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Mamutes mortos salvam elefantes vivos

Parece ficção que os restos de animais extintos há milhares de anos possam vir a poupar do mesmo destino o primo que sobrevive.

Eduardo Pegurier ·
16 de fevereiro de 2016 · 8 anos atrás
Apelidado de mamute de Yukagir, encontrado em 2002 na Sibéria, esse fóssil mostra a cabeça de um mamute-lanoso em excepcional estado de conservação. Foto: Wikimedia Commons

Há estimativas de que 10 milhões de carcaças de mamutes-lanosos (Mammuthus primigenius) jazem no subsolo da Sibéria. E debaixo do permafrost – solo permanentemente congelado – da região, mantiveram suas presas de marfim prontas para serem exploradas e comercializadas. Para a sorte dos seus primos, os elefantes modernos.

Essa é a conclusão de dois economistas da universidade de Calgary, no Canadá. Naima Farah e John Boyce publicaram um estudo preliminar mostrando que a exportação russa de marfim dos mamutes-lanosos, espécie extinta há cerca de 4 mil anos, está reduzindo a caça ilegal de elefantes em cerca de 50 mil animais por ano e, junto, derrubando o preço do marfim em 100 dólares por quilo. Se de fato existirem milhões de carcaças de mamute com presas preservadas, elas seriam capazes de suprir o mercado de marfim por centenas de anos nos níveis atuais.

Entre 2010 e 2012, as vendas de marfim extraído dos mamutes mortos chegaram a 80 toneladas por ano, algo como 20% do total do mercado, que, de resto, é quase todo criminoso, pois o comércio de marfim foi banido pelo CITES em 1989 — embora existam exceções que representam pequenas quantidades, como o comércio de troféus de caça, peças de marfim particulares e marfim confiscado pelo governo. O CITES é o acordo internacional que busca evitar o comércio de animais sob risco de extinção.

A contribuição do marfim sob a tundra ártica pode aumentar a chance de os elefantes modernos não serem extintos como o foram seus primos peludos. Mas os números não são animadores. Entre 1930 e 1940, estima-se que a população de elefantes africanos era de 3 a 5 milhões de animais. No final da década de 70, o número era de 1,3 milhão de elefantes, que caiu para a metade, cerca de 600 mil em 1989, quando finalmente o comércio de marfim foi banido.

Pela quantidade de marfim ilegal apreendido por governos, os especialistas derivam outros números, como o cálculo de que as apreensões não passam de 11% do mercado total. Estima-se também que o abate ilegal de elefantes é da ordem de 35 mil animais por ano, algo em torno de 5% da população que resta.

Sem a venda do marfim extraído do primo extinto, o estudo calcula que seriam mortos 85 mil elefantes africanos, um número que provavelmente levaria a espécie ao colapso e a extinção.

No caso do mamute-lanoso, até 1950, acreditava-se que mudanças climáticas teriam sido a causa da sua extinção. De lá para cá essa hipótese foi paulatinamente desacreditada. Cobertos por um manto de pelos, dotados de uma grossa camada de gordura e presas enormes, de até 5 metros, esses animais sobreviveram a períodos de glaciação e períodos de temperatura amena. Hoje, é amplamente aceito que foram os seres humanos que os caçaram até o seu fim, assim como mastodontes, tigres-dente-de-sabre e versões gigantes de preguiças, castores e tatus. Boa parte da chamada megafauna que existia nas américas entre 10.000 e 13.000 anos atrás desapareceu num ritmo e padrão que coincide com a chegada e a expansão dos humanos na região.

A ironia do novo estudo é concluir que os restos de mamutes que extinguimos há milhares de anos talvez salvem o elefante, o qual nos encaminhamos para dar o mesmo fim.

 

 

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  • Eduardo Pegurier

    Mestre em Economia, é professor da PUC-Rio e conselheiro de ((o))eco. Faz fé que podemos ser prósperos, justos e proteger a biodiversidade.

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Comentários 3

  1. Renato diz:

    O que precisa é criminalizar severamente a comércio de marfim, se existem cerca de 10 milhões de carcaças enterradas no permafrost e entre 1930 e 1940 existiam de 3 a 5 milhões de elefantes africanod é pura questão matemática o fim dos mamutes sob a camada de gelo.


    1. Garrincha diz:

      "Faltou combinar com os russos" kkkkkkk


  2. F.Raeder diz:

    Interessante a utilização comercial desses marfins. Sendo tão abundantes, não tem necessidade (nem espaço) para todos irem para museus ou instituições de pesquisa. E ainda geram receita e interesse em paleontologia. Enquanto isso, no Brasil, a proibição total da comercialização de fósseis é só de fachada, são comuns as aparições de peças oriundas da Chapada do Araripe no mercado negro mundo afora. Ao invés de gerar receita, centenas de fosseis de Mesossaurus são vendidos por tonelada pelas pedreiras em Rio Claro-SP, se fossem vendidos como fósseis, teriam muito mais valor agregado. É claro que qualquer material de interesse científico seria destinado à pesquisa, mas essa seleção daria muito trabalho pro poder público! Pros governos brasileiros, é mais fácil proibir do que ordenar, e fingir que nada de errado acontece.