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Uma casinha lá na Marambaia

A Marambaia, região de restinga mais bem conservada do estado do Rio de Janeiro graças à presença de militares, corre risco de ser ocupada por assentamentos populares.

23 de fevereiro de 2007 · 17 anos atrás
  • Paulo Bessa

    Professor Adjunto de Direito Ambiental da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (UNIRIO)

Todas as sociedades possuem seus mitos que, de certa forma, servem para identificá-las e particularizá-las diante das demais. A Grécia Antiga possuía o Panteão dos Deuses do Olimpo. Em Roma, não era diferente. Os Franceses elevaram a sua Revolução à condição mítica com o petit caporal ocupando posição de destaque. Na sociedade americana, um dos mitos fundadores é a wilderness. E nós? Macunaíma? O herói sem nenhum caráter? Acredito que não. Parece-me que a nossa sociedade urbana e mal urbanizada, tem como mito um passado idílico que na realidade nunca existiu mas que serve como referência para aqueles que crêem que “já vivemos dias melhores”. No caso do Rio de Janeiro, dada a sua condição litorânea, é na praia que os nossos mitos se sentem mais à vontade. “Tenho tantos anos de praia” é uma expressão que busca demonstrar o grau de malandragem e esperteza de um determinado indivíduo. Quem fala em praia, fala em restinga. E quem fala em restinga, fala em Marambaia. Restinga mitológica, paraíso da zona oeste, apesar de todas as mazelas da baía de Sepetiba. Dizem que até quilombos existiram na região. Há muita contestação sobre o assunto. Contudo, não se pode negar que a escolha do local é perfeita.

O grupo Los Hermanos trouxe de volta a velha canção que, magistralmente, resumiu toda a mitologia praieira que envolve, ócio com dignidade, amor e uma cabana.

Eu tenho uma casinha lá na Marambaia[1]
Fica na beira da praia, só vendo que beleza
Tem uma trepadeira que na primavera
Fica toda florescida de brinco de princesa[2]
Quando chega o verão eu me sento na varanda
Pego um violão e começo a tocar
E minha morena que esta sempre bem disposta
Senta ao meu lado e começa a cantar
Quando chega a tarde um bando de andorinhas[3]
Voa em revoada fazendo verão
E lá na mata o sabiá[4] gorjeia
Uma linda melodia pra alegrar meu coração
Às seis horas da tarde o sino da capela
Bate as badaladas da ave-maria
E a lua nasce por detrás da serra
Anunciando qua acabou o dia!
Atualmente, um dos mitos que envolvem as restingas é o da “vegetação de restinga”. Trata-se de um tema preferido por “9 entre 10 estrelas de cinema”. Porém, assim como na música, a proteção legal da vegetação de restinga é um mito. E um dos seus fundadores é o nosso sempre atuante CONAMA que, pela Resolução nº 303, de 20 de março de 2002, veio “para confundir e não para explicar”, como dizia o grande filósofo brasileiro Abelardo Barbosa, aquele que estava com tudo e não estava prosa. A vegetação de restinga protegida é aquela “fixadora de dunas” ou “estabilizadora de mangues”

No particular, determina o artigo 2º do Código Florestal, conforme a redação que lhe foi dada pela Lei nº 7.803, de 18 de julho de 1989, in verbis:

Art. 2° Consideram-se de preservação permanente, pelo só efeito desta Lei, as florestas e demais formas de vegetação natural situadas:

………………………………………………………………… f) nas restingas, como fixadoras de dunas ou estabilizadoras de mangues;

As Resoluções do Conama que trataram do tema, como demonstra o quadro abaixo, inovaram, criaram direito novo e, portanto, são ilegais. Como se sabe, o Conama não tem atribuição legal para criar direito novo, visto que não é dotado de poder legiferante.

Quadro comparativo do marco legal: restinga

[7] RE 134297 / SP – SÃO PAULO. RECURSO EXTRAORDINÁRIO. Relator(a): Min. CELSO DE MELLO. Primeira Turma. DJU: 22-09-1995 PP-30597 RECORRENTE: ESTADO DE SÃO PAULO . RECORRIDOS: PAULO FERREIRA RAMOS E CONJUGE E M E N T A: RECURSO EXTRAORDINÁRIO – ESTAÇÃO ECOLOGICA – RESERVA FLORESTAL NA SERRA DO MAR – PATRIMÔNIO NACIONAL (CF, ART. 225, PAR.4.) – LIMITAÇÃO ADMINISTRATIVA QUE AFETA O CONTEUDO ECONOMICODO DIREITO DE PROPRIEDADE – DIREITO DO PROPRIETARIO A INDENIZAÇÃO – DEVER ESTATAL DE RESSARCIR OS PREJUIZOS DE ORDEM PATRIMONIAL SOFRIDOS PELO PARTICULAR – RE NÃO CONHECIDO. – Incumbe ao Poder Público o dever constitucional de proteger a flora e de adotar as necessárias medidas que visem a coibir praticas lesivas ao equilíbrio ambiental. Esse encargo, contudo, não exonera o Estado da obrigação de indenizar os proprietários cujos imóveis venham a ser afetados, em sua potencialidade econômica, pelas limitações impostas pela Administração Pública. – A proteção jurídica dispensada as coberturas vegetais que revestem as propriedades imobiliárias não impede que o dominus venha a promover, dentro dos limites autorizados pelo Código Florestal, o adequado e racional aproveitamento econômico das árvores nelas existentes. A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal e dos Tribunais em geral, tendo presente a garantia constitucional que protege o direito de propriedade, firmou-se no sentido de proclamar a plena indenizabilidade das matas e revestimentos florestais que recobrem areas dominiais privadas objeto de apossamento estatal ou sujeitas a restrições administrativas impostas pelo Poder Público. Precedentes. – A circunstancia de o Estado dispor de competência para criar reservas florestais não lhe confere, só por si – considerando-se os princípios que tutelam, em nosso sistema normativo, o direito de propriedade -, a prerrogativa de subtrair-se ao pagamento de indenização compensatória ao particular, quando a atividade pública, decorrente do exercício de atribuições em tema de direito florestal, impedir ou afetar a valida exploração econômica do imóvel por seu proprietário. – A norma inscrita no ART.225, PAR.4., da Constituição deve ser interpretada de modo harmonioso com o sistema jurídico consagrado pelo ordenamento fundamental, notadamente com a cláusula que, proclamada pelo art. 5., XXII, da Carta Política, garante e assegura o direito de propriedade em todas as suas projeções, inclusive aquela concernente a compensação financeira devida pelo Poder Público ao proprietário atingido por atos imputáveis a atividade estatal. O preceito consubstanciado no ART.225, PAR. 4., da Carta da Republica, além de não haver convertido em bens públicos os imóveis particulares abrangidos pelas florestas e pelas matas nele referidas (Mata Atlântica, Serra do Mar, Floresta Amazônica brasileira), também não impede a utilização, pelos próprios particulares, dos recursos naturais existentes naquelas áreas que estejam sujeitas ao domínio privado, desde que observadas as prescrições legais e respeitadas as condições necessárias a preservação ambiental. – A ordem constitucional dispensa tutela efetiva ao direito de propriedade (CF/88, art. 5., XXII). Essa proteção outorgada pela Lei Fundamental da Republica estende-se, na abrangência normativa de sua incidência tutelar, ao reconhecimento, em favor do dominus, da garantia de compensação financeira, sempre que o Estado, mediante atividade que lhe seja juridicamente imputável, atingir o direito de propriedade em seu conteúdo econômico, ainda que o imóvel particular afetado pela ação do Poder Público esteja localizado em qualquer das areas referidas no art. 225, PAR. 4., da Constituição. – Direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado: a consagração constitucional de um tipico direito de terceira geração (CF, art. 225, caput).

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