Análises

A nova batalha de Laguna

Palco de batalha da Revolução Farroupilha, agora os defensores de uma Laguna preservada lutam para protegê-la da especulação imobiliária.

Aldem Bourscheit ·
16 de janeiro de 2014 · 10 anos atrás

A cidade histórica de Laguna (SC), palco de atos heroicos de Anita e Giuseppe Garibaldi nos idos da Guerra dos Farrapos (1835 – 1845), assiste a novo e não menos emocionante embate: vereadores e empresários mobilizados pela “urbanização” de morros da Praia do Gravatá, reconhecida dentro e fora do Brasil como uma das mais belas do nosso litoral.

O movimento encabeçado por vereadores como José Luiz Siqueira (PT) e Vilson Elias Vieira (PSDB) ganhou corpo em emendas ao Projeto de Lei Complementar 003/2012 para alterar o plano diretor da cidade e, de lambuja, liberar parte do Gravatá para prédios, casas, loteamentos, carros, asfalto – aquela conhecida e desgastada fórmula de progresso.

À boca pequena, se ouve que empresas do ramo da olaria seriam as donas do pedaço e estariam movendo mundos e fundos para angariar votos na Câmara lagunense. Ora, como sabemos, parlamentares eleitos pelo público defendendo interesses privados não é fato incomum à realidade política brasileira.

A postura dos dirigentes municipais, é claro, não agradou a boa parte da população e a ambientalistas, que compareceram em peso às sessões legislativas onde o projeto e emendas poderiam ser aprovados. E foram, por maioria de votos.

Pressionado pelas manifestações e pelos ministérios públicos Federal e Estadual, o prefeito Everaldo dos Santos (PMDB) prometeu vetar o polêmico projeto e nota da Câmara de Vereadores afirma que o mesmo foi arquivado. “Usando de bom senso e para evitar conflitos entre o novo Código Florestal, a legislação ambiental federal e a legislação municipal, o Vereador Roberto Alves, presidente da Câmara, com a anuência dos demais vereadores determinou o arquivamento do referido projeto, permanecendo em vigor o texto atual da Lei Orgânica do Município de Laguna, que impede a aprovação de loteamentos nestes morros, inclusive na Praia e Morro do Gravatá, serenando os exaltados ânimos de alguns populares”, se lê neste link.

Todavia, a questão da possível ocupação daquele belo pedaço de Mata Atlântica segue merecendo olhos e ouvidos atentos. Afinal, a economia antropocêntrica ainda vê espaços livres da ocupação humana como inúteis, verdadeiro desperdício.

Joia rara

A Praia do Gravatá já figurou em concurso internacional como das 40 mais admiráveis do mundo e está entre os cada vez mais raros pontos do nosso litoral aonde só se chega a pé. Garantia de paz.

Com cerca de um quilômetro, a trilha de acesso começa em um extremo da chamada Ponta da Barra e percorre trechos sombreados de Mata Atlântica, campos e morros cobertos de butiá. O fruto amarelado e doce é muito apreciado em sucos e sorvetes. Considerada “deserta”, a praia é muito frequentada por surfistas, pescadores artesanais e campistas.

Por isso, o movimento de moradores de Laguna tenta garantir a conservação regional com o desenvolvimento do ecoturismo, com a criação do Parque Municipal da Praia do Gravatá e com a preservação do Aquífero da Praia Grande, que abastece famílias de pescadores do Farol de Santa Marta. Essas medidas chegaram a ser apresentadas pelo vereador Eduardo Nacif Carneiro (PP), ainda sem resultados, e seriam freios definitivos às iniciativas de urbanização descontrolada que ameaçam o local.

Ocupação do litoral

Apesar de soar como pontual e isolada, a questão da possível degradação da Praia do Gravatá remete diretamente ao futuro da ocupação, conservação e uso sustentável de nossos mais de 11 mil quilômetros de litoral e das zonas costeira e marinha.

Nos últimos dias de 2013, o deputado Sarney Filho (PV/MA) protocolou na Câmara dos Deputados o Projeto de Lei 6969, dedicado a instituir uma “Política Nacional para a Conservação e o Uso Sustentável do Bioma Marinho Brasileiro”. A proposta é fruto direto do trabalho de várias ONGs, pesquisadores e especialistas brasileiros e pretende ampliar iniciativas de conservação e de uso racional e colocar ordem no avanço de planos e projetos de infraestrutura sobre a nossa costa. Fundamental.

Por sua vez e também no ano passado, o Governo Federal encaminhou o Projeto de Lei 5.627 para tentar regulamentar a cobrança de taxas de ocupação dos chamados terrenos de Marinha. A proposta merece atenção redobrada em ano eleitoral, pois teria efeito direto de engrossar o caixa federal e pode levar à consolidação da ocupação humana em espaços que deveriam na verdade ser conservados, na Mata Atlântica, Pampa, Caatinga, Amazônia e zona costeira.

Em suma, terrenos de Marinha são faixas de terrenos da União situadas a 33 metros da linha média de marés altas e baixas, usando como referência os contornos de nosso litoral em 1831 (!!). Há outros 17 projetos de lei e duas propostas de emenda constitucional sobre o tema no Congresso Nacional.

Leia Também
Uma receita possível para uma casa nova
Uma passagem pela catarinense Laguna
Moradores ajudam pinguim em SC

 

 

 

  • Aldem Bourscheit

    Jornalista brasilo-luxemburguês cobrindo há mais de duas décadas temas como Conservação da Natureza, Crimes contra a Vida Sel...

Leia também

Salada Verde
25 de abril de 2024

Acnur anuncia fundo para refugiados climáticos 

Agência da ONU destinará recursos do Fundo para proteger grupos de refugiados do clima. Objetivo é arrecadar US$ 100 milhões de dólares até o final de 2025

Salada Verde
25 de abril de 2024

Deputados mineiros voltam atrás e maioria mantém veto de Zema à expansão de Fechos

Por 40 votos a 21, parlamentares mantém veto do governador, que defende interesses da mineração contra expansão da Estação Ecológica de Fechos, na região metropolitana de BH

Notícias
25 de abril de 2024

Do Brasil à Colômbia, conservação ambiental através da literatura

Feira do livro de Bogotá traz os biomas brasileiros em destaque, com uma curadoria literária voltada para o meio ambiente

Mais de ((o))eco

Deixe uma resposta

Esse site utiliza o Akismet para reduzir spam. Aprenda como seus dados de comentários são processados.