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Deixando para depois

Por melhor que seja, a nova política de mudanças climáticas do Amazonas ainda padece do mesmo defeito que muitas normas semelhantes em outros estados: falta de efetividade.

11 de maio de 2007 · 17 anos atrás

Muito se falou na semana passada sobre o novo Decreto nº 26.581, de 25.4.07, que definiu “critérios para o estabelecimento de política estadual voluntária de mudanças climáticas, conservação da floresta, eco-economia e de neutralização das emissões de gases causadores do efeito estufa” do Estado do Amazonas. A nova norma foi recebida com aplausos e a esperança de uma nova ordem de órgãos públicos mais conscientes e legitimamente preocupados com a questão ambiental.

A iniciativa, de fato, é louvável e merece todos os elogios. Primeiramente, ela se mostra profundamente comprometida com a educação ambiental, na minha opinião o mais importante fundamento para uma nação ecologicamente sã. Mas o que mais chama a atenção na iniciativa amazonense é que ela possui, entre todas as tentativas semelhantes já feitas no país, as maiores chances de mostrar resultados práticos no curto e no médio prazo.

O primeiro sinal disso é o art. 4º do decreto, que determina “a compensação das emissões de gases que causam efeito estufa nas seguintes atividades desenvolvidas pelo Governo do Estado e pela iniciativa privada no âmbito do território do Estado do Amazonas: I – nas viagens aéreas realizadas por aeronaves oficiais do Governo do Estado; e II – nos eventos e conferências realizados em locais públicos estaduais.

Soma-se a isso o parágrafo único desse mesmo dispositivo, que determina que “a implantação do sistema de registro e certificação e a edição das demais normas regulamentares com vistas à compensação determinada por este artigo ocorrerão no prazo de 90 (noventa) dias>”, e o que se tem é a esperança de que, em cerca de três meses, pelo menos uma parte (mínima que seja) das emissões do estado serão compensadas. É pouco? Sem dúvida. Mas para daqui a 90 dias, já é alguma coisa.

Nesse mesmo prazo, o decreto ainda determina que seja enviado à Assembléia Legislativa do estado um projeto de lei que viabilize boa parte das medidas nele previstas.

Outros exemplos

Mas o Amazonas não está sozinho nessa empreitada. Antes mesmo da edição do decreto nº 26.581/07, já se ouvira falar de projetos e movimentos feitos por outros estados brasileiros com o intuito de enfrentar a questão do aquecimento global.

O Rio de Janeiro, por exemplo, em uma iniciativa que a página da Secretaria de Estado do Ambiente na internet chama de inédita no país, criou a Superintendência do Clima e de Mercado de Carbono “com o objetivo de desenvolver estudos e pesquisas para subsidiar a formulação de uma Política Estadual de Mudanças Climáticas”.

Um dos grandes objetivos dessa política a ser criada seria “estruturar o Plano de Ação Estadual, que possibilitará a articulação e implementação de projetos, programas e ações que visam ao abatimento das emissões de gases de efeitos estufa, à adaptação do estado aos impactos provocados pelo aquecimento global e à disponibilidade e acesso às informações relacionadas a esse importante tema, crucial para a sobrevivência da humanidade”.

No Mato Grosso, o deputado estadual Humberto Bosaipo (PFL) apresentou um projeto de lei para instituir no Estado a Política Estadual sobre Mudança Global do Clima. A proposta já teria sido lida em Plenário e estaria na pauta para apreciação dos parlamentares.

Ao que tudo indica, a proposta vem cheia de boas intenções, como o estabelecimento do inventário estadual de emissões de forma sistematizada e periódica; o incentivo de medidas de estabilização da concentração de gases de efeito estufa na atmosfera; o estímulo ao uso de tecnologias mais limpas, com a substituição da matriz energética baseada em combustíveis fósseis por uma que empregue fontes renováveis de energia e com maior eficiência; a criação do Programa Estadual sobre Mudança Global do Clima, com a finalidade de implementar a Política Estadual; e a criação de uma linha de crédito específica para que agências de fomento, instituições de pesquisa e outras entidades possam investir em projetos de desenvolvimento científico e tecnológico relacionados às mudanças climáticas.

No Piauí, por sua vez, o governador Wellington Dias esteve em Nova Iorque no último dia 27 de abril para reunir-se com o diretor executivo da ONG CARE Brasil, Markus Brose, e o presidente da ONG CANTOR CO2, Steve Drummond. Dessa reunião nasceu, segundo a página do CARE na internet, um “protocolo de intenções para a elaboração e implementação da política estadual de mudanças climáticas do Piauí”.

O que une todas essas iniciativas? Além de serem todas nascidas no âmbito estadual e de objetivarem a criação de uma política estadual para a questão do aquecimento global, o que todas elas têm em comum é a absoluta falta de efeitos concretos num horizonte minimamente próximo.

No caso amazonense, fora os dois exemplos citados acima, para ser posto em movimento o decreto inteiro depende da edição de futuras normas e da criação de futuros órgãos, para os quais não há qualquer prazo previsto. Isso, desse jeito, como bem se sabe, pode demorar anos.

No caso carioca, nem é preciso explicar muito. O que foi criado até agora é uma superintendência, que vai desenvolver estudos e pesquisas para subsidiar a formulação de uma política, cujo objetivo é estruturar um plano estadual, que por sua vez possibilitará a articulação e a implementação de projetos cruciais para a sobrevivência da humanidade. Traduzindo: não se fez absolutamente nada.

No Mato Grosso, já há um projeto de lei a ser votado, que provavelmente (estou arriscando aqui, pois não tive acesso ao seu texto) ainda dependerá de muita regulamentação. Isso se e quando for aprovado.

Digo isso porque os parlamentares mato-grossenses não têm fama de serem lá muito preocupados com preservação ambiental. Basta ver que há menos de seis meses a casa decidiu aprovar um outro projeto de lei cujo objetivo era reduzir em quase 14% (27 mil hectares) a área do Parque Estadual Cristalino (uma das unidades de conservação mais conhecidas da Amazônia, com mais de 550 espécies de aves, dezenas delas endêmicas), no Norte do estado.

Por fim, o caso do Piauí, que nada fez senão assinar um “protocolo de intenções”, que eu entendo por “se der tempo, sobrar dinheiro e for interessante politicamente, talvez nós façamos um esforço nesse sentido algum dia”.

Deixando para amanhã

O processo legislativo brasileiro há muito que sofre com esse problema. Chama-se regulamentação posterior a maneira que os nossos políticos encontraram para dizer que fizeram alguma coisa sem de fato terem bulido com os interesses de ninguém. É quase como se todo mundo quisesse legislar constitucionalmente, em termos de princípios gerais, deixando para quem vem atrás a trabalheira de tornar aquilo tudo efetivo.

Por que promulgar uma lei que cria um fundo que dependerá de uma outra lei para ser estruturado? Por que criar uma norma dizendo que “o estado fará isso” e “o estado fará aquilo” e deixar para uma outra norma a tarefa de definir como e quando o estado fará isso e aquilo? Por que não tornar as medidas de prevenção e combate ás emissões de gases de efeito estufa efetivas desde já? De que serve a criação de “um plano para bolar um projeto que subsidiará uma política que servirá para definir regras” se não para ser usado como propaganda política nas próximas eleições?

É preciso que se tome muito cuidado, portanto, com toda nova norma editada por aqui, buscando saber se ela de fato possui algum efeito prático relevante. Senão corremos o risco de carregar nos braços como nosso salvador o primeiro espertalhão que criar uma lei com a seguinte redação:

“Art. 1º – O Brasil cuidará do meio ambiente como a coisa mais importante do mundo.

Art. 2º – Lei posterior definirá como isso será feito.

Art. 3º – Revogam-se todas as disposições em contrário.”

Assim é fácil.

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