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Uma ilustre desconhecida, infelizmente

A atuação da Comissão de Meio Ambiente da Câmara é ignorada pela sociedade. Não devia ser. Somos uma democracia, e é lá que se encontram nossos representantes.

30 de março de 2006 · 18 anos atrás
  • Paulo Bessa

    Professor Adjunto de Direito Ambiental da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (UNIRIO)

Sempre que pensamos em política ambiental somos levados a examinar as atividades desenvolvidas pelo Poder Executivo. Na verdade, o que se esconde por trás do nosso “hábito” é a supervalorização do dirigente, do chefe, demonstrando como ainda somos uma sociedade longe de democrática. Pouco valorizamos o Congresso Nacional que, diga-se a bem da verdade, é o primeiro a se desmoralizar publicamente com espetáculos de Tarantela na Pizzaria Planalto.

É hora de chamar a atenção para uma ilustre desconhecida: a Comissão de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável (CMADS) da Câmara dos Deputados, que desde o dia 29 de março é presidida pelo deputado Luiz Carreira, do PFL da Bahia. Cabe à Comissão decidir sobre as seguintes matérias: “política e sistema nacional do meio ambiente; direito ambiental; legislação de defesa ecológica; recursos naturais renováveis; flora, fauna e solo; edafologia e desertificação e desenvolvimento sustentável”. Não é pouca coisa. E mais: conforme determinado pelo artigo 58 da Constituição Federal (1), a Comissão decide matéria que dispense ida ao Plenário.

Está disponível (alguns diriam disponibilizado) na internet o Relatório de Atividades da Comissão referente ao ano 2005. É um trabalho com 60 páginas, firmado pelo ex-presidente da Comissão, o deputado Luciano Castro, do PL de Roraima. O Relatório dá conta que, em linhas gerais, a CMADS desempenhou um trabalho modesto. As audiências públicas e outras atividades desenvolvidas de ofício pelo órgão fracionário pouco acrescentaram ao contexto ambiental brasileiro. Não foram debatidas as grandes políticas públicas, os temas fundamentais, os rumos para o tal “desenvolvimento sustentado”. Muitas autoridades e burocratas freqüentaram a Comissão como convidados para debates e esclarecimentos, as ONGs de sempre também foram consultadas. Enfim, nada ocorreu na Comissão que fugisse ao script.

No que se refere ao Estado do Rio de Janeiro, por exemplo, consta do Relatório que a Comissão realizou duas audiências públicas para debater “a situação dos pequenos pescadores de Angra dos Reis” e “para serem ouvidos o fiscal do Ibama responsável pela área do Tinguá, o representante da Polícia Federal e o representante da Apedema… a fim de ser discutida a situação da área ambiental do Tinguá”.

Um tema local que freqüentou muito a Comissão foi um acidente com trem pertencente à FCA. Realmente foge à minha compreensão que um acidente com trem tenha tido tanta repercussão na Comissão, sobretudo por ter sido um acidente de pequena monta. Desses três temas selecionados ao acaso, nenhum poderia se dizer “federal”. Pertencem, isto sim, às embrenhas da paróquia mais longínqua.

Relevância

No entanto, não foram só bobagens que andaram freqüentando a Comissão. Alguns temas relevantes por lá passaram. Posso citar como exemplos Audiência Pública sobre Licenciamento Ambiental Municipal, fiscalização nuclear, queimadas. No relatório também podemos ver que a Comissão se fez representada em Genebra, Paris e Montreal. Todas cidades francófonas e de muito bom gosto. Voilá, ça c’est très chic!

No que tange aos Projetos apreciados pela Comissão, posso chamar atenção para o PL 1151/2003, que dispunha sobre as brigadas indígenas de combate a incêndios e que, em momento de rara lucidez da Comissão, foi rejeitado. Também circularam muitos projetos de reforma do Código Florestal, o que demonstra que o tema mereceria mais atenção da Comissão e que ela deveria elegê-lo como uma de suas prioridades e, de fato, instituir um programa de trabalho que pudesse discutir o assunto em profundidade. Houve, também, um significativo número de projetos tratando sobre a lei de crimes ambientais e sobre a lei da política nacional de meio ambiente. No setor das reclamações recebidas pela Comissão, a mais curiosa é a formulada pelas vítimas de morcegos hematófagos do estado do Maranhão. Seriam morcegos públicos ou privados?

O que se observa é que, com exceção de alguns raros momentos, a Comissão de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável é uma imensa Câmara de Vereadores. Um sociólogo que se dispusesse a fazer uma análise comparativa entre as matérias em tramitação na Comissão e aquelas que tramitam no Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama) certamente chegaria à conclusão que, do ponto de vista prático, o Conama tem tratado de matérias mais relevantes do que a Câmara dos Deputados. Igualmente, a chamada “sociedade civil organizada” tem dado mais valor a exercer pressão sobre o Conama do que sobre a Comissão de Meio Ambiente.

As recentes discussões sobre APPs confirmam o que estou dizendo. Também a “sociedade” prefere as entranhas do poder burocrático ao jogo parlamentar e à representação popular. É bom lembrar que não existem mais biônicos e o Parlamento, com virtudes e defeitos, é uma expressão do que somos como sociedade. Depois não adianta chorar, nem dizer que a sociedade está representada no Conama, que ele é plural e que os políticos não prestam.

O papel da Comissão de Meio Ambiente da Câmara dos Deputados é fundamental. Entretanto, ele não tem merecido o relevo que seria desejável . Este próprio O Eco — até onde eu me lembro — pouco fala sobre a Comissão. Brevemente teremos eleições para o Congresso Nacional e é importante que saibamos todos que o meio ambiente nos próximos quatro anos será decidido pelas pessoas que estiverem na Comissão do Meio Ambiente da Câmara. Esta é a regra do jogo democrático. O papel do Parlamentar é essencial e a sociedade deve assumir suas responsabilidades, escolhendo pessoas sérias e confiáveis.

(1) Art. 58 – O Congresso Nacional e suas Casas terão comissões permanentes e temporárias, constituídas na forma e com as atribuições previstas no respectivo regimento ou no ato de que resultar sua criação……….§ 2º – Às comissões, em razão da matéria de sua competência, cabe:
I – discutir e votar projeto de lei que dispensar, na forma do regimento, a competência do Plenário, salvo se houver recurso de um décimo dos membros da Casa;
II – realizar audiências públicas com entidades da sociedade civil;
III – convocar Ministros de Estado para prestar informações sobre assuntos inerentes a suas atribuições;
IV – receber petições, reclamações, representações ou queixas de qualquer pessoa contra atos ou omissões das autoridades ou entidades públicas;
V – solicitar depoimento de qualquer autoridade ou cidadão;
VI – apreciar programas de obras, planos nacionais, regionais e setoriais de desenvolvimento e sobre eles emitir parecer.

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