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Balanço

Em quatro anos de governo Lula, a equipe de Marina Silva se aliou excessivamente a ONGs e não conseguiu avançar nas graves questões ambientais que ameaçam o país.

8 de dezembro de 2006 · 17 anos atrás
  • Paulo Bessa

    Professor Adjunto de Direito Ambiental da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (UNIRIO)

Estamos chegando ao fim do 1º governo do Presidente Lula e é hora de nos perguntarmos se, no campo ambiental, houve uma política ambiental, se ela foi implementada e se foi vitoriosa ou não. O início do governo Lula da Silva foi marcado por uma grande esperança com a indicação da Senadora Marina Silva para o Ministério do Meio Ambiente (MMA) visto que ela, reconhecidamente, é pessoa vinculada à defesa das causas ambientais e, dentro delas, especialmente as questões amazônicas. Contudo, não se pode deixar de constatar que paulatinamente o glamour foi se perdendo e, ao longo dos quatro anos, o charme ambiental foi sendo substituído por medidas contraditórias, sem rumo e, portanto, sem linha de coerência.

Talvez o momento mais emblemático da administração ambiental tenha sido o choro de Sua Excelência quando da liberação de plantio de soja transgênica.

Naquele dia, ficou constatada a mais profunda incapacidade do MMA de intervir em questões complexas, em definir parâmetros de atuação e, finalmente, entender que a atividade governamental é muito mais do que a simples retórica do desenvolvimento sustentado. Na verdade, a atividade governamental é a de formular políticas e implantá-las de forma que o desenvolvimento sustentado possa ocorrer. Também merecem destaque a Resolução do Conama sobre as áreas de preservação permanente e a lei de concessões florestais. No âmbito internacional paira altaneiro o apoio à China na questão das mudanças climáticas. Em linguagem futebolística, muito ao gosto da atual administração, marcou-se gol contra.

O principal problema causado pela falta de política ambiental é que a ação governamental passa a ser puramente defensiva e, portanto, geradora de não. Na verdade a política ambiental existe para explicar e dizer como e não para negar, ainda que muitas vezes a negativa seja necessária. Todavia, é necessário que a autoridade ambiental se compreenda como parte da solução e não como parte do problema. Metaforicamente, é como se tivéssemos uma sequóia gigante no local onde se pretende passar uma estrada. Antes de se impedir que a estrada seja construída, necessário se faz saber se a estrada pode ser construída e como, de molde a que se contorne a centenária árvore. Ao se iniciar o debate com a proibição da estrada, gradativamente as posições vão se extremando e a discussão passa a ser ou a derrubada da árvore ou o “desenvolvimento”, um conceito abstrato, destituído de conteúdo, porém com apelo suficiente para agrupar as forças contrárias ao bom desempenho ambiental.

Neste ponto, o diálogo desaparece e as forças políticas e econômicas passam a ter as suas dimensões reais e, provavelmente, a árvore será derrubada. Esta é a conseqüência mais evidente da política do não, da política do tudo ou nada. As especulações quanto à possível substituição da equipe do MMA, com a colocação da pasta para a área de influência da Ministra Roussef, evidentemente, não resolverá o problema. Antes indicará um movimento pendular, confirmando a inexistência de uma política ambiental.

Qual foi o objetivo do Ministério do Meio Ambiente nestes últimos quatro anos? Quais foram as suas metas? O que foi alcançado? É difícil saber. Em primeiro lugar, não se pode negar que a realização de concursos para a estruturação de um quadro técnico no Ministério e no Ibama foi uma medida altamente positiva e que, no longo prazo, poderá trazer resultados favoráveis para a administração do Meio Ambiente. Uma burocracia profissional demora para se consolidar, para definir práticas administrativas, rotinas, procedimentos e tudo aquilo que é necessário para a boa prestação do serviço público. Contudo, isto não é política ambiental; é condição para que ela exista.

É mera constatação de necessidade administrativa. Diga-se a favor do atual governo que, de fato, não há como sonhar com política ambiental consistente, sem a existência dos servidores públicos responsáveis pela sua implementação. Por outro lado, a cúpula do Ministério foi preenchida com base em critérios não profissionais mas de “militância ambiental” ou “sócio-ambiental”. Não se desconhece que muitos dos militantes ambientais indicados para os cargos têm capacitação profissional. Entretanto, a impressão que se tem é que este não foi o elemento decisivo. Tal circunstância, como não poderia deixar de ser, teve um reflexo na atuação prática do Ministério. Julgo um penhor de justiça reconhecer no Sr. Cláudio Langone – Secretário Executivo do MMA – um incansável batalhador pela profissionalização do MMA e da estruturação de uma política ambiental efetiva, ainda que, de longe, a sensação que se tem é a de que ele se tornou em voz dissonante em um concerto mal ensaiado.

Discordo, respeitosamente, do presidente Lula quando ele diz que o “meio ambiente é um entrave”. Na verdade, não se trata de entrave, mas de uma política adotada pelo Ministério do Meio Ambiente de forma bastante consciente, basta que se veja a nominata de sua equipe. O chamado “entrave” é, na realidade, uma conseqüência da omissão do Presidente da República em definir uma política ambiental para o país, delegando-a a terceiros que não se definiram entre a militância ambiental e a espinhosa função de servidores públicos com a imparcialidade e isenção que deles o cidadão tem o direito de esperar. Qualquer indivíduo minimamente interessado em assuntos ambientais, ao examinar o line up do MMA, não teria dúvida do que viria pela frente.

Diga-se em defesa da Sra. Ministra e de sua equipe que eles não enganaram ninguém. Fizeram no governo a mesma política que caracterizou-lhes a militância ambiental: adoção de lugares comuns politicamente corretos como verdades absolutas, má vontade com empreendimentos empresariais e tudo aquilo que a velha Martha Harnecker sugeria em seu conhecido manual, tão em voga na década de 70. Isto fez com que fossem geradas contra-pressões que, no conjunto, foram tão nocivas quanto os “entraves”. E o Ministério acabou perdendo o seu papel fundamental de formulador de políticas para se reduzir à condição de “fortaleza inexpugnável” em defesa do meio ambiente. Assim, passamos de uma justa e legítima representatividade ambiental para a construção de um mito à la Dolores Ibaburri atacado por todos e que, tal como animal acuado, quanto mais ameaçado, mais enrijece os músculos, eriça os pêlos e, finalmente, ataca aleatoriamente e, por fim, queda paralisado estático. Em meio a um governo sem políticas – e principalmente ações – definidas, o MMA foi mais um.

A Sra. Ministra do Meio Ambiente sabe que na década de 70 – hoje tão ao gosto do governo, veja-se o prestígio do ex-ministro Delfin Neto e das políticas adotadas pelo general Geisel – a política adotada para a Amazônia foi um sucesso. O objetivo era derrubar boa parte da floresta e isto foi feito pela via dos incentivos fiscais. Agora, cuida-se de inverter o rumo dos incentivos fiscais e econômicos, direcionando-os para a manutenção da floresta em pé. Este bonde passou. Em quatro anos isto poderia ter sido feito. Seria um gol de placa. Os “povos da floresta” poderiam ter conseguido um importante aliado para a ampliação de seu nível de renda de forma muito mais eficaz do que a venda de artesanato ou do que a ilusão de que com a venda de meia dúzia de castanhas do Pará a preço de banana se conseguirá a “sustentabilidade”. Vários estados já implantaram o ICMS ecológico e, como sabemos, os resultados têm sido bastante encorajadores. O que fez o MMA neste particular?

No Ibama, a política implementada para o órgão limitou-se a estimular operações policiais para a prisão de corruptos ou supostos corruptos. Não houve qualquer ação capaz de desenvolver mecanismos capazes de diminuir as possibilidades de corrupção. Aqui é importante que se diga que a lei nº 9.605 (crimes ambientais) é um importante estímulo à corrupção, pois com a ampla criminalização de condutas que, até então, eram meras infrações administrativas, dotou a fiscalização de um super poder. Uma simples reformulação de procedimentos seria suficiente para tornar as coisas mais palatáveis. Bastava que fosse retirado dos fiscais o poder de multar, transferindo-o para uma comissão que deveria ouvir as razões do autuado antes de aplicar as multas. Na verdade, houve um crescimento exponencial da invasão da autonomia dos estados pela constante intervenção do Ibama em questões locais. Assim, o atual governo agravou a centralização administrativa. Uma reestruturação do Ibama se faz necessária. Não é mais concebível que o Ibama seja, ao mesmo tempo, responsável por parques, baleias, tartarugas, indústrias e licenciamento ambiental. É preciso coragem para mudar. O órgão de licenciamento ambiental deve ser apenas de licenciamento e técnico. Outras questões ficariam muito bem em um departamento de Parques ou alguma coisa do gênero.

O quadro marcante, contudo, foi a “privatização” das funções do estado com a sua transferência paulatina para ONGs diversas. A pretexto de se permitir que a “sociedade civil” seja ouvida, a função pública foi sendo subalternizada e substituída por ONGs e projetos sempre maiores e sempre envolvendo mais recursos públicos para terceiros. Contudo, é forçoso que se diga que a política adotada, em meu ponto de vista, tem gerado externalidades graves para o próprio movimento ambientalista. De fato, a cooptação de ONGS para o aparelho de estado amacia como pelego a combatividade da sociedade que, em troca de planos de manejos e gestão participativa, perde o senso crítico e bate palma com vontade, fazendo de conta que é turista. Felizmente, nem todas as ONGS passaram para o “outro lado do balcão.” Aliás, louve-se a transparência do MMA que, em sua página web, apresenta dados que, francamente, são amplamente desfavoráveis à administração. Senão vejamos:

O que foi feito, ao longo dos quatro anos, nada teve de extraordinário. Ficamos nos limites de uma política cosmética e incapaz de enfrentar às graves questões ambientais que o país precisa resolver. Seguramente, ante a fragilidade política e institucional do MMA, é muito fácil culpá-lo pelo “entrave” da infra-estrutura. Da minha parte, entendo que existe muito mais do que “entrave ambiental” na questão da infra-estrutura. Onde estão as regras de investimento? O que foi feito com as agências reguladoras? E tantas outras questões que não cabem no presente artigo. Neste particular, o Ibama tem feito um esforço para melhorar o padrão dos licenciamentos. Peca por não entender que deve descentralizar. Enfim, um balanço da atuação do MMA nos últimos quatro anos nos leva à conclusão de que ele foi desalentador.

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