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Imazon finaliza levantamento sobre a indústria madeireira da Amazônia em 2004. Ela tem força econômica, mas ainda carrega muitos passivos legais e ambientais.

Manoel Francisco Brito ·
4 de novembro de 2005 · 18 anos atrás

Em fins de outubro, o Instituto do Homem e Meio Ambiente na Amazônia (Imazon), fechou sua última grande pesquisa sobre a indústria madeireira da região norte do país (gráfico). O levantamento foi feito ao longo de 2004 em visitas aos 82 pólos madeireiros que existem na Amazônia, onde funcionam 3.132 madeireiras que geraram, no período, uma renda bruta estimada em 2, 3 bilhões de dólares. Em cada um dos pólos, entrevistou-se representantes de pelo menos 20% das empresas nele localizadas, num total de 680 estabelecimentos. Alguns dos números do trabalho, como o tamanho do consumo de madeira pelo setor (24, 4 milhões de metros cúbicos de toras), o número de empregos que ele dá na região norte (cerca de 124 mil diretos e 156 mil indiretos) e o valor alcançado com exportações (943 milhões de dólares) já tinham sido revelados ao distinto público, inclusive numa reportagem publicada aqui em O Eco em março.

Mas o trabalho final, que leva o título de Fatos Florestais da Amazônia 2004 e breve estará disponível para download no site do Imazon, corrige alguns índices e ainda tem muita novidade. Como o tamanho da ilegalidade em relação à matéria-prima que alimenta o setor. Do consumo total de 24, 4 milhões de metros cúbicos de toras, 43% teve origem ilegal. É muita coisa, algo próximo a 10, 5 milhões de metros cúbicos de toras, que traduzidos para medida mais inteligível aos leigos, equivalem ao desaparecimento criminoso de 2 milhões 695 mil árvores. O número, péssimo para a floresta e para o desempenho dos órgãos de governo obrigados a vigiá-la, não incomoda nem um pouco os compradores de madeira da Amazônia no atacado – a turma que se encarrega de despejar a produção da região nos mercados consumidores do Brasil, onde fica 69% da madeira processada, e os da Ásia, Europa e Estados Unidos.

De acordo com os madeireiros entrevistados para a pesquisa, a esmagadora maioria dos atacadistas não está nem aí com a procedência do que compram (gráfico). O problema preocupa apenas 10% dos exportadores de madeira da região e 6% daqueles que a destinam para o consumo do mercado interno. O que eles levam mesmo em consideração na hora de decidir o que comprar é a qualidade do produto, preço e prazo de entrega. O trabalho do Imazon comprova a pujança econômica do setor madeireiro na Amazônia. Mas mostra que ela continua maculada por passivos legais e ambientais. Menos da metade do volume total de toras que chegam às serrarias, cerca de 38%, vêm de manejos florestais aprovados pelo Ibama e pelo menos em teoria menos danosos à floresta. Mas o resto, 62%, vem de atividades predatórias, das quais menos da metade são oriundas de desmatamentos autorizados.

Trabalho de terceiros

Em resumo, o setor madeireiro ainda vive de um subproduto de outras duas atividades econômicas importantes na região, o corte raso da floresta, muitas vezes ilegal, feito por grileiros, agricultores e pecuaristas (gráfico 3). Em grande parte, isso explica um outro número levantado pela pesquisa indicando que 60% da madeira processada pelas serrarias da Amazônia chegou até seus pátios através de terceiros, gente que entra no mato apenas para cortar as árvores. São chamados de toreiros, uma turma habituada a transportar toras em seus caminhões, geralmente caindo aos pedaços, quando é noite e a vigilância oficial menor. Eles esquentam a madeira obtida ilegalmente com documentos falsos e essa terceirização do corte, segundo Danielle Celentano e Denys Pereira, pesquisadores do Imazon que junto com Marco Lentini e Ritaumaria Pereira executaram todo o levantamento das atividades do setor madeireiro em 2004, é um dado preocupante. “Indica que os madeireiros não estão interessados em fazer manejo florestal”, diz Celentano. “Preferem formas mais rápidas e menos burocráticas para obter matéria–prima”.

Seja legal ou ilegal, as árvores que chegam às serrarias ainda são mal aproveitadas. Dos 24, 4 milhões de metros cúbicos utilizados pela indústria na região, saíram apenas 10,4 milhões de metros cúbicos de madeira processada, ou 42% do total. É um desempenho melhor do que o índice de 38% de aproveitamento registrado em 1998, quando o Imazon fez sua primeira grande pesquisa sobre o setor madeireiro na Amazônia (gráfico). Mas é um percentual ruim. Indica que nas serrarias, desperdiçou-se aproximadamente 3 milhões e 500 mil árvores. E todo esse resíduo serviu para alimentar a poluição. Quarenta e cinco por cento dele foi queimado, 24% transformado em carvão, 6% simplesmente jogado fora e o restante empregado para alimentar olarias e pequenas operações de geração de energia elétrica.

O trabalho do Imazon mostra também que na Amazônia, desmatamento e relevância do setor madeireiro caminham ombro a ombro. Os estados onde ele é mais violento – Pará, Mato Grosso e Rondônia – são os que nos últimos têm brigado pelas primeiras posições no ranking amazônico do desmatamento. Juntos, eles detêm mais de 90% da indústria madeireira da região, que espalha-se em 4 grandes fronteiras ao longo desses três estados (gráfico). Uma, a mais antiga, existe desde o século XVIII na área do estuário do rio Amazonas. A segunda estabeleceu-se há mais de três décadas nos municípios de Paragominas, Leste do Pará, e Sinop, no Norte do Mato Grosso. A terceira, que tem entre 30 e 10 anos, fincou pé em Marcelândia e Cláudia, ambas no Mato Grosso, e em Porto Velho e Buritis, em Rondônia.

A mais recente delas, que criou raízes nos últimos dez anos na área de Novo Progresso e Castelo dos Sonhos, Sudoeste do Pará, e em Colniza e Cotiguaçu, Noroeste do Mato Grosso, teve um crescimento espetacular entre 1998, ano da primeira pesquisa do Imazon, e 2004. O consumo de madeira nas serrarias das duas cidades paraenses subiu 240%. Nos dois municípios de Mato Grosso, o salto foi de 150%. Apesar desse estupendo crescimento localizado, nos dois estados, o consumo de toras em 2004 caiu em relação ao levantamento realizado em 1998 (gráfico). Aliás, o consumo caiu em todos os estados da região nesse intervalo de seis anos. Em 1998, o volume total de toras foi de 28, 2 milhões de metros cúbicos. Em 2004, ficou nos 24, 4 milhões de metros cúbicos, uma economia aproximada de 950 mil árvores.

Exceção acreana

Nesse quadro de queda, a exceção foi o Acre, estado da ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, e onde o governador petista Jorge Vianna tenta criar uma vitrine do tal desenvolvimento sustentável. As queimadas que atingiram o estado este ano, os números recentes do desmatamento em seu território – que colocam o Acre na frente de estados muito maiores como o Amazonas – e os dados da pesquisa do Imazon mostram que esse modelo econômico parece ser de vidro e está se despedaçando. Lá, a produção madeireira dobrou entre 1998 e 2004 e o índice de origem ilegal da matéria-prima chegou a 35%, um dos mais altos da região.

O trabalho feito pelos 4 pesquisadores do Imazon é fundamental para entender o que se passa com a indústria madeireira na Amazônia. Mas mesmo que não seja esse o seu assunto predileto, vale a pena pelo menos passar os olhos sobre as primeiras páginas do texto, onde os autores dão uma curta, porém grossa lição sobre a região. Lá estão todos os seus dados fundamentais, como tamanho, composição vegetal, topografia, uso do solo – e duas informações importantíssimas para se manter na cabeça sempre que a Amazônia virar objeto de discussão. A primeira é sua composição fundiária, dado importante numa área onde apenas 24% do solo está em mãos privadas. A outra é o quanto nós já desmatamos da floresta. Cerca de 14%, o equivalente a 4 estados de São Paulo (gráfico).

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