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Parques e desenvolvimento turístico

Áreas protegidas na América Latina são ainda um recurso desperdiçado. Mas podem se transformar em meio de desenvolvimento regional.

27 de fevereiro de 2011 · 13 anos atrás
  • Marc Dourojeanni

    Consultor e professor emérito da Universidade Nacional Agrária de Lima, Peru. Foi chefe da Divisão Ambiental do Banco Interam...

Na atualidade, para se resgatar algo da natureza para as gerações futuras, não são suficientes os argumentos éticos ou estéticos. Hoje até é necessário demonstrar que cuidar das mais belas paisagens naturais tem valor de mercado e que para se investir na manutenção de serviços vitais, como os que brindam a água ou o ar, há de se provar previamente que é economicamente rentável. Se não se aportam provas que sejam aceitáveis para os todo poderosos e insensíveis deuses da economia liberal, as paisagens serão extintas e os humanos poderão morrer. É ridículo e imoral, mas é assim. Por isso, nesta coluna, se pretende demonstrar que a natureza contida nas áreas naturais protegidas têm muito valor para aumentar o potencial econômico das regiões que já são ou que poderão ser pólos turísticos. Quiçá assim, só assim, os nossos netos verão um pouco do que nós tivemos a sorte de ver.

Em muitos lugares do Brasil ou da América Latina existem atrativos turísticos já transformados em produtos que atraem um fluxo turístico razoável. Bonito e seus arredores (no Mato Grosso do Sul) é um bom exemplo e por isso, será mencionado com frequência neste artigo. Nesses lugares, existem muitos outros atrativos subutilizados ou mal utilizados, que se aproveitados poderiam aumentar muito a rentabilidade econômica do turismo na região, sem prejudicar e até mesmo complementando os produtos já desenvolvidos. Uma grande parte destes e os melhores estão nas áreas naturais protegidas, ou seja, nas unidades de conservação (UCs) federais ou estaduais. Nelas, lamentavelmente, se vê o seu abandono pelo poder público, a dificuldade de acessá-las por aplicação errada de princípios e regras, por atitudes institucionais que dificultam seu aproveitamento e que, por isso mesmo, as põem em risco.

Aqui discutirei a viabilidade e os benefícios do aproveitamento desses atrativos naturais não utilizados ou subutilizados e como podem contribuir ao desenvolvimento do turismo na região onde se localizam, além de mencionar algumas medidas para poder aproveitá-los.

Demanda por visitação a unidades de conservação

A maioria das atividades de ecoturismo é desenvolvida nas diversas categorias de UCs, mas ocorre principalmente nos parques nacionais. Os valores de uso público destas áreas são impressionantes e crescentes. Nos EUA, as pessoas que desenvolveram atividades em áreas protegidas, de todas as classes, gastaram muito, ao redor de 150 bilhões de dólares a cada ano. A maioria delas realizou suas atividades nas 385 unidades administradas pelo US National Parks Service, que em 2002 recebeu 421 milhões de visitantes, justificando um orçamento que ultrapassou 2,6 milhões de dólares em 2003. A isso devem ser adicionadas as visitas aos parques estaduais e florestas nacionais e estaduais. Grande parte de esses visitantes aos parques dos EUA são também candidatos a visitar UCs em outros países, especialmente os da América Latina.

Estudos sobre a “vontade de pagar” dos visitantes de áreas protegidas da América Latina mostram que os preços atuais dos bilhetes são baixos tanto para os visitantes nacionais, como para os internacionais e até mesmo para os locais. 

Ademais, deve-se considerar que o ecoturismo é o segmento mais dinâmico do turismo, crescendo entre 10 e 30% a cada ano, ou seja, muito mais alto que o turismo em geral que cresce entre 2 e 4% por ano. Isso não é difícil de se compreender quando sabe-se que apenas nos EUA existem, por exemplo, 55 milhões de observadores de aves que a cada ano gastam mais de 20 bilhões de dólares. Muitos desses e outros de países desenvolvidos vão à América do Sul que é o continente com a maior diversidade de aves.

Na América Latina estes números colossais não são alcançados. Os sistemas de parques mais visitados na região recebem apenas uma pequena fração das visitas recebidas pelos dos EUA ou do Canadá. Costa Rica, por exemplo, apesar de ser o país que melhor aproveita suas áreas naturais, não tem ultrapassado o primeiro milhão de visitantes por ano, mas isso é quase o mesmo que oficialmente receberam no mesmo período (2002) sistemas comparativamente grandes como o do Brasil (1,3 milhões visitantes), Argentina (1,2 milhões) e Chile (um milhão). Ou seja, os parques da América Latina recebem muito menos visitantes e que inclusive pagam menos que na África.

Além disso, as visitas aos parques na América do Sul estão concentradas em poucos. No Brasil, por exemplo, a maioria das visitas é concentrada em Iguaçu (750.000 visitantes por ano), Tijuca (onde o ingresso é livre), Itatiaia e Fernando de Noronha, entre outros poucos. No Peru, em 2005 se registraram 354.000 visitantes nas áreas protegidas, sendo Huascarán (107.000), Machu Picchu (74.000) e Paracas (62.000) as mais visitadas. Na América Latina, a maioria dos visitantes não paga para entrar nos parques e se pagam, é muito pouco, muitas vezes nem sequer são registrados. Para ilustrar este ponto, menciona-se o caso da Estação Ecológica Juréia-Itatins (São Paulo) que em 2001 recebeu oficialmente 7.393 visitantes que não pagaram e outros 94.500 visitantes, que por razões legais nem sequer foram registrados. Note-se, por exemplo, que existem no Brasil mais de 500 mil pessoas que fazem por ano, pelo menos quatro viagens identificáveis como de ecoturismo, o que significa, essencialmente, umas 2 milhões de visitas a áreas protegidas. Ou seja, na verdade, o número de visitantes em áreas protegidas da América Latina e no Brasil é provavelmente superior ao oficialmente reconhecido. Confirmando esta suspeita, recentemente o ICMBio, que mudou sua forma de contabilizar visitantes, anunciou ter recebido 3,8 milhões de visitantes em 2009. Ainda assim é um sistema muito subutilizado.

O fato é que poucos visitantes das UCs pagam e que o preço dos ingressos é muito baixo na maioria dos países da região. Não obstante, estudos sobre a “vontade de pagar” dos visitantes de áreas protegidas da América Latina mostram que os preços atuais dos bilhetes são baixos tanto para os visitantes nacionais, como para os internacionais e até mesmo para os locais. Por exemplo, uma extensa pesquisa em Machu Picchu (Peru) revelou que 66% dos turistas peruanos estão dispostos em média, a pagar US$ 26 por bilhete, em vez do preço atual de US$ 10 e que 91% dos turistas estrangeiros estão dispostos a pagar US$ 47. Outro resultado interessante é que uma grande maioria tanto entre visitantes estrangeiros como entre nacionais consideram justo que os preços sejam mais baratos para os locais. Um trabalho semelhante na Mata Atlântica brasileira revelou que a vontade de pagar de visitantes em áreas protegidas, varia entre US$22 em reservas florestais até US$88 em parques bem equipados. Existem vários outros trabalhos, em muitos parques em vários países, que confirmam essa informação e até mesmo demonstram que a elevação do preço do ingresso dos parques não afeta a demanda, que continua a crescer.

Em suma, os dados citados mostram que não há dúvida sobre a demanda existente e que dada a vontade a pagar, com investimentos relativamente modestos que se requerem para receber visitantes em áreas protegidas ou no seu entorno, há um retorno econômico significativo para a própria área, para a região e o país.

Vantagens que as unidades de conservação oferecem para o turismo regional

As UCs, por definição, reunem o que há de mais bonito ou espetacular (paisagens, cachoeiras, florestas), de mais interessante ou raro (animais e plantas endêmicas ou em extinção) e também, o que tem de mais importante em termos culturais. Ou seja, as UCs são de fato os melhores atrativos turísticos que uma região pode oferecer ao turismo local, nacional ou internacional. Devido à falta de investimentos nas UCs e às modalidades inadequadas de gerenciamento, muitas delas ainda não são o que pode-se qualificar como produto turístico. As regiões que são turísticas já possuem atrativos transformados em produtos turísticos, como no caso de Bonito, onde diversos empreendedores visionários aproveitaram a beleza inédita de seus rios de águas cristalinas repletos de peixes e outras espécies. Ainda assim, Bonito desperdiça o potencial muito grande do Parque Nacional da Serra da Bodoquena, já que se aproveitado, alongaria em mais um ou dois dias a permanência dos turistas e brindaria múltiplas oportunidades de negócios adicionais.

O mais escandaloso caso de má utilização de uma UC no Brasil é o famoso Parque Nacional de Iguaçu. Seu produto mais importante, ou mais popular, é a visão das cataratas.

Mas, na realidade, o apoio das UCs ao turismo e à região não se limita aos produtos turísticos per se. Como é evidente, o turismo, além dos atrativos, requer água limpa, energia, ar puro, riscos ambientais mínimos etc. Tudo isso é o que uma UC bem administrada oferece aos seus vizinhos.

Sem embargo, o prestigioso jornal “Gazeta Mercantil” publicou em 1996 um artigo bombástico: “Parques nacionais dão prejuízo”, cujo subtítulo era “De 35 parques nacionais do IBAMA, apenas Iguaçu apresentou lucro em 1995”. O autor explicava que o Parque do Iguaçu teve um “excedente” de 563 mil reais, comparando as despesas com as receitas, enquanto todos os outros parques “tiveram perdas”. Para estimar a renda foram registradas, somente, as entradas, as taxas de concessão e a venda de souvenirs. Não foi levado em conta o efeito multiplicador das visitas nem se pensou nos serviços ambientais ou em outros valores. Muito menos, estava-se consciente de que um parque nacional é um museu natural, portanto não deve ser necessariamente “rentável”. Como tampouco são a maioria dos museus no mundo. Mas, ninguém, nem aquele desastrado jornalista, declaram que museus não são rentáveis, nem pretendem fechar os museus e descartar suas obras de arte.

Nos EUA, o efeito multiplicador das visitas às áreas protegidas na economia local é enorme. Segundo estimativas obtidas pelo modelo participativo MGM (Money Generation Model) do US National Parks Service, no ano fiscal de 2005, os 272,6 milhões de visitantes para recreação, gastaram num raio de 50 km ao redor dos parques um valor de US$11,9 bilhões, mantendo 246.400 postos de trabalho (incluindo os funcionários dos parques) e cujos salários alcançaram US$5,6 bilhões. Iguaçu, com seus mais de 750.000 visitantes por ano possivelmente gera vários bilhões de dólares por ano para a região. Com efeito, a cidade de Foz de Iguaçu assim como outras localidades e diversas empresas (incluindo companhias aéreas) dependem principalmente do turismo motivado pelo Parque.

Subutilização e mal utilização de unidades de conservação

Apesar das cifras acima mencionadas demonstrarem a importância das UCs para estimular o turismo, existem inúmeros casos onde estas não são aproveitadas. Bonito é um bom estudo de caso já que não utiliza o Parque Nacional da Serra da Bodoquena. Pior ainda, para alguns que se dedicam ao negócio do turismo, acham que a abertura do Parque à visitação e uso poderia criar uma competição desleal para seus negócios. Isso é um erro por múltiplas razões, entre as quais se destacam: (i) os atrativos da Serra da Bodoquena não competem totalmente, nem diretamente com aqueles oferecidos na região; (ii) a capacidade de carga de visitantes no Parque é potencialmente grande, permitindo diversas atividades recreativas e inúmeras opções para novos negócios turísticos; (iii) a permanência dos visitantes convencionais na região poderia ser prolongada em pelo menos um dia, aumentando a ocupação dos leitos e possibilitando o crescimento da hotelaria. Ou seja, na realidade, o risco de prejuízo é reduzido para poucos e o beneficio é garantido para muitos.

Porque os parques dos EUA recebem mais de 400 milhões de visitantes a cada ano e os do Brasil nem alcançam 4 milhões, ou seja, 100 vezes menos?

Além do turismo de massa (visitantes que vão apenas a um par de locais no mesmo dia – “o tour”) podem se desenvolver outras formas de visitação: (i) de elite (os dispostos a pagar muito mais por visitas exclusivas), (ii) de interesse especial (por exemplo, os bird-watchers, insect-watchers ou os que gostam de orquídeas), (iii) de interesse geral (amantes da natureza, dispostos a ver mais), (iv) mochileiros “plus” (mochileiros que dispõem de tempo e dinheiro), (v) mochileiros e (vi) exploradores (indivíduos solitários ou em grupos pequenos, dispostos a aventura). Nesses casos a permanência na região e o lucro possível incrementa muito.

Bonito não é único lugar do Centro Oeste, do Brasil ou da América Latina onde isso ocorre. Tem casos mais graves que outros. Pirenópolis (Góias) tem muitos atrativos, produtos turísticos naturais e culturais que lhe asseguram uma visitação importante. Mas, apesar disso, muitos turistas não voltam, pois, após duas ou três visitas, não fica nada de novo para se descobrir. Não obstante, a pouca distância da cidade de Pirenópolis existem duas áreas naturais espetaculares e praticamente sem aproveitamento: o Monumento Natural Municipal Cidade de Pedra e o Parque Estadual da Serra dos Pirineus. Visitas dos turistas convencionais a ambos locais poderiam implicar, sem competir com outras áreas naturais já desenvolvidas como a Reserva Particular de Patrimônio Natural Vagafogo, no mínimo dois dias a mais de permanência na região ou a reiteração das visitas à cidade. Outras modalidades de visitação como as citadas anteriormente teriam um potencial enorme para essas duas UCs, especialmente para a primeira.

Uma situação similar, também no Centro Oeste, ocorre em Caldas Novas (Goiás), onde o Parque Estadual da Serra de Caldas Novas não figura como atrativo para essa região porque também está praticamente fechado a visitação, apesar de ter uma excelente infraestrutura. Os exemplos se multiplicam em outras regiões do Brasil, como na costa baiana, onde o turismo desperdiça a oportunidade oferecida pelos parques nacionais e estaduais vizinhos das praias como Monte Pascoal, Descobrimento, Serra do Condurú etc. Muitos turistas, especialmente os estrangeiros, gostariam de desfrutar da mata e da observação de aves como complemento do sol e das praias. Quanto mais atrativos, maior a permanência, maior o gasto na região e mais desenvolvimento.

O mais escandaloso caso de má utilização de uma UC no Brasil é o famoso Parque Nacional de Iguaçu. Seu produto mais importante, ou mais popular, é a visão das cataratas, seja das passarelas ou das embarcações que se acercam a elas pelo rio. Mas, na verdade, o outro atrativo quase tão importante quanto às quedas é por esse parque ser o único remanescente importante de floresta subtropical de todo o sul do Brasil e do norte da Argentina. Trata-se de uma floresta tão espetacular quanto as mesmas cataratas, com espécies raras e belíssimas, pelas quais os turistas (não os de massa) de todo o mundo pagariam por ver. São estes turistas que mais gastam e é um absurdo desperdiçar este oportunidade, não aproveitando o potencial econômico. Mas, outra vez, esse parque está fechado para os visitantes que não sejam a “massa” convencional. Casos assim se repetem em todas as partes do Brasil, até em Brasília, onde a única coisa que se conhece do Parque Nacional de Brasília é a piscina de água mal chamada de “água mineral”. Os turistas estrangeiros que chegam a essa cidade ficam frustrados quando, pensando no que viram em Nairóbi, no Quênia, e acreditam que no de Brasilia vão ver natureza. Não existe nenhuma trilha para categorias de visitantes que não sejam os de massa, os que vão à piscina ou à única, curta e insuficiente trilha na mata ciliar perto da sede.

Porque as unidades de conservação brasileiras não atraem mais visitantes?

Porque os parques dos EUA recebem mais de 400 milhões de visitantes a cada ano e os do Brasil nem alcançam 4 milhões, ou seja, 100 vezes menos? São as UCs norteamericanas mais numerosas, maiores ou mais atraentes do que as do Brasil? A resposta a primeira pergunta é simples: em geral, as UCs do Brasil e da América latina não estão preparadas para receber adequadamente os visitantes. Muitas delas nem sequer estão abertas para visitação. A resposta para a segunda pergunta, considerando o número, tamanho e atrativos, é que os parques do Brasil ou os da América Latina apresentam atrações naturais igualmente belas, porem são muito superiores em diversidade biológica e riqueza cultural.

As unidades de conservação são, no momento, o que se qualifica como “atrativos turísticos naturais brutos”. Para seu aproveitamento devem ser transformados em produtos turísticos. 

O que faz diferença a favor dos EUA é que, se considerar as facilidades para os visitantes, os parques norte-americanos são, definitivamente, muito mais atraentes que os do Brasil e os da América Latina. Eles receberam investimentos substanciais do governo para receber bem aos visitantes, criando condições para o desenvolvimento de empresas privadas ligadas ao turismo. Na América Latina, pelo contrário, a maioria dos parques não receberam investimentos significativos e por isso são formal ou informalmente fechados ao uso público. Carecem de centros de visitantes, trilhas seguras, áreas de acampamentos, estacionamentos, estradas e aeroportos, heliportos e de muitos outros serviços básicos. Também são carentes de pessoal e de recursos para manutenção. Um estudo de fins dos anos 1990 revelou que o orçamento médio global annual por hectare das áreas protegidas era de US$8,9/ha. A média nos países desenvolvidos era de US$ 20,6/ha. Nos países em desenvolvimento o orçamento para as áreas protegidas foi de apenas US$0,27/ha. No Brasil, o país latinoamericano que mais recebeu apoio internacional para a conservação da biodiversidade, o orçamento foi de US$2,2/ha. Ou seja, cinco vezes menos do que a média mundial e 10 vezes menos do que nos países desenvolvidos.

Um parque sem pessoal adequado, sem equipamento, sem infraestrutura e às vezes sem acesso, não pode ser aberto ao público nem pode atrair investidores privados para instalação de recursos adicionais, tais como hotéis, restaurantes, agências de viagens, serviços de guias, postos de combustível, aluguel e implementos, entre muitos outros que exigem o turismo de negócios. Em outras palavras, os sistemas de áreas protegidas na América Latina, com a honrosa e relativa exceção da Argentina e da Costa Rica e de alguns parques isolados em outros poucos países não estão cumprindo as funções para o qual foram estabelecidos no que se refere ao estímulo do desenvolvimento econômico local.

O que fazer para que as unidades de conservação do Brasil realmente sirvam ao desenvolvimento do turismo regional?

As unidades de conservação são, no momento, o que se qualifica como “atrativos turísticos naturais brutos”. Para seu aproveitamento devem ser transformados em produtos turísticos. Isso, como bem se sabe, implica em investimentos fora e dentro das UCs. Fora das Ucs, o setor público deveria investir em acessos razoáveis, boa sinalização e disponibilização de informação atrativa sobre elas. Dentro delas é preciso implantá-las, ou seja, construir tudo que possibilite aos visitantes desfrutar o que a UC lhe oferece. Isto inclui portões de ingresso, postos de controle, centro de visitantes com museu do sítio e facilidades para palestras, locais de piqueniques, áreas para acampamento, desenvolvimento de trilhas, construção de parapeitos e mirantes, sinalização etc. Para isso se pressupõe a existência e aplicação de um plano de manejo que também deve incluir tudo referente ao manejo e manutenção da área, em especial, pessoal adequado, em número suficiente e equipamentos. Em princípio, esses investimentos, é responsabilidade do poder público, neste caso do ICMBio no nível federal e as secretarias de meio ambiente no nível local.

Mas, como têm sido reiteradas até o cansaço, com poucas e muito parciais exceções, os governos não cumprem suas obrigações e não fazem nada ou quase nada para transformar os tesouros naturais que supostamente protegem em produtos aproveitáveis para o turismo regional. Por isso, é responsabilidade da sociedade exigir ou demandar uma mudança de atitude dos governos, como já têm sido mostrada pela sociedade, através das reservas naturais particulares, conhecidas no Brasil como reservas particulares de patrimônio natural (RPPNs).

Com efeito, o melhor caminho para defender as UCs é seu desenvolvimento para a visitação, sem prejuízo da sua principal tarefa que é a conservação da natureza. O bom caminho na região, como dito, foi traçado pelo setor privado, com o sucesso de muitas reservas de natureza privada ou santuários, como Monteverde, na Costa Rica ou Vagafogo, no Brasil. Esses casos, dentre outros, têm demonstrado que os proprietários podem pagar as suas despesas e até mesmo obter lucro, apenas com os visitantes. O caso da Vagafogo (em Pirenópolis no Goiás), um santuário natural de tão somente 17 ha localizado a 140 km de Brasília e sem atrativos especiais, é particularmente demonstrativo. Ele recebe cerca de 10 mil visitantes por ano e proporciona aos proprietários 21.000 dólares por ano apenas com as entradas, além de outros serviços e da venda de produtos. A renda é, obviamente, proporcional à qualidade do espaço e a sua gestão. Vagafogo compensa sua falta de atrativos naturais com uma administração eficiente e inteligente.

De fato, as melhores UCs do Brasil, capazes de competir com qualquer UC pública do mundo desenvolvido são privadas: as RPPNs SESC Pantanal (do SESC Nacional) e Salto Morato (da Fundação O Boticário de Conservação a Natureza). Especialmente na primeira, existem todas as facilidades mencionadas na lista do que se precisa para transformar uma UC em produto turístico. Além disso, ainda se somam uma pista de aterrissagem, vários campos de pouso, porto, postos e torres de controle de incêndios, pesquisa científica avançada, programas sociais para as comunidades locais etc.

Como transformar as UCs públicas em bons negócios turísticos? O Canadá é um ótimo exemplo de como se fazer. Os 278 parques da Província do Ontário (7,1 milhões de hectares) com 10 milhões de visitantes por ano, foram afetados por restrições orçamentárias que dificultavam seu aproveitamento turístico. Em 1996, foram legalmente transferidos ao Ontario Parks, uma empresa pública, para serem manejados sob-base comercial com plena autoridade para reinvestir todos os ingressos dos parques e para fechar negócios com o setor privado, respeitando os planos de manejo, e melhorando os serviços aos visitantes. Dentre outras melhorias, foram aprimorados ou estabelecidos milhares de sítios para piquenique e acampamentos. Em 2001 o governo provincial já tinha diminuído seu aporte anual ao sistema de US$8.5 milhões a US$6,1 milhões, mas, o gasto anual nos parques nesse mesmo ano passou de US$11,6 milhões a US$48,5 milhões. Os ingressos nos parques que antes cobriam apenas o 56% do custo de operação anual cobrem agora mais de 80%. Dito de outro modo, um grande negócio para o governo, para os parques e especialmente, para os visitantes.

Porque não tentar esse esquema ou algo semelhante pelo menos com os parques estaduais? E porque não com alguns dos nacionais? Para isso deve haver pressão sobre os políticos por parte da sociedade local, especialmente dos empresários interessados, idealmente com a cumplicidade da administração das UCs, pois, a proposta deve ser técnica e economicamente balanceada. Em especial, a transformação das UCs em produtos turísticos e em bons negócios não pode afetar negativamente a sua função primordial de conservação do patrimônio natural da nação. Mas, isso é perfeitamente fatível como bem demonstrado nas RPPNs mencionadas e em inúmeros parques ao redor do planeta.

Uma ferramenta essencial para alcançar esse objetivo e também outros menos ambiciosos embora também importantes, já está disponível. Trata-se dos conselhos consultivos (artigo 29 da Lei do Sistema Nacional de Unidades de Conservação-SNUC) que são absurdamente desaproveitados pelas sociedades locais. Através desses conselhos, os empresários de turismo podem argumentar e até demandar a abertura de trilhas novas, o melhoramento de outras, novos horários de atendimento ao público, uso de cavalos para visitação, construção de sítios de piquenique e de acampamento que, em geral, já estão contemplados no plano de manejo. Podem aportar recursos financeiro, de pessoal e equipamentos em retribuição por maior espaço para as suas iniciativas lícitas. Os conselhos são espaços de negociação da sociedade local com a autoridade da UC, sempre dentro da lei e do plano de manejo, embora este último não seja imovível, caso contenha empecilhos burocráticos e que não afetam a tarefa de proteger a natureza.

Outra ferramenta também disponível é o artigo 30 da mencionada Lei do SNUC, que estabelece que as UCs podem ser geridas por entidades da sociedade civil de interesse público. Nada impede, por exemplo, aos empresários turísticos de Bonito formar uma dessas entidades e solicitar a gerência do Parque Nacional da Serra da Bodoquena. Deverão cumprir alguns requisitos, é claro, ou se associar com uma organização não governamental pré-existente e com experiência. Mas, isso é perfeitamente viável.

Em conclusão, as UCs da América Latina são ainda um recurso desperdiçado que, com um pouco de boa vontade, pode-se transformar numa fonte principal de desenvolvimento econômico regional, sem míngua nem risco aos seus aportes à sociedade na forma de serviços ambientais e de conservação da biodiversidade.

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