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A Recriação da Mata

Ao chegar a um milhão de árvores plantadas, numa região desmatada, seca e pedregosa, Sebastião e Lélia Salgado já pensam em contagiar toda a bacia do rio Doce. Pura subversão.

10 de agosto de 2007 · 17 anos atrás
  • Sérgio Abranches

    Mestre em Sociologia pela UnB e PhD em Ciência Política pela Universidade de Cornell

– É caro, quando se pensa que seriam necessários EU$ 80 milhões para plantar esses 50 milhões de árvores. Mas é barato quando se imagina que isso é apenas um terço do que custa um caça equipado usado nas guerras como a do Iraque, argumenta Sebastião Salgado.

– E a recomposição da mata pode ser eterna, o caça sai para uma operação, é derrubado e acaba, completa Lélia Salgado.

O projeto, iniciado em 2000, já está maduro. Por outro lado, nem começou ainda. Os dois fazem parte de uma minúscula tribo, em extinção no Brasil e rara mundo afora, de pessoas que pensam a longo prazo. Sabem que a mata, para se recompor, levará algumas décadas. Já falam em um projeto de 50 anos para a bacia do rio Doce, num mega-mutirão para plantar um milhão de árvores por ano. Estão no primeiro terço de um projeto fotográfico de 30 reportagens, que deve durar oito anos. Quem já viu as fotos que Sebastião fez em Galápagos, já tem uma boa idéia do que será o projeto Gênesis, quando ficar completo.

Mas nem tudo é só espera. Já é possível ver o impacto dessa subversão ecológica no microclima da Fazenda Bulcão, que foi do pai de Sebastião, e que ele e Lélia estão desconstruindo, palmo a palmo, para refazer a mata. A água, que estava desaparecendo, voltou. O córrego Bulcão, que nasce na propriedade e havia se transformado em um filete, engrossou novamente seu curso. Outra nascente, que havia secado, já está recuperada. Já é possível notar diferença de temperatura entre Aimorés e a fazenda, embora ela fique dentro da cidade.

Educando a Espécie

– Vocês precisam ver o efeito que esses dez estudantes vindos dos Estados Unidos têm na comunidade. E o efeito que a experiência tem sobre eles. Nós fomos ver a apresentação da última turma, ao voltar para o Novo México, para os colegas da universidade. Foi emocionante, eles eram totalmente diferentes dos que haviam ficado. Haviam trabalhado numa comunidade brasileira, trabalhado no campo e visto seu país de longe, conta Sebastião.

– A maneira da gente trabalhar é com a espécie da gente, né? Então, essa espécie tem que ser educada, diz Lélia.

O Instituto tem, também, cursos de curta duração e de reciclagem, para grupos específicos como professores de primeiro e segundo grau; para bombeiros, sobre técnicas de combate a incêndios florestais e queimadas, por exemplo; ou para a polícia ambiental, sobre identificação de espécies da fauna, para terem melhor noção do que estão apreendendo com caçadores e traficantes; entre outros. Trabalham com crianças das escolas, que transformam em monitores – os terrinhas – para tratar de temas ambientais com os colegas. É um projeto que vai além da reconstrução, é militante e tem uma projeção cultural totalmente intencional. Espelha tanto a fotografia de Sebastião Salgado, quanto a visão de Lélia Salgado.

– É uma questão filosófica. A gente tem que aprender a viver em harmonia com a natureza, buscar o ponto de equilíbrio. O ser humano não possui o planeta, é parte dele. É apenas uma de suas espécies e tem que aprender a respeitar as outras espécies e o meio ambiente, explica Lélia.

Tudo a ver

Essa visão sistêmica coincide com a nova etapa do projeto existencial e profissional dos dois – “somos uma equipe”, diz Sebastião – o “Gênesis”, 30 reportagens para serem feitas ao longo de oito anos.

– Provavelmente nosso último grande projeto, faltam ainda 4 anos e meio para completá-lo, e já estou com 64 anos. Não abandonaremos a fotografia, mas talvez não façamos mais grandes séries de reportagens como essa, explica.

Depois de fotografar por quase toda a carreira tragédias sociais e humanas, a experiência na fazenda Bulcão os levou a pensar numa série de reportagens sobre as partes do planeta ainda em estado puro, que o ser humano não conseguiu explorar.

O projeto é militante, além de fotos, livros e exposições, ele está gerando um programa educacional, testado em São Paulo e, agora, em implantação também em Astúrias, cujo governo tem dado muito apoio ao Instituto Terra. Vai ser traduzido para o italiano, para ser difundido em parte da Itália e, ao final, a UNESCO o distribuirá por todo o mundo.

– Todos os projetos de fotografia que a gente fez, eu e a Lélia, são trabalhos ligados à maneira da gente viver, à forma de vida da gente. Eu fiz muito trabalho de fotografia social, porque a gente tinha uma militância, social, política, conta Tião, como o chamam na sua terra. A militância ambiental no Instituto Terra desaguou no projeto Gênesis.

– Nós não acreditamos em manejo de florestas, diz Sebastião.

– É um absurdo, nós não precisamos de nenhum manejo. Não tem mais que tirar madeira da Amazônia, é preciso parar já, completa Lélia.

Ambos acham que é preciso parar o desmatamento, preservar o que ainda está intocado, e refazer o que pode ser refeito. “Ainda é possível salvar o que é salvável”, diz Sebastião. Para ele, o custo alternativo da restauração do que foi destruído na Amazônia, revela o valor inestimável do patrimônio que ainda pode ser preservado.

“Dá para refazer o planeta” diz, quase utópico. O projeto Gênesis tem o objetivo de mostrar o que não foi destruído, para que possa ser salvo:

– Vamos procurar o que ainda tem de maravilhoso no mundo, para mostrar o que precisa ser preservado, explica Lélia.

O projeto do Instituto Terra, tem por missão mostrar que é possível refazer, para que a idéia se alastre.

“A gente tá aprendendo. O que a gente faz é aprender a cada minuto. A cada minuto a gente descobre que não sabe nada e aprende novas coisas junto com outros. Se a gente puder transmitir isso tudo que a gente tá aprendendo, acho que a gente consegue ajudar. Nada é determinante no que a gente tá fazendo, mas faz parte de um corpo, de um caminho…” (Sebastião Salgado).

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