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“Não podemos repetir Copenhague”, diz brasileiro

Negociador-chefe reclama de tentativa de mudança nas regras de financiamento e aponta ressurgência de divisão entre ricos e pobres que botou a perder a cúpula de 2009

Claudio Angelo · Luciana Vicária ·
12 de novembro de 2017 · 6 anos atrás
O embaixador José Marcondes (centro) dá entrevista na conferência de Fiji. Foto: Cristina Amorim/Ipam.
O embaixador José Marcondes (centro) dá entrevista na conferência de Fiji. Foto: Cristina Amorim/Ipam.

Acabou o amor. Em sua primeira entrevista coletiva na COP23, o negociador-chefe do Brasil, José Antonio Marcondes, evocou a fracassada cúpula do clima de Copenhague, em 2009, para queixar-se de tentativas de alguns países desenvolvidos de mudar as regras de ajuda financeira climática às nações em desenvolvimento e sua recusa em prorrogar o Protocolo de Kyoto até 2020. Os dois movimentos, segundo o embaixador brasileiro, trazem para a conferência de Fiji-Bonn o risco de fracasso na implementação rápida do Acordo de Paris.

“Não podemos correr o risco de repetir Copenhague, onde o mundo fracassou em concordar sobre a ação climática”, disse Marcondes. “Levamos seis anos para refazer o que falhamos em fazer em Copenhague.”

A irritação diplomaticamente manifestada pelo brasileiro indica o fim do clima de entendimento que havia entre os países ricos e pobres em 2015, quando o Acordo de Paris foi firmado. Ele cede lugar em 2017 em Bonn à velha polarização Norte-Sul que empatou as negociações de clima por 20 anos e levou Copenhague ao naufrágio. “Não podemos destruir as pontes que construímos com tanto cuidado em Paris”, afirmou o brasileiro.

Quem abala a ponte, para variar, é o dinheiro.

O Brasil e outros países emergentes vêm denunciando uma suposta tentativa dos países desenvolvidos de criar uma diferenciação entre os pobres da Terra na hora de conceder financiamento no Fundo Verde do Clima. Segundo Marcondes, há um movimento dos países desenvolvidos de “criar gradações entre países ou de restringir a possibilidade de alguns países de renda média a alta” de acessar mecanismos como o Fundo Verde do Clima, principal instrumento financeiro a auxiliar o Acordo de Paris.

Na última reunião do Fundo Verde do Clima, em outubro, o Reino Unido vetou um projeto conjunto da Argentina e do Paraguai, alegando, entre outras coisas, tratar-se de países de renda média. Questionado pelo OC, o enviado especial do Reino Unido para Mudança Climática, Nick Bridge, disse que o problema era de qualidade dos projetos.

Para os emergentes, a restrição a financiá-los não faz sentido, já que são justamente esses países – China, Índia, Brasil, Turquia, Indonésia e México, entre outros – os que mais emitem gases de efeito estufa, e onde os financiamentos poderiam ter o maior impacto.

Sem acordo sobre dinheiro, toda a conversa sobre o livro de regras do Acordo de Paris, que deveria ser rascunhado em Bonn nesta semana e na próxima, fica prejudicada.

O embaixador brasileiro também reclamou do fato de os países desenvolvidos estarem querendo silenciosamente enterrar o Protocolo de Kyoto, o acordo morto-vivo do clima que estabelece obrigações apenas para os países desenvolvidos. O mundo concordou na COP18, em Doha, em 2012, a prorrogar Kyoto até 2020. A extensão do protocolo, embora tenha efeito muito reduzido sobre o clima, permitiria manter o Mecanismo de Desenvolvimento Limpo, pelo qual o Brasil capta recursos internacionais para projetos em energia, por exemplo. Até hoje os países ricos não ratificaram a extensão, catimbando até que Paris esteja implementado para deixar Kyoto morrer.

O Brasil justifica seu apego a Kyoto na forma de “ação acelerada”, dada a “urgência” da crise climática. “Nós favorecemos a ação acelerada antes de 2020, e estamos pedindo a todos os países que ratifiquem a emenda de Doha. Nesta COP estamos decepcionados com o fato de que nem todos os países têm estado em posição de fazê-lo, o que dá margem a todo tipo de questionamento.”

Saia Justa

Na conversa com os jornalistas, o embaixador perdeu a diplomacia ao responder a uma pergunta de uma jornalista da revista Malta Business Weekly. Ela pediu que Marcondes falasse sobre a proteção “do que resta da floresta amazônica”.

“A senhora provavelmente nunca esteve no Brasil, ou não recentemente”, atacou Marcondes, em inglês. Fora do microfone, a jornalista retrucou, em português: “Estive, sim”! O negociador brasileiro, então, prosseguiu: “A floresta está de pé, tem uma cobertura bem vasta e temos capacidade de conservá-la.” Marcondes comparou a queda do desmatamento em 2016 se comparado ao recorde de 2004 – embora o desmatamento tenha acelerado após 2012 e só voltado a desacelerar em 2016 – e reforçou o comprometimento do Brasil com a redução da derrubada da floresta.

Em seguida, foi questionado sobre a MP do Trilhão, o subsídio de centenas de bilhões de dólares ao setor de óleo e gás proposto pelo governo Temer. “Estamos monitorando isso com cuidado”, desconversou.

*Colaborou Cristina Amorim, do Ipam.

 

logo Republicado do Observatório do Clima através de parceria de conteúdo.

 

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Comentários 4

  1. Panetone diz:

    Esse realmente foi um fiasco


  2. Fabio diz:

    O Itamaraty acha que o Brasil, entre as 10 maiores economias do planeta (apesar da Dilma) vai ser classificado junto com Fiji ou Uganda para ganhar $$ fácil dos ricos? Com o governo federal apoiando o desmatamento, como na palhaçada do Jamanxim?
    Doce ilusão.
    O Brasil deveria deixar de pensar como terceiro mundo coitadinho e seguir a vanguarda em implantar uma economia do carbono. Isso implica em ficar longe das ideias de alguns de inventar uma Carbonobrás controlada por Brasília, criar mecanismos de cap & trade, abraçar os mercados de offsets e seguir o exemplo da Colômbia, que criou um imposto de carbono que pode ser abatido com créditos de carbono gerados por projetos REDD.
    Dá para pensar como se estivéssemos no século 21 ou está difícil?


  3. paulo diz:

    Blabalaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaa.