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Floresta Nacional

É um erro achar que as florestas nacionais são áreas para preservação ambiental. Elas servem ao uso ecônomico. Ao menos isso não precisava ser discutido.

7 de outubro de 2005 · 19 anos atrás
  • Paulo Bessa

    Professor Adjunto de Direito Ambiental da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (UNIRIO)

Uma das coisas boas de O Eco é que, aqui, vale a liberdade de expressão. Parece incrível, mas no Brasil democrático, nem sempre a liberdade de expressão tem sido observada e assegurada; sobretudo em matéria de meio ambiente. Um interessante debate que está sendo travado no site é aquele sobre Florestas Públicas. Primeiramente tivemos o artigo de Sulema Mendes de Budin e a resposta de Tasso Rezende de Azevedo. Ambos os textos apresentam questões relevantes e que merecem consideração.

Penso que a questão das Florestas Nacionais (Flonas) tem sido muito mal interpretada e, pouca gente, de fato, sabe o que é uma Floresta Nacional. Uma das bobagens da lei do Sistema Único de Unidades de Conservação (SNUC) é atribuir às Florestas Nacionais a condição de Unidade de Conservação. Floresta Nacional não é, nem nunca foi Unidade de Conservação, da mesma forma que as Áreas de Proteção Ambiental não são, nem nunca foram Unidades de Conservação. Floresta Nacional é, única e exclusivamente, um regime de propriedade. Em poucas palavras: é uma floresta que pertence à União.

O Código de 1934 contemplava as seguintes categorias florestais: (i) protetoras, (ii) remanescentes, (iii) modelo e (iv) de rendimento. Florestas de rendimento eram todas aquelas que não fossem classificadas como protetoras, remanescentes ou modelo. As florestas de rendimento estavam legalmente destinadas à exploração industrial intensiva, sujeitas apenas às restrições de exploração do próprio Código.

O Código de 1965, embora tenha extinto as diferentes categorias florestais, reconheceu à administração o poder – dever de instituir Florestas Públicas “com fins econômicos, técnicos ou sociais” que, na forma da lei, podiam ser instituídas em áreas não florestadas, desde que voltadas para o fim especificado na própria lei. Há, como se percebe, uma continuidade com o regimen florestal. Portanto, elas são um instrumento do estado para atuar na área econômica, com vista à produção dos chamados “produtos florestais”, conforme a classificação que foi dada em 1921 aos frutos das florestas quando apropriados economicamente. Na linguagem moderna, falaríamos em recursos florestais.

A Floresta Pública, dentre elas a nacional, está prevista no artigo 5º, b do Código Florestal e regulamentada pelo decreto nº 1.298, de 27 de outubro de 1994, que “aprova o regulamento das Florestas Nacionais e dá outras providências”. Efetivamente, determina o artigo 1º do mencionado decreto:

Art.1º As Florestas Nacionais Flonas são áreas de domínio público, providas de cobertura vegetal nativa ou plantada, estabelecidas com os seguintes objetivos:
I – promover o manejo dos recursos naturais, com ênfase na produção de madeira e outros produtos vegetais;
II – garantir a proteção dos recursos hídricos, das belezas cênicas, e dos sítios históricos e arqueológicos;
III – fomentar o desenvolvimento da pesquisa científica básica e aplicada, da educação ambiental e das atividades de recreação, lazer e turismo.
§ 1º Para efeito deste decreto consideram-se Flonas as áreas assim delimitadas pelo Governo Federal, submetidas à condição de inalienabilidade e indisponibilidade, em parte ou no todo, constituindo-se bens da União, administradas pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis – IBAMA, sob a supervisão do Ministério do Meio Ambiente e da Amazônia Legal.
§ 2º No cumprimento dos objetivos referidos no caput deste artigo, as Flonas serão administradas visando:
a) demonstrar a viabilidade do uso múltiplo e sustentável dos recursos florestais e desenvolver técnicas de produção correspondente;
b) recuperar áreas degradadas e combater a erosão e sedimentação;
c) preservar recursos genéticos in situ e a diversidade biológica;
d) assegurar o controle ambiental nas áreas contíguas.

A partir da Constituição Federal de 1988 os temas ambientais passaram a ter maior relevância no contexto jurídico constitucional, visto que mereceram um capítulo próprio constituído pelo artigo 225. Em tal artigo, a proteção de espaços territoriais foi expressamente prevista, conforme o inciso III do parágrafo 1º (1). Foi para dar concretude a tal preceito constitucional que o legislador ordinário entendeu por bem estabelecer uma norma única para disciplinar aquilo que foi por ele denominado como unidades de conservação.

A lei, inadvertidamente, tratou de diversas categorias que, somente com muito esforço, podem ser consideradas como unidades “com objetivos de conservação”, como é o caso das Flonas. Ainda que presentes as dificuldades acima apontadas, o fato é que o SNUC buscou dar um nível maior de articulação às diferentes formas jurídicas para a proteção dos recursos naturais, em especial à diversidade biológica. Fato é, no entanto, que o SNUC não deu às Flonas nenhum tratamento diferente daquele que já se encontrava presente em nosso ordenamento jurídico.

As Florestas Nacionais foram tratadas pela recente Lei nº 9.985, de 18 de julho de 2000, conforme o disposto no artigo 4º, III (2) como unidade de conservação de uso sustentável. A definição e as principais características das Florestas Nacionais foram definidas pelo artigo 17 da Lei do SNUC, in verbis:

“Art. 17 – A Floresta Nacional é uma área com cobertura florestal de espécies predominantemente nativas e tem como objetivo básico o uso múltiplo sustentável dos recursos florestais e a pesquisa científica, com ênfase em métodos para exploração sustentável de florestas nativas.”

Há que se ver, por fundamental, que o chamado uso múltiplo sustentável é um conceito aberto que deve ser preenchido casuisticamente. Um exemplo muito importante para que se possa compreender a amplitude do conceito de sustentabilidade no interior das Flonas nos é fornecido pelo caso específico da Flona de Carajás, na qual a mineração constitui um dos usos múltiplos sustentáveis.

Assim, não há que se falar em Flona como área destinada à proteção ambiental. Ao contrário. Flona é, por definição, destinada à utilização econômica e, neste ponto, o PL 4776 nada mais faz do que dar um novo tratamento a uma questão já velha em nosso direito: a utilização econômica dos bens públicos florestais. Não me parece que a crítica ao PL seja procedente quanto à utilização econômica das florestas. O que deve ser indagado é se os mecanismos de concessão da exploração são os mais eficientes e adequados para a finalidade econômica que se pretende dar às florestas.

O fundamental, no problema, é que a União regularize o cadastro de suas terras e as tenha muito bem demarcadas, combatendo a grilagem com rigor, pois a apropriação privada de terras do estado brasileiro é um dos maiores escândalos nacionais neste país sem escândalos.

1. Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações. § 1º – Para assegurar a efetividade desse direito, incumbe ao Poder Público:………………………III – definir, em todas as unidades da Federação, espaços territoriais e seus componentes a serem especialmente protegidos, sendo a alteração e a supressão permitidas somente através de lei, vedada qualquer utilização que comprometa a integridade dos atributos que justifiquem sua proteção;

2 – “Art. 14 – Constituem o Grupo das Unidades de Uso Sustentável as seguintes categorias de unidade de conservação:…III – Floresta Nacional;”

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