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A Paes voltará às matas cariocas?

Corredores e mosaicos podem minimizar problemas de fragentação e escassez de recursos em áreas protegidas. Iniciativas para o Rio de Janeiro não precisam reinventar a roda.

3 de fevereiro de 2009 · 15 anos atrás

Em 1992, 2.500 ambientalistas reunidos em Caracas, no 4º Congresso Mundial de Parques, assinaram o “plano de ação” que objetivava resguardar um meio ambiente saudável em meio ao progresso poluente e ao desmatamento desenfreado. Entre todos os objetivos alinhados no documento, um saltava aos olhos pela dimensão da proposta: garantir a proteção de pelo menos 10% da superfície terrestre. Àquela altura, nem metade do planeta encontrava-se inserido em parques ou reservas. Ainda assim, em pouco mais de 15 anos, o objetivo foi atingido. Hoje cerca de 11,5% da natureza mundial encontra-se sob a proteção de algum instrumento legal. Um feito e tanto. Digno de champanhe e aplausos.

O problema é que, desde então, novas pesquisas levaram cientistas de todo o mundo a concluir que o esforço de criar cada vez mais parques e reservas pode não ser suficiente para assegurar a preservação da biodiversidade. À medida em que o entorno dos parques se desenvolve  e vai sendo desmatado, eles acabam se tornando meros fragmentos verdes para muitas espécies.

Com isso, como se vivessem em ilhas de verdade, os indivíduos dessas espécies, marcadamente os mamíferos, ficam isolados do contacto com outros indivíduos de sua própria espécie. Os padrões de movimentação dos animais passam a se restringir à área da unidade de conservação e a procriação é feita apenas entre os espécimes existentes dentro daqueles limites. Quanto menor a reserva e maior o espaço territorial necessário para cada indivíduo de uma determinada espécie, maior é a taxa de cosangüinidade entre os indivíduos. Tal processo, quando repetido por algumas gerações, provoca enfraquecimento genético e pode ser um fator decisivo para uma extinção.

Esse ciclo danoso, que alguns estudiosos chamam de efeito de fragmentação, tem sido combatido recentemente com o estabelecimento de corredores ecológicos e mosaicos. Tenta-se amalgamar ou, pelo menos, ligar várias unidades de conservação de modo a aumentar a área protegida contígua e, portanto, reduzir o confinamento de determinadas espécies.

No Brasil, alguns corredores estão sendo implantados. Há um na Mata Atlântica, outro na Amazônia e mais um no Cerrado. Por outro lado, em julho de 2000, a Lei do Sistema Nacional de Unidades de Conservação (SNUC) consagrou o princípio da gestão integrada de unidades de conservação (Ucs) próximas ou contíguas em forma de mosaicos. Dois anos mais tarde, o Decreto 4.340, de 22 de Agosto de 2002, regulamentou a gestão dos mosaicos.

Em alguns lugares do país, a gestão em mosaico seria óbvia. Economizaria recursos, ao permitir o uso de pessoal e equipamentos de uma unidade na vizinha; pois enseja o planejamento por ecossistema (e não por unidade de administrativa) e dá escala ao aglutinar várias pequenas unidades em uma grande área. Por fim, facilitaria procedimentos de licitação e de aquisição de material e serviços de uso comum, como equipamentos de combate a incêndio florestal, tratores, mudas e turmas de trabalhadores para atividades de reflorestamento, horas de vôo de helicóptero para fins de fiscalização etc.

Este certamente é o caso do município do Rio de Janeiro, onde dois parques razoavelmente grandes para uma cidade (Tijuca com 4 mil hectares e Pedra Branca com 12.500 hectares) convivem com dezenas de UCs liliputianas, cujo planejamento e gestão é feito à revelia uns dos outros.

Nos anos de 1999 e 2000, o Parque Nacional da Floresta da Tijuca chegou a ser gerido em mosaico com as Matas do Parque Lage, do Museu do Açude e do Parque da Cidade. Na ocasião, foi assinado um Convênio de Gestão Compartilhada da Tijuca entre a Prefeitura e o Governo Federal. Tal acordo, como já contado aqui em O Eco, proporcionou um impressionante ganho de escala, para não só para a floresta como para os ecossistemas municipais como um todo.

Na ocasião, foram estudados modelos de gestão por mosaicos em outras partes do globo, como os em vigor em Brisbane, na Austrália, e na Cidade do Cabo. Ainda em 2000, um seminário sobre o tema resultou em um abaixo assinado solicitando que a gestão da Pedra Branca e da Tijuca fosse feita de forma integrada. Apesar do documento ter sido encabeçado pelos autógrafos das principais autoridades ambientais do estado e do município, bem como pelo superintendente do Ibama no Rio de Janeiro, e ter gerado documentos de apoio da área técnica da Fundação Centro de Informações e Dados da Cidade do Rio de Janeiro (Cide) e de pesquisadores da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), a ideia jamais saiu do papel.

Foi dinamitada na origem. Uma certa autoridade do Instituto Estadual de Florestas (IEF/RJ) declarou que a assinatura do documento fora um erro e, rechaçando parecer em contrário da UFRJ, afirmou que “não havia conectividade possível entre os dois parques”. Para ele, o projeto era uma “manobra imperialista da Tijuca sobre a Pedra Branca”. Mas não ficou por aí. Em 2002, a então diretora do Parque Nacional da Tijuca visitou a África do Sul. Na ocasião, voluntariei-me para apresentá-la aos diretores do Parque Nacional da Montanha da Mesa e até mesmo para organizar uma visita à Cidade do Cabo. Como resposta, ouvi que ela “não acreditava que o Rio tinha alguma coisa a aprender com o sul-africanos”. Pena, perdemos dez anos.

Agora, no entanto, sinais animadores têm vindo do município, estado e União. Vozes como as de Carlos Alberto Muniz (Secretário de Meio Ambiente do Município do Rio de Janeiro), André Ilha (ex-presidente do recém desbaratado IEF/RJ), Ricardo Calmon (Gerente do Parque Nacional da Tijuca) e João Alfredo Viegas (presidente da Sociedade de Amigos do Parque Nacional da Tijuca) têm, discretamente, dado a entender que o ministro Carlos Minc, o governador Sérgio Cabral e o prefeito Eduardo Paes estão costurando um acordo substantivo que garantirá a gestão em mosaico das matas cariocas.

Se for verdade, trata-se de excelente notícia. Fica, entretanto, um apelo: “não reinventem a roda”. Cidade do Cabo e Brisbane estão nessa trilha há mais de quinze anos. Já incorreram em muitos erros e acertos que podem ser evitados no Rio de Janeiro com uma ou duas visitas a seus mosaicos de parques urbanos e trocas de impressões com os gestores públicos sul-africanos e australianos. Beber da experiência alheia pode nos fazer ganhar tempo e energia e nos ajudar a começar uma nova forma de gestão de um patamar mais elevado.

De resto, tendo em vista os nomes envolvidos no projeto, tenho certeza que, depois de muitos anos, podemos ser otimistas. Ao que parece, finalmente, o movimento ambientalista carioca percebeu que temos muito mais a ganhar se construirmos nossa agenda sobre os 90% dos temas em que concordamos e não sobre os 10% em que temos opiniões divergentes ou contrárias. De pé, aqui na coxia, bato palmas para este mosaico e seus arquitetos.

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