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O efeito IPCC

Os relatórios do IPCC sobre o futuro do clima deveriam se tornar diários. Após a sua divulgação, os Congressos do Brasil e dos EUA estão verdes como nunca. Ao menos em tese.

16 de fevereiro de 2007 · 17 anos atrás

Quem vê, e não sabe das coisas, até acredita que o mundo está tomando jeito e que a corrida rumo ao desenvolvimento sustentável acabou de ter sua largada. Em um brevíssimo intervalo de apenas dois dias, os Congressos de Brasil e Estados Unidos, na onda do último relatório divulgado pelo IPCC com as últimas notícias calamitosas que todo mundo já sabia, deram claríssimos sinais de que estariam, de fato, preocupados com a questão ambiental.

No último dia 14 de fevereiro, os jornais brasileiros anunciaram que a Ministra Marina Silva havia participado, na Câmara, do lançamento oficial da Frente Parlamentar Ambientalista, que recebeu o espantoso apoio de nada menos que 240 deputados, com o comprometimento de apoiar iniciativas governamentais e não-governamentais que tenham por finalidade “alcançar padrões sustentáveis de desenvolvimento”.

A Ministra, segundo a página do seu próprio Ministério, afirmou que com a criação da Frente o Congresso está cumprindo seu papel de representar a sociedade. “A Câmara precisa estar ao lado da sociedade nessa discussão. As pessoas querem ver cada vez mais agilidade nos processos ambientais e com certeza o parlamento será um grande aliado”, teria dito ela. “Os processos que estão acontecendo no mundo hoje não podem mais esperar anos para ser aprovados. E essa frente parlamentar com certeza vai agilizar os procedimentos, influenciar os debates e vai contribuir com as ações do Executivo e do conjunto da sociedade”.

Se a nova Frente vai, ou não, agilizar a aprovação dos “processos que estão acontecendo no mundo hoje” ainda é cedo para saber. É cedo até para saber que processos seriam esses que, no mundo todo, urgem pela aprovação do nosso Congresso. Mas não é preciso ir longe para que essa turma encontre o que fazer pelo meio ambiente. Aqui mesmo há tantos projetos de lei a serem feitos e votados; tantas medidas absolutamente indispensáveis a serem tomadas; tantas matérias de relevância ambiental a serem regulamentadas. Mas acho muito difícil que, de uma hora para a outra, a prioridade dentro do Congresso saia dos umbigos dos parlamentares e se transforme, finalmente, em algo de interesse público.

Ainda mais se considerarmos que entre esses 240 parlamentares estão membros “ilustres” da chamada bancada ruralista, definida pelo Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar (Diap) como “uma das mais eficientes do Congresso” e que, contando com 95 deputados e senadores deverá “priorizar, a partir de 2007, as pautas do setor empresarial rural”. Para o Diap, integra a bancada ruralista “aquele parlamentar que, mesmo não sendo proprietário rural ou da área de agronegócios, assume sem constrangimento a defesa dos pleitos da bancada, não apenas em plenários e nas comissões, mas em entrevistas à imprensa e nas manifestações de plenário”.

Acho difícil — mas talvez seja só eu — compatibilizar toda essa força e empenho em prol dos interesses rurais com os objetivos declarados pela Frente Ambientalista. Mesmo que esses indivíduos sejam uma minoria no novo grupo — que, de fato, conta com muita gente boa e com histórico de luta ambiental —, acho que essa súbita reviravolta ou é fogo de palha, ou uma espécie de flash back pós-campanha.

Seja lá o que for, parece ser contagioso. Curiosamente, apenas dois dias antes o Los Angeles Times publicou uma matéria sobre como, aparentemente de uma hora para a outra, o Congresso dos EUA havia mudado radicalmente seu posicionamento sobre o controle de emissões de poluentes baseado em leis mais restritas de consumo de combustível veicular. Segundo a chamada da matéria, os legisladores que antes se opuseram a medidas mais rigorosas de controle de emissões, agora estariam sendo pressionados a fazer alguma coisa para combater as mudanças climáticas.

O garoto-propaganda da reportagem é o Senador Ted Stevens que, durante décadas teria combatido ferozemente qualquer iniciativa ambientalista no Congresso e, agora, é visto defendo medidas que obriguem os carros dos EUA a consumir menos combustível. A justificativa apresentada pelo Senador chega a ser, com todo o respeito, patética: “eu estou tentando proteger o meu Estado [o Alaska], onde a mudança do clima é mais evidente do que em qualquer outro lugar”. “A menos que nós tratemos a questão como urgente e mostremos que estamos falando sério, nada acontecerá”, teria afirmado ele recentemente em uma entrevista sobre sua nova posição.

O Senador Stevens não está sozinho nesse “surto”. Ao que tudo indica, o debate sobre a questão do aquecimento global tem mudado de tom como um todo dentro do Congresso norte-americano. Mas o seu caso é muito emblemático – não é à toa que é a sua foto que ilustra a reportagem do Los Angeles Times. Não apenas porque a sua mudança de posicionamento foi repentina e radical, mas porque o seu afã de proteger o Alaska não o fez mudar de idéia, por exemplo, sobre a abertura do Artic National Wldlife Refuge – uma das maiores e mais importantes reservas de vida silvestre do mundo – para a exploração de petróleo, que ele apóia há muitos anos. Nem o fez incluir os SUVs – os mais poluentes dos veículos – em seu projeto de lei para reduzir as emissões. Daí as suspeitas que, segundo o jornal, existiriam sobre os seus verdadeiros motivos.

Eu, particularmente, ainda não sei se aplaudo ou rio, diante do que pode ser um bom sinal, mas que tem toda cara de demagogia oportunista, do tipo que se vê todas as vezes que aparece algum sinal mais forte de que a vaca está indo para o brejo – vejam-se, por exemplo, as medidas urgentíssimas aprovadas a toque de caixa diante do assassinato brutal de João Helio para modificar a lei penal, como se a criminalidade tivesse, de uma hora para outra, com esse fato isolado, tomado proporções calamitosas que não tinha até então. Por outro lado, este pode ser o momento oportuno para se tentar tirar proveito de um ou outro parlamentar que, desavisado, ache que essa Frente é séria. Tentativas nesse sentido seriam bem-vindas.

Mas no caso brasileiro, em especial, alguns políticos, com a cara de pau que lhes é peculiar, parecem ter adotado a velha máxima de que se você quer ter certeza absoluta que uma coisa não será feita, crie uma comissão especialmente para fazê-la.

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