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Parques e democracia: uma equação possível?

A importância das unidades de conservação ainda está longe de ser conhecida nos grandes centros urbanos. O problema é que é lá que o futuro delas é decidido.

28 de outubro de 2004 · 19 anos atrás

“Desafetação Virou Moda” escreveu Maria Teresa Jorge de Pádua em excelente artigo aqui em o OECO. Em seu texto, Maria Teresa denuncia a manobra legal para reduzir o tamanho do Parque Estadual de Jacupiranga e da Estação Ecológica da Juréia-Itatins, ambos em terras paulistas. Problema parecido está sendo verificado no Rio Grande do Sul, cujo governo resolveu rebaixar o estatuto de proteção do Parque Estadual do Delta do Jacuí, transformando-o em APA. Já, em Santa Catarina, ação na justiça tenta reverter a criação do Parque Nacional de Itajaí. No caso paulista, a iniciativa partiu do Deputado Hamilton Pereira, que redigiu o projeto de lei em seu confortável gabinete na Assembléia Legislativa de São Paulo. Se a iniciativa de Pereira for aprovada, só restará uma esperança: o veto do Governador Geraldo Alkimim, que também despacha na urbaníssima cidade de São Paulo, onde está localizado o Palácio de Governo. Já os casos gaúcho e catarinense estão sendo argüidos na Justiça. Primeiro no Tribunal Regional de Porto Alegre e eventualmente podendo chegar ao Supremo Tribunal Federal em Brasília.

Foram-se os tempos do regime autoritário das ditaduras brasileiras em que as Unidades de Conservação eram criadas por decreto emanado do Poder Executivo, que contavam com a concordância servil do Legislativo e a falta de independência do Judiciário. Naquela época, avaliava-se a necessidade da criação de uma UC pelos prismas da conveniência e relevância ambientais. Pesquisado o nicho ecológico a ser protegido, montava-se um processo administrativo respaldado em pressupostos técnicos, instruía-se a burocracia, tramitava-se a papelada e, ao fim e ao cabo, publicava-se o decreto criando o Parque ou Reserva. Alguns vinham sem previsão de recursos financeiros para sua regularização fundiária, outros traziam em seu bojo centenas de moradores, a maioria carece até hoje de demarcação e pessoal administrativo em quantidade suficiente para um manejo minimamente responsável. Não que esses fossem problemas dos mais graves. O espaço que os afetados pela criação da nova Unidade de Conservação tinham para contestar era exíguo. Também pequena era a necessidade de fazê-lo, já que poucos Parques saíram verdadeiramente do papel. Itatiaia, que é o nosso pioneiro, criado na longínqua década de 1930, ainda tem hoje parte de suas terras sob domínio privado.

Mas os tempos mudaram. Democratizou-se o país. Desenvolveu-se. Sua população cresceu a taxas maltusianas. Transformou-se também o perfil da distribuição das gentes pelo Brasil, que era essencialmente rural quando Getúlio Vargas assinou o Decreto de criação de Itatiaia. Agora, cerca de 80% dos brasileiros espremem-se em pouco mais de quatro dúzias de centros urbanos.

Apesar da concentração humana em poucas metrópoles e o esvaziamento relativo, em termos percentuais, do campo, a pressão sobre os Parques aumentou. É que o perfil da ocupação rural mudou. Sumiram os grandes vazios para dar lugar a extensas propriedades dedicadas ao agronegócio, grande motor das exportações brasileiras do século XXI.

Tudo foi muito rápido. Enquanto comemorávamos o advento da democracia, descuidamos de pensar na melhor forma de fazê-la funcionar. Até hoje temos dificuldades em inverter a tradicional cultura brasileira de dar precedência ao direito individual sobre o coletivo. Triste para as Unidades de Conservação que são um bem supostamente de todos.

As conseqüências dessa forma de pensar e agir logo constituíram-se em problema sério no que toca o meio ambiente. É que a grande maioria dos “todos” nunca visitou um Parque. Mesmo entre os que visitaram, a maior parcela não sabe que esteve em uma Unidade de Conservação. Pesquisa recente feita no Corcovado mostrou que cerca de 90% de seus freqüentadores desconhece estar dentro do Parque Nacional da Tijuca. Em outros Parques tais como a Pedra Branca e a Tiririca esse índice é ainda maior. Faltam sinalização, educação ambiental e estrutura para receber o visitante. Sobretudo, faltam olhos aos órgãos ambientais que os façam ver que em uma democracia será tarefa impossível manter um Sistema de Unidades de Conservação da ordem de 10% do território nacional contra a vontade, ou mesmo face à indiferença, do cidadão eleitor.

Durante quanto tempo continuaremos a ignorar a realidade de que, sem o apoio da população, os Parques perderão sempre contra os interesses da especulação imobiliária nas cidades, contra a expansão da fronteira agrícola a serviço do agronegócio no Cerrado e contra a exploração espúria dos recursos naturais feitas por madeireiras na Amazônia?

Finalmente, alguns olhos começam a se abrir e algumas bocas a reclamar. Um punhado de administradores de Unidades de Conservação e ambientalistas já está se mobilizando. Entendem que essa batalha será ganha nas cidades, onde se concentram quatro quintos dos brasileiros, onde se reúnem as Assembléias Legislativas, onde o Governador Alkimin decidirá se sanciona ou não a amputação da Juréia-Itatins e do Jacupiranga, onde o Supremo Tribunal Federal eventualmente deliberará sobre a criação do Parque Nacional de Itajaí.

Para debater essa questão, o Ministério Público Federal e o Instituto Ambiental Ratones congregaram juízes e procuradores do Brasil inteiro, no Seminário Cidades Costeiras Sustentáveis, durante a primeira semana deste mês de outubro, em Florianópolis.

Alguns dias mais tarde, em Curitiba, no contexto do IV Congresso Brasileiro de Unidades de Conservação, cerca de 50 profissionais da área ambiental reuniram-se sob a coordenação de Claudia Mazzei do IEF de São Paulo, com apoio de Leide Takahashi e diversos outros técnicos da Rede Pró-Unidades de Conservação, para discutir exaustivamente o mesmo tema. Ao final de três longas e produtivas sessões de palestras e debates, aprovaram uma moção em que alertam para a velocidade em que estamos perdendo a guerra contra a destruição de nossas florestas e defendem o uso das Unidades de Conservação urbanas como arma de educação ambiental e conscientização da cidadania, sem o que estamos fadados a perder todas as batalhas que estão sendo travadas pelos Parques Brasileiros.

Em moção aprovada, o texto final diz:

“Considerando que os grandes temas da Conservação como definição e criação de novas áreas para proteção da biodiversidade nos biomas brasileiros dependem de decisões políticas para avançar, as Unidades de Conservação urbanas e periurbanas têm o importante papel de inserir essas questões na sociedade dos grandes centros e influenciar as tomadas de decisão do setor público nos níveis municipais, estaduais e federal;

Considerando que nas UCs urbanas é possível desenvolver mecanismos de divulgação para a educação conservacionista de massa;

Considerando que as UCs urbanas podem variar de uma centena a milhares de hectares com maior ou menor grau de relevância ecológica, há necessidade de desenvolver metodologias próprias para o manejo e correta inserção no planejamento urbano e;

Considerando que as UCs urbanas são excelentes laboratórios para pesquisa de espécies da fauna e flora submetidas a condições extremas de sobrevivência;

O grupo da 1ª. Reunião Técnica de UCs Urbanas e Periurbanas resolve:

Manifestar-se pela necessidade de abrir espaço no próximo Congresso Brasileiro de Unidades de Conservação em 2006 para conferências, seminários e mini cursos contemplando as questões descritas acima.”

A discussão é um primeiro passo à frente. Mais importante, contudo, é a ação. Esperamos que, em 2006, quando o próximo conclave nacional de especialistas em Unidades de Conservação terá lugar, todos e cada um dos 750 mil turistas que o Corcovado recebe por ano tenham acesso a um centro de visitantes e terminem sua visita sabendo ter estado no Parque Nacional da Tijuca. Mais do que isso, esperamos que cada um deles (bem como os visitantes das inúmeras outras áreas protegidas urbanas brasileiras) entenda a relevância e a importância que as Unidades de Conservação têm para o bem estar do Brasil. Em uma guerra da envergadura que estamos enfrentando (e perdendo) não é concebível que seja desperdiçada a oportunidade de alistar 750 mil soldados por ano para a causa da preservação ambiental.

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