para ser aprovado. O prefeito de Formosa não quer gastar dinheiro com uma empresa especializada para elaborar o projeto.

Apesar de o único fiscal da Secretaria ser impedido de aplicar multas, ela pode contar com o apoio oficial de uma patrulha ambiental formada por policiais militares do Estado de Goiás. O problema é que o único carro disponível às vezes não funciona. O jeito então é apelar para os fiscais do Ibama, que só aparecem para socorrer em casos urgentíssimos, porque a patrulha tem uma prioridade: atender a todo o nordeste goiano, especialmente a bacia do São Francisco. O Comitê de Bacias, aliás, pagou o veículo, e precisa muito dele. Nada mais justo. Só para constar, Formosa renovou recentemente a frota de carros da polícia, com 600 novos veículos, que não colaboram com a Secretaria de Meio Ambiente.

As estradas municipais de Formosa passam por áreas de preservação e os lotes da cidade nunca foram licenciados. Mas Telmo não desiste. “Tentei fazer muita coisa, mas até agora o que foi possível foi renovar um convênio com a Agência Ambiental de Goiás, principalmente para atender aos pequenos agricultores com um risco calculado e responsável para o meio ambiente”, ressaltou. Modesto, o Telmo. Ele também conseguiu licenciar desmatamentos de até 10 hectares, como a confecção de represinhas menores do que 1 hectare e o aproveitamento de árvores até 5 hectares, tudo de forma sustentável. E a Prefeitura? Trabalha arduamente nas chamadas sarjetas: esgoto a céu aberto, rebocado e padronizado. “E o povo gosta porque não tem fiscalização nem cobranças”. Sim – o secretário de Meio Ambiente de Formosa também não pode fiscalizar a emissão de esgoto, as chamadas “águas servidas” a céu aberto na cidade. Desta vez foi vetado diretamente pelo prefeito. É o apelo popular.

Diante do caos sócio-ambiental, Telmo ainda luta para exercer o cargo virtual que lhe foi conferido. Ele está elaborando uma legislação para o Sistema Municipal de Inspeção para elevar a qualidade dos alimentos de origem animal e vegetal. As vacas que pastam no perímetro urbano são fonte de leite que é distribuído livremente por carroceiros em botecos e padarias da cidade, sem regulamentação, desmoralizando o cargo do secretário e a Vigilância Sanitária.

E não é só a Secretaria de Meio Ambiente que não existe na prática. A Secretaria da Promoção da Igualdade Social e a Secretaria de Indústria, Comércio e Turismo – em uma região que tem forte vocação turística – também são só fachada. Curioso é que a Secretaria de Transportes e Vias Públicas e, claro, a de Obras e Urbanismo são puro azeite da máquina. Então façamos um trato: enquanto o prefeito finge que trabalha, a gente finge que não vai insistir na denúncia.

O nome do prefeito não é Gerson, certo? É Sebastião Monteiro Guimarães Filho, popular Tião Caroço, queridinho de Perillo, governador de Goiás. Só para constar.

Leia também

Notícias
18 de abril de 2024

PSOL pede inconstitucionalidade de lei que fragiliza o licenciamento ambiental no ES

Para o partido, as mudanças no licenciamento estadual não estão previstas na legislação federal e prejudicam o meio ambiente; lei tirou espaço da sociedade civil nos processos

Notícias
18 de abril de 2024

‘A Suzano está acima do governo federal, estadual e municipais da Bahia?’

Quilombolas denunciam novamente obras irregulares em seu território. MPF exige suspensão das licenças emitidas pelo Inema e Prefeitura de Nova Viçosa e respeito à OIT 169

Colunas
17 de abril de 2024

Declaração de Barcelona define novos rumos para a Década do Oceano

O encerramento do evento oficializou a primeira conferência da Década do Oceano de Cidades Costeiras que ocorrerá em 2025 na cidade de Qingdao, na China.

Mais de ((o))eco

Deixe uma resposta

Esse site utiliza o Akismet para reduzir spam. Aprenda como seus dados de comentários são processados.