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Caipira em Bariloche

Uma passagem por Portland, nos Estados Unidos, com fins acadêmicos, rendeu a experiência de viver algumas semanas em uma sociedade que realmente preza e curte a natureza.

2 de agosto de 2007 · 17 anos atrás
  • Paulo Bessa

    Professor Adjunto de Direito Ambiental da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (UNIRIO)

Só quero saber do que pode dar certo
Não tenho tempo a perder
Só quero saber do que pode dar certo
Não tenho tempo a perder
(Titãs)

Toda viagem que se preza tem como corolário final, a fofoca com os amigos sobre o que se viu, o que se gostou e não gostou. Há, também, a inevitável comparação com a realidade do dia-a-dia. Recentemente passei uma temporada em Portland, Oregon, com finalidade de estudos de Direito Ambiental e pude conhecer uma cidade realmente preocupada com o meio ambiente e que cuida de seu meio ambiente.

Aqui na cidade do Rio de Janeiro fala-se muito da Floresta da Tijuca mas, infelizmente, muito pouco se faz por ela e nela. Na verdade, a Floresta da Tijuca, devido a toda uma série de problemas que são por nós todos conhecidos, tem se tornado um local perigoso. Conheço uma pessoa que cometeu o erro de ir andar de bicicleta nas Paineiras e foi deixado nu – literalmente – e sem bicicleta. Foi como se a Praia do Abricó tivesse se transplantado para a montanha, só que sem o consentimento do “nudista”. Mas isto não nos deve assustar ou espantar, pois perto de outras coisas que aqui ocorrem, o episódio foi até gaiato.

Lá eles têm a Floresta da Tijuca deles que é o Washington Park, uma imensa área verde de cerca de 52 000 m2 que foi adquirida no ano de 1871, portanto, mais ou menos na mesma época da implantação da Floresta da Tijuca. Embora não tenha o Cristo Redentor, no interior do Parque existem muitas atividades e a população para lá se dirige com grande freqüência e em grande número.

Dentre as inúmeras atrações do parque posso citar: (i) Jardim Zoológico; (ii) Jardim Japonês; (iii) Jardim de Rosas; (iv) Memorial do Holocausto; (v) Centro Internacional de Florestas; (vi) Museu das Crianças e uma linha de trem percorrendo o interior do Parque e fazendo a ligação entre as diversas atrações. Existem também muitas áreas para recreação como campos de futebol, locais para picnic e tantas outras facilidades. O Parque, também, está integrado ao sistema de transportes da cidade e possui terminais em seu interior: Calma gente, são subterrâneos e de longe você nem percebe do que se trata. Nunca se ouviu falar em desvio de verbas das entradas, ou de assaltos ao trem que percorre o parque. Há, ainda, uma importante visitação escolar, com imenso número de alunos por toda parte. Evidentemente que entendemos as diferenças de recursos existentes entre os países, as cidades e os parques. Contudo, parece evidente que a infra-estrutura existente na Floresta da Tijuca, para que ela possa ser desfrutada pela população, é muito abaixo do que seria desejável para uma área de recreação pública. O mais curioso é que os anos se passam, a população aumenta e a infra-estrutura continua a mesma, senão menor.

Também em Portland existe o Tryon Creek State Park no qual está inserida a Faculdade de Direito do Lewis and Clark College que é uma das melhores em Direito Ambiental dos Estados Unidos. O parque, pequeno, possui uma excelente infra-estrutura de trilhas para caminhadas, ciclismo e equitação, além de banheiros e tudo o mais que se necessite para passar algumas horas agradáveis em contato com a natureza. Não há cobrança de ingresso e, geralmente, há uma caixa na qual o visitante faz uma doação para o Parque.

O alpinismo é também muito praticado no Oregon que possui montanhas espetaculares, com destaque absoluto para o Mt Hood. Sinceramente, ao falar com alguns amigos sobre a polêmica brasileira envolvendo montanhismo e código de defesa do consumidor, tive a impressão de ser um “caipira em Bariloche”, para relembrar Mazzaropi, tal o ridículo da discussão sobre o tema que aqui travamos.

Um outro “mito” carioca são as ciclovias. Fala-se muito das ciclovias do Rio de Janeiro, em sua maioria faixas mal pintadas na calçada, sem qualquer conservação e fiscalização. É muito comum vermos motocicletas nas ciclovias, inclusive da polícia militar e da guarda municipal. Portland tem cerca de 190 milhas de ciclovias que estão integradas nos meios de transporte da cidade. Os ônibus têm racks para que os ciclistas coloquem suas bicicletas e possam transportá-las para locais mais distantes ou para alguma área especial de lazer etc. O sistema de transporte, ainda que existam muitos carros, é feito por ônibus, light rail (um pequeno trem) e o streetcar (bonde), todos integrados e, mediante o pagamento de um bilhete único de U$ 1,70 o passageiro pode andar pelo período de 2 horas em qualquer um deles. Ah, se você estiver no centro da cidade e quiser se deslocar pelo próprio centro, entre no primeiro transporte coletivo que passar e esqueça o pagamento. É “de grátis”. Os pontos de ônibus têm afixado o horário que os ônibus passarão e não há erro.

O lixo é recolhido de forma seletiva e disposto separadamente, para que a coleta seletiva tenha sentido. Caso as pessoas não façam o recolhimento do lixo como determinado pela Prefeitura, a limpeza urbana adverte o morador e, na segunda advertência, aplica uma multa. Em supermercados, sacos plásticos não existem. Todas as embalagens são de papel e se você quiser pode comprar uma bolsa, “baratinho”. Lembro que aqui também já foi assim. O “progresso” acabou com os sacos de papel e as garrafas de leite e de refrigerantes, cerveja e outras. Quando criança me lembro que o refrigerante tinha preço “com casco” e “sem casco”.

Enfim, estas são algumas impressões de viagem que gostaria de compartilhar com a turma de O Eco, pois acredito que possam ser úteis, no mínimo para passar tempo. O exemplo de Portland é interessante pois a área metropolitana da cidade possui cerca de 2 milhões de habitantes, o que lhe dá um porte bastante razoável que já serve de parâmetro para alguma comparação.

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