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Leopoldo Brandão: uma homenagem ao criador da maior RPPN do Brasil

Em vida não teve o devido reconhecimento, mas sua iniciativa e perseverança construíram para o SESC 100 mil hectares de uma reserva privada sem par

19 de janeiro de 2017 · 7 anos atrás
  • Maria Tereza Jorge Pádua

    Engenheira agrônoma, membro do Conselho da Associação O Eco, membro do Conselho da Fundação Grupo Boticário de Proteção à Nat...

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Entardecer na RPPN SESC Pantanal. Foto: Haroldo Palo Jr./SESC Pantanal

Leopoldo Garcia Brandao era uma personalidade respeitada no setor florestal que conheci quando eu era novata. Ele trabalhava com reflorestamento e se tornou famoso no setor pelo que fez na gestão da área de desenvolvimento da então Aracruz Florestal. Eu trabalhava em área de certo modo oposta à dele, cuidando das matas, no Instituto Brasileiro de Desenvolvimento Florestal (precursor do IBAMA) e confesso que não lhe era simpática. Anos mais tarde, com civilidade, nos enfrentamos nas reuniões do CONAMA, do qual ambos éramos membros.

Qual não foi minha enorme surpresa quando, tempos depois, prestes a deixar o IBAMA, ele me ofereceu uma consultoria. Por telefone, explicou que o assunto era “ver o que fazer com as enormes fazendas que o SESC Mato Grosso comprara” no Pantanal de Barão do Melgaço.

Tenho título de cidadã pantaneira e amo aquele espetacular bioma. Assim, embora apreensiva, aceitei a oferta tentadora. E lá fomos, Leopoldo e eu, visitar e sobrevoar as áreas das tais fazendas. Ele me dizia: “tome fotos, registre tudo”. Não tenho dúvida, já antevia o que eu iria propor.

Ousadia

“Pela importância e tamanho, a RPPN foi reconhecida como um Sitio RAMSAR pela convenção de zonas úmidas e ficou conhecida como a área melhor manejada entre as unidades de conservação do Brasil”

Depois de várias reuniões com o SESC local e nacional, Leopoldo apresentou a seus superiores — leia-se Antônio de Oliveira Santos, presidente da Confederação Nacional do Comercio (CNC) — a proposta de criação de uma enorme reserva particular do patrimônio natural (RPPN). A direção do SESC foi pega de surpresa, mas Leopoldo era respeitado e expôs a ideia com convicção. Ademais, soube se assessorar de grandes cientistas das Universidades Federais de Mato Grosso, Rio de Janeiro e Brasília. Era incansável.

A cerimônia de reconhecimento oficial da RPPN SESC Pantanal contou com a presença do então Presidente Fernando Henrique Cardoso. Mas criar esta área protegida não foi o fim da história. Leopoldo foi muito além. Passou a visitar universidades e instituições de pesquisas, e com assessoria do ornitólogo Dr. Paulo Zuquim Antas e da Dra Eimiko, da EMBRAPA, e do doutor Flamarion, da UFRJ, dentre outros, fez um plano para a realização de 40 pesquisas na RPPN, começando com as araras azuis e vermelhas, proposta de Zuquim.

Urgia preparar o plano de manejo da reserva, e Leopoldo escolheu outra vez Paulo Zuquim para liderar a preparação do documento. Tive a honra de participar da excelente equipe multidisciplinar que produziu o plano de manejo.

Leopoldo não era um especialista no assunto, mas lia cuidadosamente tudo que lhe entregavam, fazia reuniões de pesquisadores. Com o apoio do Valdir e Maron, contribuiu para desenvolver toda a magnifica infraestrutura de visitantes que o SESC implementou na RPPN, bem como para medidas sociais inéditas ali. Por exemplo, O SESC de Poconé vende ao hotel do SESC toda a produção de mel, de pupas de borboletas, que se produz pelas comunidades locais, além de empregar guardas e o pessoal do combate aos incêndios, também das pequenas cidades ou vilas do entorno.

Sucesso merecido

O SESC por lá é benquisto e com total razão: mantém uma área protegida de cem mil hectares bem manejada e com toda a infraestrutura necessária. É mesmo surreal. Tem um lindo Centro de visitantes, postos de fiscalização, borboletário, abrigos para pesquisadores, trilhas interpretativas e publicações com fotos do excelente Haroldo Palo Jr.

Pela importância e tamanho, a RPPN foi reconhecida como um Sitio RAMSAR pela convenção de zonas úmidas e ficou conhecida como a área melhor manejada entre as unidades de conservação do Brasil, onde não faltam recursos financeiros e humanos.

Quem conseguiu fazer o SESC chegar lá? Leopoldo. O mesmo homem que após três dias de UTI ia visitar a sua magnifica e incomum obra, passando toda série de apertos como estradas ruins, pontes caindo e clima insuportável na época das queimadas. Mas ele era incansável.

Ganhou o Brasil, o Pantanal Matogrossense, as Universidades, a Confederação Nacional do Comércio, todos nós.

Infelizmente Leopoldo morreu sem um reconhecimento oficial de seu enorme e significativo trabalho para a conservação da natureza.

Sua falta já se faz sentir ao constatar que talvez o manejo da RPPN não seja mais tão criterioso como o que ele impôs, ou da falta das pesquisas que estimulou na região, como a das araras azuis, que, hoje, apresentam hoje um grau de mortalidade assustador e pouco estudado.

Homens únicos como ele fazem falta. Fui testemunha de sua obra e quero deixar o meu muito obrigada, querido amigo. Ao mesmo tempo, também rezo para que as regras não sejam mudadas, mas que evoluam para melhor. O nome e a credibilidade do SESC assim o merecem.

 

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Comentários 9

  1. Silvia Kataoka diz:

    Parabéns Maria Tereza pela bela homenagem a este grande homem, Dr Leopoldo, um visionário que tive o privilégio de trabalhar durante os anos que estive no Sesc Pantanal. Um exemplo de pessoa em todos os sentidos, como profissional, ser humano, esposo, pai, avô. E sempre compartilhando os seus conhecimentos com todos ao seu redor, muita gratidão por tê-lo como meu orientador nos meus primeiros passos como gestora de UC.


  2. Fabio diz:

    O SESC mostra o que cada parque nacional brasileiro poderia ter e ser. Faz falta termos mais Leopoldos…


  3. maria tereza diz:

  4. clovis borges diz:

    O SESC e todas as pessoas que colaboraram com a implementação desse extraordinário projeto merecem nossos mais efusivos cumprimentos. Homenagem justa e oportuna que Maria Tereza faz a Leopoldo Garcia Brandão. O Brasil seria muito diferente se tivéssemos mais exemplos como esse.


  5. Edson P. de Andrade diz:

    Boa tarde
    Tive a grande honra de desenvolver projetos cuja participação do Dr. Leopoldo foi fundamental, homem de valor inestimável e fundamental para as pesquisas e desenvolvimentos florestais no Brasil e no mundo.
    Homenagem muito justa.


  6. maria tereza diz:

    Obrigada querido Paulo. Eu queria enviar a senhora do Leopoldo, Margarida, mas infelizmente perdi o contato. Sera que voce tem e poderia enviar `a ela?


    1. Paulo Brandão diz:

      Maria Tereza, meu nome é Paulo Brandão e sou filho do Leopoldo. Fico imensamente grato pela sua homenagem. Meu pai foi muito feliz e priveligiado em ter amigos como você que o ajudaram a realizar projetos como o do Sesc. Era um entusiasta e admirador dos seus amigos,. Seu nome e de vários que vc citou eram frequentes em nossas conversas e tenho certeza que vc pode imaginar o sorriso do papai ao falar sobre você. Se quiser me passar um contato para que restabeleça a conexão com minha mãe, terei prazer em encaminhar.


      1. Fernando pletz diz:

        Olá Paulo Brandão, meu nome e Fernando Rodrigues Pletz rabalhei com seu pai uns 10 anos no Sesc Rio foi uma das figuras mas carinhosa como aprendi com ele eu era um simples garcon e quantas tardes conversava com ele me ajudou muito e me incentivou a estudar e me formar em professor de Historia .Tenho muitas saudades dele e sou grato que tudo que fez por mim nunca esquecerei desse homem brilhante que foi um pai para mim.. abracos


  7. PAULO ZUQUIM ANTAS diz:

    Parabéns Maria Tereza, homenagem justa e necessária por alguém que fez tanto, deixando uma herança incomparável para as próximas gerações. Que sirva de exemplo e inspiração para todos. Parabéns também ao SESC/Departamento Nacional pelo apoio fornecido para a implantação da RPPN, esperando que esse legado seja bem conduzido pela instituição com o mesmo entusiasmo do período em que Leopoldo transformou a reserva em um dos laboratórios a céu aberto mais importantes para a pesquisa no Pantanal e no país.