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Angra III, ou vai ou racha

A ampliação do número de usinas nucleares no país é uma questão que deve ser examinada com cuidado pela sociedade e pelo Congresso Nacional, o que não esta acontecendo.

26 de junho de 2007 · 17 anos atrás
  • Paulo Bessa

    Professor Adjunto de Direito Ambiental da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (UNIRIO)

O Conselho Nacional de Política Energética aprovou a retomada das obras da usina nuclear Angra III integrante da Central Nuclear Almirante Álvaro Alberto. Esta aprovação, contudo, não garante que a Usina realmente seja construída, pois ainda falta a aprovação do Sr. Presidente da República para que a decisão possa se tornar realidade. Segundo expectativas, a usina ficaria pronta em 2014. O Ministério do Meio Ambiente, previsivelmente, votou contra o prosseguimento das obras, sob o argumento de que não existe solução quanto aos resíduos radioativos que serão gerados pela usina e que o mais importante nesta etapa é investir na geração de energias alternativas. Olha o princípio da precaução na área, gente!

O tema é dos mais relevantes e merece reflexão continuada. O custo da energia nuclear é, ainda muito elevado se comparado com as fontes tradicionais de energia e assemelhado ao das chamadas fontes alternativas, tais como energia eólica, das marés e de outros. Aliás, todos sabemos que o tempo da energia barata acabou. Hoje ele não passa de shadows of the past. Quanto aos rejeitos radioativos, lixo atômico se preferirem, existe desde 2001 a lei nº 10. 308, de 20 de novembro que “dispõe sobre a seleção de locais, a construção, o licenciamento, a operação, a fiscalização, os custos, a indenização, a responsabilidade civil e as garantias referentes aos depósitos de rejeitos radioativos, e dá outras providências”. Segundo a mencionada norma, os depósitos de rejeitos radioativos são de três categorias: (i) iniciais (ii) intermediários e (iii) finais. A lei é uma lei moderna que segue os padrões internacionais, com um sistema de responsabilidade civil bem construído, nos moldes da chamada responsabilidade canalizada já prevista na Lei Nº 6.453, de 17 de outubro de 1977: “Art. 4º – Será exclusiva do operador da instalação nuclear, nos termos desta Lei, independentemente da existência de culpa, a responsabilidade civil pela reparação de dano nuclear causado por acidente nuclear: I – ocorrido na instalação nuclear; II – provocado por material nuclear procedente de instalação nuclear, quando o acidente ocorrer: a) antes que o operador da instalação nuclear a que se destina tenha assumido, por contrato escrito, a responsabilidade por acidentes nucleares causados pelo material; b) na falta de contrato, antes que o operador da outra instalação nuclear haja assumido efetivamente o encargo do material. III – provocado por material nuclear enviado à instalação nuclear, quando o acidente ocorrer: a) depois que a responsabilidade por acidente provocado pelo material lhe houver sido transferida, por contrato escrito, pelo operador da outra instalação nuclear; b) na falta de contrato, depois que o operador da instalação nuclear houver assumido efetivamente o encargo do material a ele enviado.

No caso dos depósitos a responsabilidade civil está definida da seguinte maneira: “Art. 19. Nos depósitos iniciais, a responsabilidade civil por danos radiológicos pessoais, patrimoniais e ambientais causados por rejeitos radioativos neles depositados, independente de culpa ou dolo, é do titular da autorização para operação daquela instalação. Art. 20. Nos depósitos intermediários e finais, a responsabilidade civil por danos radiológicos pessoais, patrimoniais e ambientais causados por rejeitos radioativos neles depositados, independente de culpa ou dolo, é da CNEN. Art. 21. No transporte de rejeitos dos depósitos iniciais para os depósitos intermediários ou de depósitos iniciais para os depósitos finais, a responsabilidade civil por danos radiológicos pessoais, patrimoniais e ambientais causados por rejeitos radioativos é do titular da autorização para operação da instalação que contém o depósito inicial. Art. 22. No transporte de rejeitos dos depósitos intermediários para os depósitos finais, a responsabilidade civil por danos radiológicos pessoais, patrimoniais e ambientais causados por rejeitos radioativos é da CNEN. Parágrafo único. Poderá haver delegação do serviço previsto no caput a terceiros, mantida a responsabilidade integral da CNEN.

Assim como no caso do desdobramento do IBAMA – Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis em dois institutos, as atuais funções e estrutura da Comissão Nacional de Energia Nuclear também mereceriam uma reflexão sobre a utilidade do modelo adotado que outorga à Comissão uma gama de atribuições que muitas vezes são conflitantes, pois ela “bate o corner e corre para cabecear”, haja vista que licencia, fiscaliza e controla a atividade nuclear no Brasil e, além disto, exerce funções de pesquisa e fomento. Com uma possível ampliação do número de usinas nucleares este assunto precisa ser examinado com cuidado pela sociedade brasileira e pelo Congresso Nacional.

O licenciamento feito pela CNEN não se confunde com o licenciamento ambiental que é uma atribuição do Ibama, conforme o inciso IV, do artigo 4º da Resolução Conama 237/97. Aparentemente, o licenciamento ambiental de Angra III será duríssimo, pois se o Ministério do Meio Ambiente já se manifestou contra a implantação da Usina, não temos nenhuma razão para acreditar que o licenciamento será tranqüilo. Aguardemos o desenrolar dos acontecimentos que prometem ser emocionantes.

Quanto já se gastou em Angra III é um valor que não se sabe ao certo. O fato é que a indefinição no que se refere à construção ou não da usina tem custado muitos recursos aos cidadãos brasileiros, que ao longo de vários anos vêm sustentando a manutenção do armazenamento do material a ser utilizado para a construção da usina, pagando juros, taxas e tudo mais que sempre é cobrado.

Pouca atenção tem sido dada ao fato que as iniciativas em matéria nuclear devem ser aprovadas pelo Congresso Nacional, como determinado pelo artigo 49, XIV da Constituição Federal. Importante ressaltar que no caso nuclear a decisão do Congresso Nacional não está submetida à sanção do Presidente da República “(Art. 48. Cabe ao Congresso Nacional, com a sanção do Presidente da República, não exigida esta para o especificado nos arts. 49, 51 e 52, dispor sobre todas as matérias de competência da União, especialmente sobre”..). Lamentavelmente, o Congresso Nacional jamais se utilizou da prerrogativa constitucional para definir questão de tão alta relevância. Seguramente, os ilustres membros da Casa estão mais ocupados com discussões sobre pensões alimentícias, direito de família e suas repercussões sobre o decoro parlamentar.

A recente decisão do CNPE, seguramente, servirá de combustível para a crônica judiciária que, desde logo, se avizinha bastante movimentada em um futuro próximo. Se o jogo de azar fosse permitido no Brasil, coisa que não é, pois somente se permitem jogos que não sejam de azar, tais como as loterias e outros, poderíamos apostar que não há a mínima chance de que a Usina seja construída dentro do cronograma previsto. Muitas liminares serão concedidas e igual número será cassado. Relembre-se que há uma meia sola judiciária que entende que se o orçamento nacional tem previsão para as Usinas Nucleares, já estão supridas as exigências constitucionais do artigo 225, § 6º e do artigo 49, inciso XIV no que se refere à localização e à autorização congressual da iniciativa do Executivo para a retomada das atividades de Angra III.

Também neste caso de Angra III, a política energética e a ambiental terminarão sendo produzidas em um procedimento de licenciamento ambiental, com evidentes prejuízos para todos. Já que o MMA resolveu enfrentar a questão do aquecimento global, o que merece aplausos, talvez fosse o caso de discutir Angra III no contexto específico, avaliando se ela é positiva ou negativa sob o ponto de vista do efeito estufa e se, de fato, vale ou não a pena construí-la.

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