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O Rio de Janeiro depende de Minas Gerais e São Paulo para garantir a saúde do rio Paraíba do Sul, principal fonte de água do estado. O assunto merece atenção dos governadores.

15 de janeiro de 2007 · 17 anos atrás
  • Paulo Bessa

    Professor Adjunto de Direito Ambiental da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (UNIRIO)

O Rio Paraíba do Sul, mais uma vez é vitimado pelo derramamento de rejeitos industriais em suas águas, com as conseqüências de praxe. É interessante observar que, na mesma semana em que o fato aconteceu, houve uma reunião dos governadores dos estados do Sudeste com vistas à implementação de políticas de segurança pública convergentes. Aqui se faz necessária uma reflexão. Assim como na esfera da segurança pública, a inexistência de políticas ambientais integradas tem como resultado o desperdício de recursos e a repetição de fatos desagradáveis como os ora examinados. O reconhecimento da necessidade de integração entre os diversos usuários de uma mesma bacia hidrográfica é pacífico e, até mesmo, encontra repercussão na legislação brasileira. Veja-se a propósito, a existência dos comitês de bacia e outros instrumentos legais e institucionais para a gestão compartilhada dos recursos hídricos.

Os conflitos decorrentes da utilização de águas são dos mais antigos que podemos identificar e já mereceram a atenção do “primeiro código” reconhecido, o Código de Hamurabi, que foi o “primeiro documento a definir o direito de uso da água por todo e qualquer indivíduo, prescrevendo estímulos às práticas consideradas adequadas e castigos severos aos que infringissem essas condições.”[1] É relevante notar que o Tribunal mais antigo em funcionamento no mundo é o Tribunal de la Vega de Valencia[2], corte consuetudinária, destinada a dirimir conflitos de utilização das águas e cuja instituição remonta à ocupação árabe da península Ibérica e, certamente, é um dos mais importantes legados deixados pelos levantinos no Ocidente.

O Estado do Rio de Janeiro, em especial, ostenta uma posição extremamente vulnerável no que se refere à água potável. A sua principal fonte de recursos hídricos é o Rio Paraíba do Sul que, por atravessar 3 estados, não se encontra sob a administração de seu principal usuário. A nossa posição à jusante faz com que recebamos o problema causado alhures mas não possamos agir concretamente para evitá-lo, visto que a gestão ambiental do território das posições à montante é atribuição dos estados de São Paulo e Minas Gerais. Encontramo-nos em posição semelhante à da Holanda no que se refere ao Rio Reno que é o maior rio da Europa, medindo cerca de 1220 quilômetros e percorrendo cinco países. No caso da Europa foi estabelecida uma Convenção sobre poluição do Rio Reno e criados mecanismos de arbitragem para os conflitos entre as partes. Obviamente que, por sermos um único país, não teria qualquer sentido ou viabilidade jurídica uma convenção entre os estados para o Rio Paraíba do Sul. Contudo, é forçoso reconhecer que os comitês de bacia, ainda que não tenham atingido todo o desenvolvimento institucional que poderão atingir, encontram algumas limitações políticas evidentes para enfrentarem às graves questões da gestão territorial e de sua influência deletéria sobre os cursos de água.

Pelo que tem sido noticiado, algumas cidades terão a captação de águas paralisadas por alguns dias e, evidentemente, as conseqüências disto não são de pequena monta: (i) interrupção do abastecimento doméstico; (ii) interferência em atividades comerciais e industriais e muitas outras, tais como a pesca, por exemplo. Devido às condições geográficas, a carga dos danos é suportada de forma desproporcional por aqueles que se encontram rio abaixo. É legítimo, portanto, que sejam estabelecidos mecanismos políticos, jurídicos e institucionais que sejam capazes de amenizar as conseqüências para aqueles ribeirinhos que se encontrem em condições menos favoráveis, ou mais fragilizadas. Um medida adequada seria a constituição de um gabinete institucional e operacional que procedesse a consultas prévias quando da concessão de licenças ambientais para atividades com alto potencial de agressão ao meio ambiente, de forma que aqueles situados abaixo pudessem apresentar suas sugestões ao licenciamento. Já que estamos em um momento no qual os ânimos políticos parecem estar desarmados e que a cooperação inter-institucional tem tido uma boa repercussão e aceitação, poderíamos pegar o amargo limão e transformá-lo em uma limonada mais palatável. O fato é que acidentes acontecem, contudo, a questão relevante é: dada a sua regularidade o caso é realmente de acidente ou de descaso? Em que medida isto pode ser evitado?

Aqueles poucos leitores desta coluna sabem que, rotineiramente, tenho me manifestado contra a falta de políticas ambientais por parte dos governos que, de maneira geral, se limitam a atender demandas e a produzir ações espetaculares com poucos resultados duradouros e concretos. O rio Paraíba do Sul é um excelente lugar para darmos início à uma mudança conceitual com ações de largo prazo e comprometendo às mais elevadas autoridades dos estados da região com uma modificação de postura sobre tão relevante assunto.

[1] REBOUCAS, Aldo C. A sede zero. Cienc. Cult. [online]. Oct./Dec. 2003, vol.55, no.4 [cited 11 January 2007], p.33-35. Available from World Wide Web: . ISSN 0009-6725.
[2] http://www.nova.es/cifa/tribunal.htm#Valencia

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