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Uma imagem vale mais que mil palavras

Devo muito do que aprendi sobre manejo de unidades de conservação às visitas que fiz a parques americanos. Uma viagem que teve o valor de centenas de horas em sala de aula.

27 de maio de 2008 · 16 anos atrás

Recentemente fui designado para acompanhar uma turma de 50 tenentes-coronéis da Polícia Militar de Pernambuco à sede da Guarda Nacional Republicana, sua homóloga em Portugal. Não se tratava de turismo ou de mera visita de cortesia. Os oficiais nordestinos eram alunos do Curso Superior de Polícia e estavam em uma viagem de estudos. “Mordomia!”, gritarão logo os mais exaltados. Discordo. Testemunhei o interesse da turma em assuntos que realmente podem ajudar o Brasil, como a separação entre as polícias militar e civil, a permissão às polícias portuguesa e espanhola para cruzarem as fronteiras mútuas em perseguição a criminosos, os armamentos e outros assuntos técnicos. Muitas vezes, o contato com algo novo, como a instituição dos Bombeiros Voluntários em Portugal, motivou perguntas e explicações que podem ajudar a resolver problemas no Brasil. Pelo que vi, a viagem dos coronéis, que também incluiu paradas na Colômbia e na Espanha, foi muito proveitosa para a atividade policial no em nosso país.

Devo muito do que aprendi em termos de manejo a uma viagem desse gênero que realizei quando era diretor-executivo do Parque Nacional da Floresta da Tijuca. Naquela época fui convidado por Paul Kozelka, diplomata americano lotado no Consulado-Geral de seu país no Rio de Janeiro, para passar um mês visitando Parques Nacionais dos Estados Unidos. A viagem era totalmente custeada pelo Departamento de Estado norte-americano, mas eu podia escolher os locais a serem visitados. Com a ajuda diligente de Paul, pesquisei quais os lugares onde poderia aprender mais. Evitamos a tentação de fazer escalas em Denalli, Yellowstone, Yosemite e no Grand Canyon. Foi duro abrir mão de conhecer essas jóias da conservação mundial, mas demos (Paul e eu) preferência a lugares que tivessem desafios semelhantes aos da Tijuca. No final, o roteiro incluiu a sede do Serviço de Parques Nacionais Americanos, em Washington, o Parque Nacional de Golden Gate, em São Francisco na Califórnia, a sede da Appalachian National Trail, a Floresta Nacional El Yunque, em Porto Rico e o Parque Nacional das Ilhas Virgens, no Caribe.

Em cada um dos lugares que visitei, aprendi coisas que depois foram usadas na Tijuca. Em Washington, vi, perguntei e provoquei funcionários do Serviço de Parques e do Serviço Florestal para saber como é que conseguiam trabalhar juntos em projetos comuns ou de gestão compartilhada, evitando disputas entre os órgãos e pequenas ciumeiras institucionais. O que consegui absorver foi aplicado na Gestão Compartilhada da Floresta da Tijuca, com a criação de equipes mistas, estrutura hierárquica unificada, uniforme e logotipo comuns.

Em Golden Gate testemunhei como uma Unidade de Conservação localizada em um hotspot tão ou mais ameaçado que a Mata Atlântica, pode conviver lado a lado com uma metrópole. Visitei escolas, fui apresentado ao seu programa de educação ambiental, conversei com professores, alunos e voluntários. De volta ao Rio de Janeiro, pedi às professoras do Município que estavam cedidas ao PNT para desenvolver um programa com as escolas do entorno que ligasse as matérias dadas em sala de aula a visitas guiadas à Floresta. Assim, por exemplo, nasceu a idéia de que os alunos da 7ª série leriam Sonhos D´Ouro de José de Alencar e, em seguida, conheceriam as áreas mencionadas no livro, debatendo a relação literatura/tempo/espaço que tinham vivenciado.

Na sede da Trilha dos Apalaches, fui apresentado ao conceito de que uma trilha de longo curso pode servir para unir diversas Unidades de Conservação, criando entre elas um corredor ecológico, viável do ponto de vista da movimentação de espécies e com forte apoio político advindo dos excursionistas que a utilizam. Esse conceito foi adaptado para implantar as trilhas circulares Major Archer e Castro Maya na Floresta da Tijuca e para propor a criação de uma trilha Transcarioca ligando as principais áreas protegidas do Município do Rio de Janeiro.

Em Porto Rico, peguei na enxada várias vezes e pratiquei o manejo de trilhas em áreas íngremes e úmidas. El Yunque é a maior floresta do hotspot do Caribe. Portanto, evitar que o turismo e o excursionismo criem impactos irreversíveis à natureza é uma questão de honra. Ali vi como se faz drenagem, qual a melhor forma de se construir degraus e como se pode utilizar a sinalização direcional para induzir o uso de caminhos mais longos e menos erosíveis, evitando a criação de atalhos, além de diversas outras técnicas que depois, ao custo de muito suor e muita enxada, repassei aos funcionários da Floresta da Tijuca, onde adaptamos o aprendizado à nossa realidade.

Nas Ilhas Virgens, também dentro do hotspot caribenho, estudei os métodos de manejo de um Parque que engloba áreas terrestres e marinhas. Sonhava em unificar os Parques da cidade do Rio em uma só Área Protegida que incluiria as Ilhas Cagarras e águas adjacentes. Fui exonerado antes de poder expor esse projeto. É pena, no momento em que estava mais educado nas técnicas de manejo e pronto a botar a mão mais profundamente na massa, fui substituído por alguém completamente virgem nos assuntos da Conservação. Triste, mas nada de excepcional, afinal como o Comandante Ruy, meu velho pai, dizia: “Na Marinha brasileira, recomendo a todos aqueles que sofram de claustrofobia fazer um curso de submarinista. Assim estará assegurado que jamais serão designados para servir na Força de Submarinos”.

Ficou, no entanto, a certeza de que a iniciativa é válida e que uma viagem bem planejada, como a dos policiais pernambucanos e a que eu mesmo realizei, tem o valor de centenas de horas em sala de aula. No que toca à Polícia, espero que esses tenentes-coronéis ainda fiquem muitos anos na ativa e devolvam à sociedade o que foi gasto com seu deslocamento, construindo uma política de segurança pública mais humana e eficiente. Já, no que diz respeito à Conservação Ambiental desejo de todo o coração que mais diplomatas da qualidade de um Paul Kozelka cruzem o caminho dos Chefes de Parque a serem designados pelo Instituto Chico Mendes.

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