Reportagens

Estrada pelo TIPNIS: a novela continua

Quando tudo parecia resolvido, Evo Morales decide construir estrada no Território Indígena e Parque Nacional Isiboro Sécure. 

Giovanny Vera ·
4 de abril de 2012 · 12 anos atrás

Evo Morales entregando motores fora de borda em Oromomo. Crédito: Agência Boliviana de Informação (ABI)
Evo Morales entregando motores fora de borda em Oromomo. Crédito: Agência Boliviana de Informação (ABI)

Enganados. Esse é o sentimento dos indígenas bolivianos do Território Indígena e Parque Nacional Isiboro Sécure (TIPNIS), que marcharam 600 km no ano passado desde Trinidad até La Paz, exigindo que a estrada Villa Tunari – San Ignacio de Moxos não cruzasse e cortasse o coração do parque. Eles temem que o caminho provoque desmatamento e abra as portas para madeireiros ilegais e produtores de folhas de coca, acabando com a enorme biodiversidade e ameaçando a cultura e tradições locais.

Com a marcha e a pressão de vários setores bolivianos e estrangeiros,  o presidente boliviano Evo Morales sancionou a Lei 180, de outubro de 2011,  que proibia a construção de qualquer estrada no parque e declarava o território como intangível. Depois de quatro meses, Evo promulgou a Lei 222, de fevereiro deste ano,  de Consulta Prévia, para continuar a construção da estrada através do parque.

Os incomodados que se mudem
Vitória indígena na Bolívia

Consulta prévia e a intangibilidade
A Constituição Política do Estado da Bolívia reconhece que os habitantes do lugar decidam quando em suas terras sejam executadas obras ou explorados recursos naturais. Contudo, indígenas contrários à estrada no TIPNIS afirmam que a recém-aprovada Lei 222 viola a essência e o conceito de “consulta prévia”. “Ela devia ter sido feita antes de obras e acordos e não agora, com os trechos 1 e 3 em plena construção”, disse Adolfo Chávez, presidente da Confederação de Povos Indígenas da Bolívia (CIDOB). No trecho 2, o único que penetra o TIPNIS, não foi aplicado este mecanismo de consulta.

A Lei180, que proíbe a construção da estrada, declara o TIPNIS como zona intangível. Para assembleístas partidários do governo, esta declaração significa não poder em tocar em nenhuma folha, de acordo com a presidente do Senado boliviano, Gabriela Montaño. “O governo quer estrangular economicamente os indígenas em seus próprios territórios”, afirma Gonzalo Colque, diretor da Fundação TIERRA. Veja, abaixo, o timeline da estrada (em espanhol).

Estrada ecológica
“O presidente poderia propor uma nova rota para o trecho 2”,  diz o ministro de Obras Públicas, Vladimir Sánchez. Evo Morales, de acordo com Sánchez, quer construir uma “estrada ecológica”. “Vamos realizar o estudo de impacto ambiental para evitar grandes danos”, afirmou. A Administração Boliviana de Estradas (ABC, por suas siglas em espanhol) afirma, no entanto, que não existe um comunicado oficial sobre esta nova rota alternativa proposta pelo governo para o trecho 2.

O Brasil estaria disposto a dar ajuda técnica para realizá-la, informou Marcel Biato, embaixador do Brasil na Bolívia. Ele disse que o financiamento está confirmado e que o Brasil esperará a definição da Bolívia sobre a estrada para que seja renegociado o acordo comercial entre a construtora OAS e a ABC.

Reunião de indígenas x campanha governamental
De 16 a 18 de março, para amenizar os conflitos sobre a estrada, enquanto 41 dirigentes locais se reuniam em Gundonovia, no meio do TIPNIS, para tomar decisões sobre os passos a seguir contra a estrada no parque, na comunidade Oromomo, também dentro do parque, Evo Morales entregava motores fora de borda, camisetas, prometia mais professores, construção de casas e a instalação de antenas para telecomunicações.

Para Adolfo Moye, ex-presidente da Subcentral do TIPNIS, em declarações ao jornal El Tiempo, é uma provocação do governo “entregar presentes ao lado de um encontro de líderes indígenas”. Como resultado da reunião em Gundonovia, foi decidido convocar toda a população boliviana à IX marcha indígena para exigir, em La Paz, a anulação da Lei de Consulta Prévia e o respeito aos direitos dos povos indígenas e à Constituição. A marcha começará no dia 25 de abril em Chaparina, mesmo lugar onde, no ano passado, 250 marchistas que iam a La Paz exigindo a não divisão do parque pela estrada foram atacados e massacrados pela policia.

Seis meses da violenta repressão em Chaparina
Chaparina, a 350 km de La Paz, é o lugar onde no dia 25 de setembro do ano passado indígenas que caminhavam para La Paz exigindo que a estrada Villa Tunari – San Ignacio de Moxos não passasse pelo coração do TIPNIS, foram violentamente reprimidos e massacrados.

Policiais reprimiram as pessoas com gás lacrimogêneo e espancaram crianças, mulheres, jovens e idosos. Depois disso, a marcha se reorganizou e continuou até La Paz. A intervenção policial provocou a renúncia de autoridades do governo e a suspensão de chefes policiais. Até hoje ninguém foi punido ou investigado.

 

  • Giovanny Vera

    Giovanny Vera é apaixonado pela área socioambiental. Especializado em geojornalismo e jornalismo de dados, relata sobre a Pan-Amazônia.

Leia também

Notícias
28 de março de 2024

Estados inseridos no bioma Cerrado estudam unificação de dados sobre desmatamento

Ação é uma das previstas na força-tarefa criada pelo Governo Federal para conter destruição crescente do bioma

Salada Verde
28 de março de 2024

Uma bolada para a conservação no Paraná

Os estimados R$ 1,5 bilhão poderiam ser aplicados em unidades de conservação da natureza ou corredores ecológicos

Salada Verde
28 de março de 2024

Parque no RJ novamente puxa recorde de turismo em UCs federais

Essas áreas protegidas receberam no ano passado 23,7 milhões de visitantes, sendo metade disso nos parques nacionais

Mais de ((o))eco

Deixe uma resposta

Esse site utiliza o Akismet para reduzir spam. Aprenda como seus dados de comentários são processados.