Colunas

Pá de cal

A Suprema Corte americana, com decisões emblemáticas, está ajudando o Congresso dos Estados Unidos a enterrar a política ambiental de Bush antes mesmo do fim do seu mandato.

13 de abril de 2007 · 17 anos atrás

“Quem ri por último, ri melhor”. ”De virada é mais gostoso”. “Antes tarde do que nunca”. Não importa o chavão, todos se aplicam muito bem às decisões proferidas pela Suprema Corte dos EUA no início do mês, para reconhecer a competência da Environmental Protection Agency para regular as emissões de gases do efeito estufa. É o fim de duas batalhas judiciais nas quais a agência se negava a assumir a responsabilidade pela regulação dessas emissões sob os mais estapafúrdios argumentos.

No último dia 2 de abril, por 5 votos a 4, a Suprema Corte, revertendo decisão da Corte de Apelações, decidiu que a EPA não pode se eximir da sua competência para regular essas emissões e, muito embora a decisão não obrigue a agência a tomar atitudes nesse sentido, ela agora pode ser compelida judicialmente a fazê-lo, através de outras ações judiciais.

Uma reportagem do New York Times (curiosamente assinada por uma repórter chamada Linda Greenhouse), publicada no último dia 3, chama a decisão de “uma forte grande derrota para a Administração Bush, que afirmava não ter o direito de regular as emissões de dióxido de carbono e outros gases que aprisionam calor sob o Clean Air Act e que, mesmo que tivesse tal direito, não poderia impor normas sobre o assunto”.

Os efeitos dessa decisão ainda são incertos, mas tudo indica que serão muito abrangentes. Muito embora nesse caso específico se estivesse tratando de gases de origem veicular, segundo a matéria do New York Times é bem provável que ela mude o rumo dos esforços do governo americano para tratar da questão do aquecimento global.

Em seu voto vencedor, o juiz Stevens afirma que ao se negar a regular as emissões com base em justificativas furadas, a agência ambiental violava ordem direta do Clean Air Act e que uma recusa nesse sentido só poderia ocorrer baseada em argumentos razoáveis e científicos.

O voto também atropelou, corretamente, o Segundo argumento apresentado pela EPA para não regular as emissões veiculares sob o Clean Air Act: segundo a agência, a legislação não permitiria que ela controlasse esses gases porque tratava especificamente de “poluentes”, categoria que, segundo ela, não englobaria os gases de efeito estufa.

Segundo a decisão da maioria, os gases de efeito estufa cabem muito bem dentro da definição legal de poluentes adotada pelo Clean Air Act, chamando a atenção para o fato de que a própria EPA não nega a existência entre um nexo de causalidade entre as emissões veiculares e o aquecimento global.

Com isso, segundo a material do New York Times, Dave McCurdy, presidente da Alliance of Automobile Manufacturers, teria dito que a indústria estaria “ansiosa para trabalhar construtivamente junto ao governo e o Congresso para tratar da questão”. Soou como balela. E era. Uma semana depois, o próprio New York Times publicou uma reportagem noticiando que a indústria automotiva ajuizou uma ação judicial para barrar a entrada em vigor de uma norma anti-poluição da Califórnia que exige uma redução gradual de até 30% nas emissões de gases de efeito estufa por carros e caminhões produzidos a partir de 2009 até 2016.

Os argumentos da indústria, segundo a reportagem, são muitos. Os fabricantes de carros alegam que o controle das emissões vai “aumentar a poluição, aumentar problemas de tráfego, causar mais mortes em acidentes de trânsito e impedir que os fabricantes norte-americanos vendam seus modelos nas cidades que adotarem a norma”. Eles chegam a negar que o aquecimento global seja um problema, segundo a matéria, e teriam tentado, sem sucesso, impedir que o público tomasse conhecimento do caso.

Mas o argumento da indústria automotiva que mais chamou a atenção dos ambientalistas foi o de que carros mais eficientes em termos de consumo levariam as pessoas a dirigir mais e, consequentemente, se expor mais a acidentes. David Bookbinder, advogado do grupo ambientalista Sierra Club, afirmou que “todos estão rindo muito com essa alegação de segurança. Detroit (o berço da indústria automotiva dos EUA) está afirmando que é uma má idéia as pessoas dirigirem mais”.

Outro ponto importante dessa decisão é o precedente que ele abre com relação à legitimidade dos Estados para postularem judicialmente em questões ambientais.

Um dos principais argumentos processuais contra o prosseguimento dessa ação é que os grupos ambientalistas e os Estados não teriam legitimidade para demandar judicialmente o reconhecimento da competência da EPA para regular as emissões veiculares porque não teriam interesse processual no desfecho da demanda, um dos requisitos cada vez mais exigidos pelas cortes norte-americanas.

O voto vencedor prevaleceu, com o argumento de que bastava que um dos reclamantes tivesse legitimidade postulatória e que Massachusetts, um dos autores, teria conseguido provar que a elevação do nível dos mares por causa do aquecimento global lhe causaria prejuízos catastróficos, que poderiam ser reduzidos caso o governo regule as emissões dos gases de efeito estufa.

Em uma segunda decisão, dessa vez por 9 a 0, a Suprema Corte barrou uma antiga tentativa da Administração Bush de flexibilizar o Clean Air Act para que usinas e fábricas que realizem melhorias e modernizações em suas plantas deixassem de ser obrigadas a reduzir suas emissões de poluentes, o que significaria um gigantesco retrocesso em termos de política ambiental.

Duas decisões com tamanha importância política sendo proferidas em um intervalo tão curto de tempo, é coisa que não acontece por acaso. Isso tem toda cara de ser mais um efeito da vitória democrata nas últimas eleições para o congresso dos EUA, que tem se encarregado de enterrar, antes mesmo do início da campanha presidencial que vai expurgar a Administração Bush da Casa Branca, a política ambiental nefasta iniciada em 2001.

Leia também

Notícias
19 de abril de 2024

Em reabertura de conselho indigenista, Lula assina homologação de duas terras indígenas

Foram oficializadas as TIs Aldeia Velha (BA) e Cacique Fontoura (MT); representantes indígenas criticam falta de outras 4 terras prontas para homologação, e Lula prega cautela

Notícias
19 de abril de 2024

Levantamento revela que anta não está extinta na Caatinga

Espécie não era avistada no bioma havia pelo menos 30 anos. Descoberta vai subsidiar mudanças na avaliação do status de conservação do animal

Salada Verde
19 de abril de 2024

Lagoa Misteriosa vira RPPN em Mato Grosso do Sul

ICMBio oficializou a criação da Reserva Particular do Patrimônio Natural Lagoa Misteriosa, destino turístico em Jardim, Mato Grosso do Sul

Mais de ((o))eco

Deixe uma resposta

Esse site utiliza o Akismet para reduzir spam. Aprenda como seus dados de comentários são processados.