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Finalmente governo decreta criação do Refúgio de Vida Silvestre de Alcatrazes

Após quase três décadas de luta pela proteção da área usada como base de tiro da Marinha, unidade de conservação é criada no local. O Refúgio tem 67 mil hectares.

Daniele Bragança ·
3 de agosto de 2016 · 8 anos atrás
habemus área protegida: governo decreta criação da Revis de alcatrazes. Foto: Leandro Coelho/Flickr.
Habemus área protegida: governo decreta criação da Revis de alcatrazes. Foto: Leandro Coelho/Flickr

Após um longo processo, finalmente o arquipélago de Alcatrazes está protegido. O presidente interino Michel Temer assinou o decreto de criação de um Refúgio da Vida Silvestre no santuário marinho localizado no litoral norte de São Paulo, publicado na edição desta quarta-feira (03) no Diário Oficial. A unidade nasce com 67 mil hectares.

A unidade de conservação nasce sob os aplausos dos que lutaram pela preservação do local, que desaprovam apenas a categoria escolhida pelo Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio): um Refúgio de Vida Silvestre (Revis) ao invés de um Parque Nacional Marinho, como sempre foi pensado para a área.

A sociedade civil temia que a unidade não tivesse o uso público contemplado. Isso porque na categoria Parque a visitação é obrigatória e faz parte dos objetivos da unidade, enquanto no Refúgio ela é opcional.

O decreto publicado hoje deixa claro que a visitação será permitida, mas demorará um pouco mais: as regras serão definidas pelo Plano de Manejo da unidade, que será feito posteriormente pelo ICMBio, responsável pela administração das Unidades de Conservação federais. O Plano também definirá as regras para pesquisas científicas, atividades de mergulho e para a parada e fundeio [local onde a embarcação lança a âncora] de embarcações.

“Achei ótimo que saiu a Unidade de Conservação. Preferia Parque, que funciona melhor pra área marinha, mas é isso que temos e agora será importante definir urgente o Plano de Manejo com os detalhes do uso público da Unidade, que na minha opinião deve funcionar como se fosse um Parque”, afirma Julio Cardoso, representante do setor náutico no conselho da Estação Ecológica de Tupinambás, que participou da consulta pública realizada em 2011 para a criação do parque.

Ainda de acordo com o decreto, o desembarque para visitação pública nas ilhas, ilhotas e lages só será permitido em condições especiais, e as atividades de mergulho na área só poderão acontecer em locais definidos para este fim, após avaliação da situação de segurança e remoção de eventuais artefatos que possam oferecer risco à liberação da área.

Isso porque parte do Arquipélago de Alcatrazes foi usado durante muito tempo como local de treinamento de tiro da Marinha, que teme que artefatos que não explodiram possa colocar a segurança dos visitantes em risco. A Marinha continuará garantindo a segurança do local, e um novo perímetro foi escolhido para continuar sendo usado como área de exercício da Força Armada.

A nova unidade se sobrepõe à Estação Ecológica de Tupinambás, que é de uma categoria mais restritiva e só permite pesquisa científica. As ilhas e ilhotas que não fazem parte da Estação Ecológica agora pertencem ao Refúgio de Vida Silvestre do Arquipélago. A proximidade não é apenas física: as duas unidades serão administradas de maneira unificada e provavelmente dividirão a mesma sede e a mesma equipe.

José Truda, Vice-Presidente do Instituto Augusto Carneiro e um dos coordenadores da campanha da Rede Nacional Pró-UCs pela criação de mais Áreas Marinhas Protegidas, saudou a criação do Revis: “É um grande avanço para destravar a proteção do mar brasileiro, que estava abandonada no regime anterior, e valorizar os usos não-extrativos do mar em UCs de Proteção Integral, que podem e devem gerar emprego e renda com Ecoturismo e Mergulho, ao mesmo tempo em que impedem a continuidade da pesca predatória em nossos hotspots de biodiversidade marinha. É claro que preferíamos que fosse decretado um Parque Nacional Marinho, para enfatizar justamente esses usos, mas o Revis também veda a pesca e extração de recursos e permite todos os demais usos de forma sustentável, então a natureza sai ganhando.”

Localizado a 45 km de São Sebastião, no litoral norte de São Paulo, Alcatrazes é um santuário marinho. Foto: Leandro Coelho/Flickr.
Localizado a 45 km de São Sebastião, no litoral norte de São Paulo, Alcatrazes é um santuário marinho. Foto: Leandro Coelho/Flickr

Relembre a história da criação da unidade

Em 1990, o deputado Fábio Feldmann (PSDB/SP) apresentou um projeto de lei que transformava a ilha de Alcatrazes em Parque Nacional a partir da mobilização da Sociedade de Defesa do Litoral Brasileiro. O objetivo era tentar paralisar os treinamentos de tiros de canhão que a Marinha realizava no local desde 1982, o que ameaçava a preservação da ilha. O projeto de lei foi arquivado em 1997, mas a ideia de criar um Parque Marinho não foi para a gaveta. Em 2004, um incêndio em Alcatrazes após um disparo de canhão fez retornar o apelo da sociedade civil de que a ilha precisava ser protegida.

Muitos negociações foram feitas para chegar ao acordo alcançado em 2013, durante audiência pública realizada na Câmara dos Deputados para falar sobre a criação do parque. Na ocasião, a Marinha anunciou a paralisação do treinamento de tiro de canhão na ilha de Alcatrazes e apoiou a criação de uma área protegida no local.

O processo seguiu curso dentro do ICMBio, quando a proposta foi mudada de Parque Nacional (Parna), categoria aceita por todos, para Refúgio de Vida Silvestre (Revis). A mudança só foi divulgada durante o VIII Congresso Brasileiro de Unidades de Conservação (CBUC), evento realizado em Curitiba entre os dias 21 e 25 de setembro de 2015. A alteração foi atribuída ao então diretor de criação e manejo de Unidades de Conservação do ICMBio, Sérgio Brant, que concluiu a proposta. Mesmo após a saída de Brant, a proposta já estava feita e o ICMBio não quis reiniciar a discussão e ficar mais tempo sem criar a unidade de conservação.

“Criar uma unidade de Conservação não é um estalar de dedos. É sempre um processo, raramente curto, que vai amadurecendo. Alcatrazes tem mais de 16 anos de discussão dentro do ICMBio”, afirmou Rômulo Mello, presidente da autarquia, durante inauguração do novo centro de visitantes no Parque Nacional da Tijuca, realizado na semana passada (28). Segundo o presidente, a unidade é necessária e mudar a categoria após o fim do processo faria a proposta ficar mais tempo na gaveta.

 

 

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  • Daniele Bragança

    Repórter e editora do site ((o))eco, especializada na cobertura de legislação e política ambiental.

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Comentários 8

  1. GeoBioConfusão diz:

    O mapa de áreas protegidas do litoral norte/SP + sul/RJ é muito confuso…


  2. Sailor diz:

    UC tem que ser criada com seus limites baseados em estudos técnicos. Essa foi criado "pirateando" a Área Delta da Marinha…#esquisito


  3. Maria B. Velloso diz:

    "Quem é que já viu a Rainha do Mar? Quem é que já viu a Rainha do Mar? Iemanjá… Iemanjá…"


  4. Sailor diz:

    Bacana ter mais áreas protegidas no mar e tal…mas já viram a bagunça que são os limites de UCs nessa região? Juntando o novo Revis com a ESEC, mais a APA Cairuçu e ESEC Tamois, mais as APAs estaduais, mais as áreas da SUDEPE, mais a área da Marinha…vira um quebra cabeça, cada pecinha com suas próprias regras!!!


  5. Crisomar Lobato diz:

    Parabéns para a Equipe que trabalhou e persistiu na criação do REVIS Alcatrazes, sucesso mesmo depois de 26 anos. No Pará levamos 6 anos para finalmente criarmos 02 Refúgios de Vida Silvestre, Tabuleiro do Embaubal com 10.000 tartarugas da amazônia e Campos das Mangabas. Vamos em frente, com confiança e trabalho sério.


  6. Harry diz: