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Nem só de hidrelétricas vive o Ibama…

Decisão judicial em favor da suspensão da zona de amortecimento de Abrolhos dará margem a mais contestações do mesmo tipo nos tribunais. A portaria do Ibama é frágil.

18 de junho de 2007 · 17 anos atrás
  • Paulo Bessa

    Professor Adjunto de Direito Ambiental da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (UNIRIO)

Sob o título perigoso retrocesso, este O ECO publicou uma nota na seção Salada Verde sobre decisão proferida pelo MM juízo Federal da 7ª Vara Federal do Distrito Federal nos autos do Mandado de Segurança impetrado pelo Município de Caravelas e pela Câmara Municipal do mesmo Município contra ato do Sr. Presidente do IBAMA – Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis que, mediante a edição da Portaria nº 39, de 16 de maio de 2006 estabeleceu os limites da Zona de Amortecimento (doravante ZA) do Parque Nacional Marinho de Abrolhos, bem como estabeleceu regras para sua ocupação. Não pretendo entrar na discussão sobre o cabimento do Mandado de Segurança como meio adequado para coibir a ilegalidade em questão, sobretudo diante das divergências quanto ao cabimento de Mandado de Segurança contra lei em tese. Pessoalmente, considero que outro caminho processual seria mais adequado para enfrentar o tema. Contudo, este não é o foro adequado para tal, nem o propósito desta coluna.

Entendeu a decisão que: “A Lei 9.985/2000 define a zona de amortecimento como “o entorno de uma unidade de conservação, onde as atividades humanas estão sujeitas a normas e restrições específicas, com o propósito de minimizar os impactos negativos sobre a unidade;” (art. 2°, XVIII).

A zona de amortecimento, embora não seja parte integrante da Unidade de Conservação (grifei) correspondente, sujeita as atividades humanas nela exercidas a normas e restrições específicas estabelecidas pelo respectivo órgão de administração (art. 2°, XVIII c/c art. 25, § 1°, ambos da Lei 9.985/2000).

Por isso, como se trata da imposição de limites ao exercício do direito de propriedade, a criação da referida zona deve observar estritamente o princípio da legalidade.(grifei).

Fixado esse ponto, cumpre determinar qual o ato apropriado para criar unidades de conservação.

Por isso, recorro ao escólio do Ministro Antônio Herman Benjamin do Superior Tribunal de Justiça, que pontifica:“ato do poder público é decreto ou resolução do Conama”, pois “a Constituição Federal, em seu art. 225, § 1º, inciso III, nos passos do que se dá no tombamento, não exige lei em sentido estrito para a criação de unidade de conservação. Basta, no caso da administração pública, decreto ou resolução, ficando o Poder Público, em qualquer caso, obrigado a indenizar o proprietário, na hipótese de a restrição inviabilizar os usos econômicos de toda a propriedade, como sucede, normalmente, com as unidades de proteção integral.” (in “Introdução à Lei do Sistema Nacional de Unidades de Conservação”, págs. 302/3, apud “Direito Ambiental das áreas protegidas”, Coordenação Antônio Herman Benjamin, Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2001)…

Ora, se o ato de criação somente pode ser formalizado mediante decreto do Presidente da República ou resolução do Conama, e se os limites da zona de amortecimento devem ser definidos em ato de mesma hierarquia, resta evidente que mera portaria do Presidente do Ibama não é suficiente para tal mister.

A decisão, independentemente do juízo de valor que dela se possa fazer, é importantíssima.

O artigo 25 da Lei do SNUC determina que todas as Unidades de Conservação à exceção das Áreas de Proteção Ambiental e das Reservas Particulares do Patrimônio Natural devem ter zona de amortecimento (1) . A Zona de Amortecimento, conforme determinação legal é área na qual existe restrição às atividades econômicas, com vistas a não gerar impactos indiretos na Unidade de Conservação que se busca proteger. Ela é, portanto, uma importante intervenção no direito de propriedade e está submetida ao regime de legalidade. Contudo, as ZAs ainda não foram adequadamente estudadas e, em não raras oportunidades, acabam tendo fixadas restrições em tudo e por tudo equivalentes às áreas protegidas e, portanto, transbordam da legalidade. No caso do Mandado de Segurança em questão, as restrições estabelecidas pela Portaria impugnada judicialmente são muito elevadas e, praticamente estendem os limites do Parque Nacional de Abrolhos. Há um fator a ser observado que são restrições referentes à utilização de um bem público, no caso o mar territorial e seus recursos e não afetam diretamente direitos de particulares.

O pano de fundo da questão, como se verifica dos artigos 3º e 4º da Portaria é a atividade de exploração e produção de óleo e gás. Na verdade, a falta de coordenação efetiva entre o Ibama e a ANP sobre a produção de petróleo off-shore tem gerado problemas específicos que o Ibama julgou capaz de resolver sozinho mediante a expedição da malsinada portaria. A questão é importante em relação a Abrolhos mas, em especial deve ser levado em consideração as verdadeiras aberrações que são produzidas pelas chamadas “zonas de amortecimento” que, na imensa maioria das vezes são criadas sem qualquer embasamento legal.

De fato, a Lei do SNUC admite a criação das ZAs no ato de criação da Unidade de Conservação ou posteriormente, como lembrado na decisão. Ora, se a ZA deve ser criada no mesmo ato de estabeleceu a Unidade de Conservação, evidentemente que somente por norma de mesma hierarquia poderá ocorrer a criação da ZA. O Parque foi criado aos 6 de abril de 1983, pelo Decreto nº 88.218 e, portanto, somente um Decreto presidencial poderia ter instituído a ZA. Em meu ponto de vista o Conama somente estaria legitimado para criar ZA caso tivesse igual legitimação para criar a própria Unidade de Conservação.

A competência legal do Sr. Presidente do Ibama, no caso concreto, de acordo com o estabelecido no artigo 12 do decreto nº 4.340, de 22 de agosto de 2002 limitava-se a aprovar o Plano de Manejo do Parque e, conseqüentemente, da ZA: “Art. 12. O Plano de Manejo da unidade de conservação, elaborado pelo órgão gestor ou pelo proprietário quando for o caso, será aprovado: I – em portaria do órgão executor, no caso de Estação Ecológica, Reserva Biológica, Parque Nacional, Monumento Natural, Refúgio de Vida Silvestre, Área de Proteção Ambiental, Área de Relevante Interesse Ecológico, Floresta Nacional, Reserva de Fauna e Reserva Particular do Patrimônio Natural.” O sítio do Ibama na internet(2), visitado aos 18 de junho de 2007 não informava da existência de Plano de Manejo do Parque Nacional Marinho de Abrolhos.

O que resta claro do caso acima narrado é que muitas vezes são tomadas medidas arbitrárias, como a tipificada pela Portaria nº 39/2006 cujo único intuito é jogar para a torcida, gerando falsas expectativas nas pessoas que efetivamente estão preocupadas com a proteção do meio ambiente, gerando uma falsa impressão de atividade produtiva do órgão ambiental, que, não obstante se encontram em claro desrespeito ao artigo 37 da Constituição Federal, causando despesas para as partes envolvidas, desgastes institucionais desnecessários e resultados ambientais inexistentes. Seguramente outras ZAs serão questionadas e o resultado, seguramente, será o mesmo, a decretação de sua ilegalidade por vício insanável.

Nem só de hidrelétricas vive o Ibama…

1. Art. 25. As unidades de conservação, exceto Área de Proteção Ambiental e Reserva Particular do Patrimônio Natural, devem possuir uma zona de amortecimento e, quando conveniente, corredores ecológicos.

2. http://www.ibama.gov.br/siucweb/mostraUc.php?seqUc=16

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