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Vale muito mais do que está escrito

A Ciência conhece muito pouco sobre os oceanos e as unidades de conservação marítimas estão muito aquém do necessário para garantir a proteção das águas e dos estoques de fauna.

15 de maio de 2009 · 15 anos atrás

Na última semana, ministros e altos funcionários de cerca de 70 países reuniram-se na Indonésia para discutir a saúde ambiental dos oceanos. O encontro objetivou analisar o papel dos mares na mudança do clima e a situação dos recursos pesqueiros. As únicas unanimidades em torno dos oceanos são que os cientistas conhecem muito pouco de suas dinâmicas e que a percentagem de unidades de conservação marítimas está muito aquém do necessário para garantir a proteção das águas e dos estoques faunísticos marinhos.

Urge que cada um faça sua parte e nessa história tamanho não é documento. Tomemos o caso de Mônaco, segundo menor país do mundo. Encravado na Riviera francesa, esse principado independente desde 1419 tem apenas 1,95 km2, 4,4 quilômetros de fronteira terrestre e 4,1 km de litoral. Entre os membros da comunidade de nações só é maior que o Vaticano, que por sua vez não tem saída para o mar.

Pouco mais de 32 mil pessoas vivem em Mônaco, cuja área é 100% urbanizada, sem unidades de conservação terrestres ou um hectare sequer de terras cultivadas. Quem gosta de Fórmula 1 conhece Mônaco. A cidade, ou melhor, o país, pode ser visto inteiramente na televisão a partir do circuito que consagrou Airton Senna. No total são apenas 50 km de ruas asfaltadas; não passa disso. Assim sendo, falar da contribuição de Mônaco para a conservação da natureza poderia ser equivalente a conversar sobre o sexo dos anjos. Não é.

O país tem uma atuação que extrapola em muito seu peso específico na comunidade internacional. No melhor espírito da abordagem ecossistêmica, o Principado aprovou em setembro de 2008 uma doação de pouco mais de um milhão de euros para o Parque Transfronteiriço Mercantour/Alpi Matitimi. Os 2.450 km2 da unidade de conservação equivalem a 1.256 vezes o tamanho de Mônaco. A área protegida bi-nacional é o resultado da gestão conjunta, a partir de 2007, do Parque Nacional francês de Mercantour e do Parque Natural italiano dos Alpes Marítimos.

A doação monegasca objetiva promover o inventário completo da biodiversidade do Parque, assegurar técnicas adequadas de manejo e encorajar o aumento do turismo em bases sustentáveis. Mercantour/Alpi Matitimi está localizado a poucos quilômetros de Monte Carlo e os impactos ecológicos que afetam a UC têm desdobramentos no abastecimento de água e no microclima do Principado. Também vale lembrar que a economia do país está fortemente alicerçada no turismo e que o Parque Transfronteiriço é a melhor alternativa de passeios na natureza a todos os visitantes de Mônaco, fazendo, portanto, sentido o investimento na UC, ainda que ela esteja localizada em territórios estrangeiros.

A contribuição do país ao meio ambiente não para por aí. No que toca ao assunto da reunião que acaba de ocorrer na Indonésia, ou seja, os Oceanos, os monegascos também parecem fazer sua parte. Extrapolando em muito o tamanho de seu mar territorial, que vai até as 12 milhas marítimas, em novembro de 1999 o Principado assinou com Itália e França um tratado criando o primeiro santuário de baleias e golfinhos do Hemisfério Norte. A partir da sua entrada em vigor, em 2001, o Santuário tornou-se a maior área protegida do Mar Mediterrâneo, cobrindo cerca de 84.000 km2 ou cerca de 44.210 vezes o tamanho de Mônaco. Não é pouca coisa, sobretudo se considerarmos que 18 espécies diferentes de cetáceos frequentam as águas da Unidade de Conservação trinacional, o que significa cerca de 45.000 golfinhos e 2.000 baleias nos meses de verão- mais do que em todo o resto do Mediterrâneo junto.

Por fim, vale salientar o esforço de conservação levado a cabo nas águas rasas do diminuto país. Na praia de Larvotto, uma das melhores da Riviera, tem início o polígono de 50 hectares que formam o Parque Submarino de Mônaco. Ali são feitas pesquisas, mutirões de limpeza com a população local e atividades de educação ambiental com alunos das escolas primárias e secundárias.

Fincadas nas areias de Larvotto meia dúzia de placas não deixam margem a dúvidas: “Parque Submarino de Mônaco: Proibido pescar e coletar espécies marinhas e vedado o uso de embarcações motorizadas”.

Mônaco vive de turismo. Todos os anos, cerca de 300 mil estrangeiros passam cada um, em média, três noites nos hotéis do país. Um número muitas vezes maior de turistas visitam o território- e frequentam suas praias- sem dormir ali, pois acabam se hospedando em alguma pousada mais barata em Cannes, Nice ou Saint Tropez. Nesse sentido a mensagem das placas acaba por ter tanto ou mais efeito do que a própria proteção que elas anunciam. Para essa multidão de estrangeiros, ver por meio de uma placa que mesmo o mais urbanizado dos países do mundo é capaz de conservar a natureza, não deixa de ser uma mensagem inspiradora e educativa.

Oxalá, em seus futuros e frequentes encontros, os tomadores de decisão reunidos na Indonésia se inspirem nela.

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