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Analista do depois

Criam-se comitês de mudanças climáticas globais, mas o bueiro da esquina, a ocupação irregular do solo são deixados ao mais completo abandono.

14 de abril de 2010 · 14 anos atrás
  • Paulo Bessa

    Professor Adjunto de Direito Ambiental da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (UNIRIO)

Se eu soubesse vem depois
Coitado chega sempre atrasado
Quem mandou você gostar de mim
Para hoje reclamar
O tempo só é ruim para quem não sabe esperar
Se está mal satisfeita mulher
Arrume o que é teu e vai andar
(Alcides/Monarco)

Um dos piores papéis que alguém pode fazer é o do “analista do depois”. “Eu não disse?”, “Tava na cara!” São expressões bastante comuns que são ditas tão logo algo de ruim acontece. Qualquer coisa que se diga sobre as consequências das chuvas que se abateram sobre o estado do Rio de janeiro nesta última semana terá o amargo sabor de café requentado e de análise post facto. Muito embora sabendo do risco, permito-me assumi-lo. Portanto, vestirei a camisa de analista do depois para dar minha opinião, que de resto é sem qualquer valor, sobre os fatos que, pela enésima vez, somos obrigados a assitir perplexos e, até mesmo, impotentes.

Como os leitores de O ECO sabem, nós moramos em um patropi que tem como uma de suas características climáticas as fortes chuvas no verão. Por aqui já existiram florestas que o pragmatismo anglo-saxão denominou como rain forests, florestas de chuva, florestas úmidas. Assim, é mais do que óbvio e evidente que chuvas fazem parte de nossa realidade, desde “40 minutos antes do nada”. Decorridos os 40 minutos, o que foi feito? Nada.

É indesculpável que os problemas ocasionados pelas chuvas – desculpem-me a bobagem-  os problemas ocasionados pela mais completa e absoluta despreparação para a chuva repitam-se em arrastada monotonia ao longo de sucessivas administrações que passam a batata quente para a anterior e se omitem olimpicamente em assumir sua parte de responsabilidade.

“É indesculpável que os problemas ocasionados pela mais completa e absoluta despreparação para a chuva repitam-se em arrastada monotonia ao longo de sucessivas administrações que passam a batata quente para a anterior”

Justiça se faça ao Prefeito Eduardo Paes que corajosamente está assumindo as suas responsabilidades e, na medida do que pode, tem se colocado á frente das medidas de remediação e emergência. É importante que Sua Excelência mantenha o pique e passe a enfrentar os problemas que já estão identificados e, muitos deles, já com soluções planejadas, faltando a execução. Praça da Bandeira, Lagoa, encostas, ocupações irregulares, invasões de margens de rios, desabamentos são velhas conhecidas de todos. A GeoRio tem tudo identificado. O INEA e os órgãos municipais de meio ambiente sabem o que precisa ser feito. Obras de infraestrutura, remoções quando se fizerem necessárias, atuação firme no planejamento urbano, autoridade política para executar medidas que no longo prazo poderão evitar a lamentável e enfadonha repetição de mortes por puro descaso.

Tenho sustentado que os nossos maiores problemas ambientais são urbanos e que é na solução dos problemas urbanos que venceremos ou perderemos os embates pela tão esperada melhoria ambiental. Contudo, de forma muito típica, nossas melhores cabeças pensantes preferem manter o foco das questões ambientais em situações abstratas e que, por isso, não demandam atuação eficiente e atual. Criam-se comitês de mudanças climáticas globais e outras instituições, mas o bueiro da esquina, a ocupação irregular do solo são reledos ao mais completo abandono e descaso.

A discussão sobre transgênicos empolga, é hightec, mas não resolve o problema do dia a dia. Não quero, longe de mim, afastar a discussão de temas globais, contudo, a vida é feita de prioridades, sobretudo quando os recursos são escassos e, ainda por cima, pessimamente utilizados. As verbas públicas servem para atender agenda próprias e inteiramente dissociadas dos reais interesses comunitários. Alô ex-Ministro da Integração, o TCU pede explicações!!!

Alí do outro lado da baía, em Niterói, a coisa chegou ao extremo da inconsequência e do oportunismo. Urbanizar um lixão é algo que nem o melhor ficcionista poderia imaginar. A moda seria dizer: é surreal. O correto seria dizer: é imoral. Mais do que imoral, certamente, o assunto deve encontrar em algum artigo do Código Penal a sua adequada tipificação.

O que houve em Niterói é, seguramente, o cúmulo da irresponsabilidade administrativa que se escuda na crença de que “Deus é brasileiro”, não ocorrendo catástrofes aqui. Confia-se na sorte e aguarda-se o costumeiro esquecimento que virá! Não será a última vez que termos notícias como as desta semana. Espero que o Ministério Público em Niterói, lembre-se do falecido Dr. João Batista Petersen e desempenhe o papel que lhe cabe.

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