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O atraso nas ações para cumprir a ordem do CONAMA de redução do teor de enxofre no diesel pela Petrobrás, pela ANP e pela indústria automobilística está provocando fortes reações.

13 de setembro de 2007 · 17 anos atrás
  • Sérgio Abranches

    Mestre em Sociologia pela UnB e PhD em Ciência Política pela Universidade de Cornell

Em matéria publicada no Estado de São Paulo da última quarta-feira, 12 de setembro, Cristina Amorim conta que o secretário de Meio Ambiente de São Paulo, Xico Graziano reclamou duramente da postergação da redução do teor de enxofre no diesel brasileiro e afirmou que o governo de São Paulo vai exigir que a determinação do CONAMA seja obedecida. O secretário me disse que usará todos os meios à disposição do estado, para que a norma seja cumprida. O CONAMA estabeleceu, em 2002, que o diesel chamado metropolitano, passe a 50 ppm de enxofre até 2009. Hoje, são de 500 ppm e o diesel “estrada” chega a 2000 ppm. Xico Graziano se reuniu, no dia seguinte, com a ANP para discutir a regulamentação da resolução do CONAMA, que a ANP nunca publicou e as empresas automobilísticas dizem ser imprescindível para que tomem qualquer medida. Enquanto a ANP não regulamenta a resolução, a Petrobrás também não se sente obrigada a fazer os investimentos necessários.

Na quinta-feira, o Movimento Nossa São Paulo protestou contra a ANP, em ato público, por nunca ter regulado a resolução do CONAMA. A liderança do movimento diz que pretende ir fundo na luta pela redução do teor de enxofre no diesel brasileiro e articulou com o Ministério Público a interpelação judicial da agência reguladora, por omissão de responsabilidade. Dependendo da resposta da ANP, o MP poderá pedir à Justiça que determine à agência que cumpra sua obrigação. Fato semelhante ocorreu recentemente nos EUA, onde a Suprema Corte determinou ao presidente Bush e à Agência Federal de Proteção Ambiental (EPA) que adotassem regulação sobre as emissões de gases estufa.

A ministra Marina Silva estava no evento sobre desenvolvimento sustentável, no qual o secretário Xico Graziano, levantou a questão. Ela compartilha essas preocupações e tem se empenhado para que o Programa de Controle da Poluição do Ar por Veículos Automotores (Proconve) avance. Mas, como em muitas outras questões, acaba sendo uma voz isolada no governo federal. Daí a importância dessa reação estadual. Os secretários de Meio Ambiente de outros estados, com regiões metropolitanas gravemente afetadas pela má qualidade do ar, como Minas Gerais, Rio de Janeiro e Rio Grande do Sul deveriam unir suas vozes às de Marina Silva e Xico Graziano, pedindo o diesel mais limpo, de acordo com a deliberação do CONAMA.

As lideranças do movimento Nossa São Paulo atribuem as resistências da ANP às falhas do sistema regulatório brasileiro. A ANPP, sem autonomia, teria sido capturada pela Petrobrás e pelas montadoras, que não desejam promover essa limpeza do diesel no prazo determinado pelo CONAMA. Alegam que é caro demais. Na verdade, a ANP é, hoje, um braço do governo. Como há uma identidade política de interesses entre governo e Petrobrás, ela é parte dessa identidade.

Tenho acompanhado a crise regulatória brasileira, desde o início da criação das agências. O modelo adotado pelo Brasil é claramente falho. As agências não têm autonomia financeira e operacional, seus quadros são inferiores em quantidade e qualidade ao que deveriam ter e elas são vulneráveis demais à pressão dos regulados.

O caso recente da ANAC é apenas mais um exemplo. O ministro Jobim acha que ela não precisaria ter autonomia. Muito pelo contrário. Sem autonomia ela fica na mão das empresas aéreas. A idéia de que só se precisa de agências autônomas para regular estatais ou privatizadas é totalmente descabida. A ANAC não tem autonomia. Ela tem um presidente que não quer deixar o cargo antes que termine o seu mandato, em um governo que não quer instaurar processo administrativo contra ele por incompetência na gestão e demiti-lo por força de princípio constitucional. O artigo 37 da Constituição Federal diz que a “administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência”. É evidente que a diretoria da ANAC faltou a vários desses determinantes constitucionais. O governo só não demitiu porque não quis ter esse ônus e preferiu a via não institucional, sem transparência, da pressão para que renuncie. Funcionou com os outros diretores.

Autonomia regulatória não é ter diretores indemissíveis. É outra coisa. É um sistema institucional de regras que preservam as diretorias das pressões externas, lhes dão plena transparência e meios para executar a tarefa regulatória, além de garantir à sociedade que, quando se deixam capturar pelos regulados, se corrompem ou falham com seus deveres, são imediatamente destituídas e punidas. Não é isso que se tem no Brasil.

A ANP, sem autonomia e sem capacidade operacional efetiva, fica na mão do governo, da Petrobrás e dos interesses dos setores industriais ligados à economia do petróleo, entre eles o automobilístico. Os italianos têm uma expressão interessante para o fenômeno, que conhecem bem, de quando o ENI a estatal petrolífera controlava seus reguladores e até o partido Democrata Cristão: “controlato controlatore”.

O governo Lula piorou muito esse quadro ao politizar as agências, colocando nas suas direções apadrinhados políticos do PT e de partidos aliados, e subordinando-as ao governo, pela via do Gabinete Civil. Como fez o mesmo nas estatais, criou um liame político entre elas e as agências, que obviamente compromete a autonomia e a eficácia regulatória. Isso é verdade, também, para a ANEL, que regula o setor elétrico.

Aparentemente, a principal resistência à mudança seria o custo do investimento necessário para limpar o diesel e redesenhar os motores. É certamente um custo de investimento irrisório diante do custo social provocado pela sujeira do diesel. O ar poluído das regiões metropolitanas, para cuja poluição o diesel contribui de forma majoritária, adoece, prejudica e mata. Só na região metropolitana de São Paulo, segundo a Faculdade de Medicina da USP, como conta Cristina Amorim em sua matéria, morrem 8 pessoas por dia em São Paulo, em média. Por ano, o número médio de óbitos atribuídos à má qualidade do ar chega a 3 mil.

Em pesquisa que coordenei, executada pelo Vox Populi, em seis regiões metropolitanas do país, os resultados sobre o impacto da qualidade do ar na saúde da população chegam a ser alarmantes. O percentual de pessoas que disseram sofrer de bronquites e problemas semelhantes, diagnosticados como resultado da poluição do ar, foi de 64%, no Rio de Janeiro; 57%, em São Paulo e em Belo Horizonte; 53%, em Porto Alegre; 46%, em Recife; e 45%, em Curitiba. Pessoas dizendo ter irritação nos olhos, conjuntivites e similares: 50% em São Paulo; 49%, em Porto Alegre; 44%, em Curitiba; 39%, em Belo Horizonte; 33%, no Rio de Janeiro; e 26%, em Recife. Os índices de pessoas relatando doenças pulmonares são elevados: 63%, em São Paulo; 56%, em Porto Alegre; 55%, em Belo Horizonte e Recife; 46%, no Rio de Janeiro; 41%, em Curitiba. Em Porto Alegre, 77% das pessoas disseram ter precisado de assistência médica por causa de males causados pela má qualidade do ar; em Belo Horizonte e Curitiba, esse percentual foi de 70%; em São Paulo, 69%; em Recife, 67% e no Rio, 65%.

Esses casos que demandaram assistência médica resultaram em internações para 21% dos entrevistados em Belo Horizonte; 20%, em Recife; 19%, em Porto Alegre; 16%, em Curitiba e 13%, em São Paulo e no Rio de Janeiro. Pior, esses problemas provocaram a necessidade de controle médico permanente para uma boa parte dos entrevistados: 53%, em Porto Alegre; 46%, em Curitiba; 42%, no Rio de Janeiro; 37%, em Belo Horizonte; e 35%, em São Paulo e Recife.

Os custos para o sistema de saúde, portanto, sem falar nas mortes, nos custos econômicos e perdas de produtividade com as licenças para tratamento de saúde, não são desprezíveis. Está na hora de perguntar de que custo as empresas estão falando. Certamente o investimento necessário para limpar o diesel é muito menor que o custo social que ele causa. Se isso não justifica investimento de uma empresa estatal, nada justifica que continue estatal.

O secretário de Meio Ambiente de São Paulo está determinado a usar os recursos de poder do estado, para forçar o cumprimento da resolução do CONAMA, o que significa trabalhar para que a lei seja obedecida. O estado federado no Brasil, tem menos autonomia e poder do que no EUA – onde a Califórnia determinou teores de enxofre muito mais baixos para o diesel vendido em seu território, bem antes da EPA – menos, até, que os estados federados do Canadá e da Austrália. Mas tem algum poder. Ele tem poder de licenciamento, pode dificultar a venda de diesel fora do padrão CONAMA no estado. Porém, somente a ANP e o governo federal podem, de fato, fazer cumprir a norma estabelecida pelo CONAMA, que é uma autoridade federal, da União.

As dificuldades que a ANP têm enunciado para justificar a demora da resolução regulamentando a decisão do CONAMA, tais como dificuldades logísticas, custos para as empresas, eventual necessidade de importação de motores, todas têm soluções fáceis. Até 2009, há prazo suficiente para todas as adaptações necessárias. Isso para não falar do fato de que a decisão do CONAMA é de 2002, portanto foram 7 anos de prazo. Prá lá de suficiente.

Tudo que é preciso é que a ANP publique uma resolução com as especificações do “S-50”, o diesel limpo. Ela está prometendo fazê-lo logo, diante da pressão, e abrir consulta pública sobre elas.

O Brasil está vergonhosamente atrasado na limpeza do diesel. Nos Estados Unidos, a agência ambiental EPA estabeleceu o limite de 15 ppm, em 2006. No Canadá já está em vigor, também, esse limite de 15 ppm. Na Europa, a determinação é que fique em 10 ppm até 2009. Não existe justificativa econômica, tecnológica ou social para essa omissão de responsabilidade governamental e corporativa na melhoria da qualidade do diesel, responsável direto pela má qualidade do ar metropolitano no Brasil e por problemas de saúde pública que oneram desnecessariamente o orçamento da saúde no Brasil.

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