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Do Proálcool ao Antiálcool

Não faz sentido diferenciar a alíquota do IPVA de carros a álcool e bicombustíveis. A medida, adotada pelo estado do Rio de Janeiro, é inconstitucional.

19 de janeiro de 2006 · 18 anos atrás

Há quem não se lembre, mas muitas coisas boas podem advir da utilização dos tributos para auferir vantagens que vão além do custeio da atividade estatal. Práticas indesejáveis podem ser coibidas, enquanto outras, benéficas para a sociedade, podem ser incentivadas. Basta aumentar ou diminuir a carga tributária a que se sujeitam.

Alíquota da discórdia

Com a divulgação da tabela de IPVA deste ano para o Estado do Rio vieram duas surpresas desagradáveis: a primeira é o aumento do imposto, apesar das condições abaixo da crítica de nossas ruas e estradas; a segunda diz respeito às alíquotas incidentes para cada tipo de veículo. Os donos de veículos movidos a gasolina pagarão o imposto com uma alíquota de 4% sobre o valor de seus carros. Para os donos de carros a álcool, essa alíquota cai para 2%. Os donos de carros que sejam adaptados para rodar com gás natural e gasolina, pagarão 1%. Até aí, tudo normal. A novidade — ou desgosto — vem para quem comprou um carro movido a álcool ou gasolina, conhecido como “flex” ou bicombustível. Estes pagarão os mesmos 4% de quem tem carro que aceita apenas o derivado de petróleo.

Por que isso? Não sei. Não parece fazer sentido algum. Afinal de contas, o álcool combustível — ou etanol, para usar o nome técnico — há anos é o xodó do Brasil. É o nosso combustível limpo; verde. É a nossa independência do Oriente Médio e dos combustíveis fósseis que hoje, acredita-se, chegarão a um fim melancólico num futuro próximo. Não há, portanto, motivo para não beneficiar quem adquira um veículo que possua, mesmo como alternativa, a possibilidade de rodar com ele. Por que não estabelecer a alíquota, digamos, em 3%, algo intermediário entre os carros só a gasolina e os movidos só a álcool?

Incentivar o uso do etanol com um alíquota menor — como é feito para os carros que rodam, exclusivamente, com esse combustível —, ao menos em termos ambientais, pode ser uma grande jogada. Há quem diga que o álcool é um combustível com ciclo de emissões igual a zero. Ou seja, o dióxido de carbono resultante de sua queima — o outro subproduto é vapor d’água —, apesar de ser um dos gases responsáveis pelo aquecimento global, é seqüestrado da atmosfera pela cana de açúcar em sua fase de crescimento. Ou seja, fica elas por elas. Além disso, ele não emite enxofre, um dos subprodutos resultantes da queima da gasolina e do diesel.

Há quem diga que o desmatamento promovido para o plantio da cana de açúcar e o desgaste que essa monocultura provoca no solo anulam esses benefícios. Mas são males que podem ser bastante minimizados se forem utilizados para o plantio da cana áreas já desmatadas e se fizer um rodízio bem feito dessas áreas que permita ao solo se recompor.

Nas coxas

A nova tabela de IPVA do Rio de Janeiro parece, mesmo, ter sido elaborada sem atenção. Tanto é verdade que o Ministério Público do Estado, acaba de ajuizar uma ação civil pública para questionar a forma como ela foi feita.

Segundo a petição inicial, os veículos “flex” não se enquadram perfeitamente em nenhuma das categorias anteriormente existentes — movidos a gasolina ou movidos a álcool — nas resoluções emitidas até este ano para corrigir o valor do tributo. Com isso em mãos, o Estado do Rio, ao editar a resolução deste ano — resolução SER 155/05 — incluiu, no artigo que trata da tributação dos veículos movidos a álcool o termo “exclusivamente”. Ou seja: se antes a alíquota de 2% era para os veículos movidos a etanol — o que incluiria os carros “flex” —, neste ano ela passou a ser apenas para os veículos movidos exclusivamente a base do combustível vegetal.

Isso cria um problema jurídico. Um dos princípios do direito tributário, denominado Reserva Legal — art. 150, I, da Constituição —, estabelece que a modificação das hipóteses de incidência tributária só pode se dar através de lei em sentido estrito. Resolução não é lei em sentido estrito. Ao determinar que a alíquota de 2% só incidiria para os veículos movidos exclusivamente a álcool, o que o Estado fez foi modificar a hipótese de incidência da alíquota maior — de 4% —, para incluir os veículos bicombustíveis que andem com álcool e gasolina. E fez isso através de resolução, violando o princípio da reserva legal.

O Promotor Rodrigo Terra, que assina a petição do MP, afirma, ainda, que a medida do Estado do Rio viola o princípio da isonomia do direito tributário, segundo o qual não se pode tributar de forma diferente, contribuintes que se encontrem na mesma situação. Se a utilização de dois combustíveis — no caso dos veículos movidos a gasolina e gás natural — é causa de redução da alíquota, não se justifica a aplicação do valor mais elevado para quem possui veículo movido a álcool e gasolina.

Ou seja, a resolução do Estado do Rio é inconstitucional por qualquer ângulo de que se olhe. Tão inconstitucional quanto as obras de emergência que vêm sendo feitas em nossas estradas para tentar tapar com a peneira o sol de anos de descaso e roubalheira.

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